O Estado de São Paulo, n. 45276, 03/10/2017. Economia, p. B4.

 

Câmara debate Refis para suspeitos de corrupção

Igor Gadelha

03/10/2017

 

 

Deputados tentam acordo para tirar do texto do projeto o trecho que permite que investigados tenham desconto sobre multas de dinheiro público desviado

 

 

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou ontem que, se houver acordo, será possível retirar do texto da medida provisória (MP) que criou um novo Refis o trecho que permite a suspeitos de corrupção parcelar e ter descontos ao devolver à União dinheiro desviado dos cofres públicos. “Não olhei o texto ainda. Mas com acordo, sempre tem caminho”, disse.

Na semana passada, deputados aprovaram em votação simbólica o texto-base da MP do Refis. No primeiro artigo da proposta, que prevê a criação do programa, parlamentares incluíram permissão para contribuintes parcelarem dívidas com a Procuradoria-Geral da União (PGU), órgão ligado à Advocacia-Geral da União (AGU) responsável por executar as cobranças de dívidas de autuações, como mostrou O Globo no sábado.

Na avaliação de procuradores, isso permite, na prática, que corruptos possam usufruir dos descontos em multas e juros previstos pelo programa ao devolver recursos desviados dos cofres públicos.

O texto original enviado pelo governo previa parcelamento com desconto nos juros e multas apenas para dívidas com a Receita Federal e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Na discussão da MP em uma comissão mista do Congresso Nacional, o relator da proposta, deputado Newton Cardoso Júnior (PMDB-MG), incluiu a PGU. A inclusão foi aprovada tanto no colegiado quanto no plenário da Câmara.

Para retirar o trecho polêmico, é necessário um acordo entre lideranças partidárias na Câmara para reabrir o prazo de apresentação de destaques (sugestões de mudança). Esse prazo se encerrou na semana passada, antes da votação do texto-base da MP na Casa.

Caso o trecho não seja retirado pela Câmara, o Senado poderá fazer isso quando estiver analisando a matéria. O problema, dizem deputados, é que, caso senadores alterem o texto aprovado pelos deputados, a MP terá de retornar para nova votação na Câmara. A articulação, porém, pode inviabilizar a conclusão da votação da proposta nas duas casas legislativas até 11 de outubro, quando a medida provisória perde a validade.

 

Veto. Para evitar que a MP não seja votada a tempo, o deputado Alfredo Kaefer (PSLPR) defende que Câmara e Senado aprovem a proposta com o trecho que beneficia corruptos e o presidente Michel Temer se comprometa, antes da votação, a vetar essa parte.

Kaefer disse ser contra permitir parcelamento, com desconto em multas e juros, de dívidas com a ProcuradoriaGeral da União. Ele afirmou que votou a favor do texto-base sem atentar para o texto polêmico: “Passei batido nisso. Se tivesse visto, não teria aprovado”.

Em nota, o relator afirmou que incluiu o trecho polêmico com aval do Palácio do Planalto para permitir que partidos pudessem parcelar suas multas eleitorais, “demanda legítima do Congresso e do Executivo”. Como o Estado mostrou em julho, o deputado é ligado a empresas que juntas devem à União R$ 51 milhões.

Cardoso Júnior rebateu tese de procuradores de que a inclusão da PGU permite parcelamento de multas relativas a atos de corrupção e acordos de leniência. Segundo ele, pagamentos devidos em razão de acordos de leniência, inclusive reparações à União, são “claramente insuscetíveis” de parcelamento. “Seria o descumprimento do acordo firmado pelos órgãos de controle e retiraria o direito aos benefícios da pessoa física ou jurídica beneficiada. O único órgão que parcelou um acordo de leniência até agora foi a PGR (Procuradoria-Geral da República), dando à JBS o direito de pagar em 25 anos uma multa de R$ 11 bilhões”.

O peemedebista afirmou que a apresentação ou não de destaque para retirar o trecho depende da deliberação da Mesa Diretora da Câmara.

 

Regra. Rodrigo Maia, presidente da Câmara, diz que com acordo texto pode mudar

 

Cenário

“Passei batido nisso. Se tivesse visto, não aprovaria.”

Alfredo Kaefer

(PSL-PR) DEPUTADO

 

“Pagamentos em razão de acordos de leniência são insuscetíveis de parcelamento.”

Newton Cardoso Jr. (PMDB-MG)

DEPUTADO, RELATOR DA PROPOSTA

 

PARA LEMBRAR

Prazo de adesão vai até dia 31

O governo federal publicou na sexta-feira passada a Medida Provisória 804/2017, que prorroga até o dia 31 de outubro deste ano o prazo final de adesão ao Programa Especial de Regularização Tributária (Pert), conhecido como Novos Refis. Sem a mudança, esse prazo terminaria na própria sexta-feira, dia 29 de setembro. A MP estabelece ainda que os contribuintes que optarem pelo parcelamento no mês de outubro terão de pagar cumulativamente as prestações de outubro, setembro, e a de agosto, que era inicialmente o mês limite para adesão. O Novo Refis ainda está em tramitação no Congresso, por meio da MP 783/2017. Na semana passada, a Câmara dos Deputados aprovou o texto-base da MP, que traz descontos mais generosos e flexibilização das regras aos devedores. A vigência da Medida Provisória do Refis termina no próximo dia 11 de outubro.