O globo, n.30752 , 17/10/2017. PAÍS, p.6

Moraes: habeas corpus não podem ser loteria

GUSTAVO SCHIMITT

 

 

Ministro defende que STF reveja prisões após condenação em segunda instância

O ministro Alexandre de Moraes defendeu ontem que o Supremo Tribunal Federal (STF) volte a julgar o caso das prisões após condenação em segunda instância para acabar com o que chamou de “loteria” de decisões liminares para concessão ou não de habeas corpus. O ministro, contudo, não antecipou seu voto.

O assunto é considerado, pela força-tarefa da Lava-Jato, como o principal risco para o futuro da operação. No sábado, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima afirmou que, “em nenhum momento anterior, a Lava-Jato esteve tão a perigo quanto agora”, ao escrever no Facebook sobre o imbróglio jurídico.

Em outubro, quando Moraes ainda não integrava a Corte, o Supremo decidiu em placar apertado, de 6 votos a 5, manter a possibilidade de prisão após condenação em segundo grau por órgão colegiado. O ministro foi empossado no final de março na vaga de Teori Zavascki, cujo voto no último julgamento havia sido favorável à prisão depois da condenação em segunda instância.

Moraes disse que a expectativa é que o caso seja julgado até o fim do ano, quando o ministro Marco Aurélio Mello, relator do processo sobre o assunto, deve colocá-lo em pauta novamente.

— O que não se pode no Direito é loteria. O que não se pode no Direito é a figura mais importante ser o computador, que distribui para o ministro A ou B. Se for para o A, tem liminar. Se for para o B, não. Alguns ministros concedem liminar, outros não concedem para casos absolutamente idênticos — disse o ministro após participar da abertura do 21º Salão Internacional do Transporte Rodoviário de Cargas (Fenatran), na capital paulista.

O ministro enfatizou que a nova decisão é importante para dar mais “segurança jurídica”:

— Eu vejo a necessidade de o STF julgar novamente isso. A partir daí, nós teremos o mesmo tratamento para todos os casos. Isso é que é a segurança jurídica. Situações idênticas devem ser tratadas de forma idêntica. Uma vez definido isso, a decisão terá efeitos vinculantes para todos os juízes — disse Moraes.

Indagado sobre a avaliação de que a revisão da possibilidade de prisão após uma condenação em segunda instância poderia favorecer a impunidade, Moraes disse acreditar que é possível combater a corrupção sem atropelar preceitos constitucionais.

— Sobre a questão recursal, eu também sempre fui um crítico da questão procedimental. É possível você combater a criminalidade muito mais forte e rapidamente, inclusive a corrupção, porque a corrupção é uma forma de criminalidade organizada, mas sem atropelar os preceitos constitucionais. E é isso que o STF vai decidir — disse.

O ministro do STF Gilmar Mendes também defendeu que o tribunal reveja a decisão de fevereiro do ano passado, que determinou que a pena de prisão deve ser cumprida já a partir da confirmação de condenação em segunda instância.

 

“FUNÇÃO CONSTITUCIONAL”

Ele também comentou o julgamento da Corte da última quarta-feira, quando os ministros decidiram que o Congresso precisa dar aval a medidas cautelares que possam afastar o parlamentar do mandato. O resultado terá repercussão no caso de Aécio Neves (PSDB), afastado do mandato desde 26 de setembro pela primeira turma do STF e posto em recolhimento noturno.

Moraes disse entender que não haverá conflito entre os Poderes caso o Senado derrube a medida cautelar determinada pelo Supremo contra o tucano, mas frisou que o Legislativo terá que arcar com as consequências políticas de sua decisão:

— Caso o Senado vote (a favor da manutenção de Aécio no cargo), que arque com as consequências políticas disso. Juridicamente quem definiu que isso é possível foi o Supremo. A decisão do Supremo é jurídica e a do Senado é política. Até porque a Constituição permite, inclusive, que, se já houver processo contra um parlamentar, a Casa respectiva suspenda esse processo. Nós podemos concordar ou não.