Título: "Brasília pertence a todos"
Autor: Mader, helena
Fonte: Correio Braziliense, 14/03/2012, Cidades, p. 23

No primeiro dia da missão, consultores da Unesco deixam clara a admiração pela capital e garantem já ter muitas informações sobre os atuais problemas que preocupam os moradores da capital. O relatório trará recomendações para que a cidade não perca o título

Os especialistas estrangeiros indicados pela Unesco para a visita a Brasília têm currículos extensos e grande experiência na área de patrimônio mundial. Mas além dessa bagagem acadêmica, o argentino Luís Maria Calvo e o espanhol Carlos Sambrício mostraram ontem, no primeiro dia da missão, que são dois admiradores da cidade. "A proposta de Lucio Costa para Brasília é a realização mais maravilhosa do século 20", disse Calvo. "Brasília me pertence tanto quanto pertence aos brasilienses, porque é uma parte do saber da humanidade", acrescentou Sambrício, durante coletiva à imprensa.

Mas o discurso dos consultores da Unesco não ficou restrito apenas aos elogios à capital federal. Eles explicaram que o relatório a ser elaborado após a missão trará recomendações para o governo, que deverão ser seguidas sob o risco de, no futuro, a capital federal perder o título concedido pela Unesco há quase 25 anos. Eles citaram o exemplo de Dresden, na Alemanha, que perdeu o título depois da construção de uma controversa ponte sobre o Rio Elba. Segundo a organização, a obra alterou os valores culturais da paisagem da cidade.

O arquiteto Luís Maria Calvo esclareceu que os consultores buscam sempre o apoio do governo dos países que recebem a visita. "Sempre fazemos um trabalho conjunto, para unir o Estado e a Unesco. No caso de Brasília, a última visita foi realizada há 10 anos. Outros locais recebem as missões com maior frequência", comentou o especialista. Ele contou que, antes de desembarcar em Brasília, já havia se informado sobre os problemas que afetam a cidade atualmente. "Recebemos muitos documentos e informações, que a comunidade organizada enviou à Unesco", acrescentou Calvo. Na última década, entidades de defesa do patrimônio e líderes comunitários mandaram dossiês com denúncias sobre irregularidades registradas na cidade.

Em reunião com técnicos do governo local e do Iphan, a dupla definiu detalhes do roteiro da inspeção

Na manhã de ontem, os consultores se reuniram com representantes do GDF e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para definir detalhes da agenda da visita, que se estenderá até o próximo sábado. No início da tarde, Sambrício e Calvo concederam uma coletiva à imprensa, ao lado da coordenadora de Cultura da Unesco no Brasil, Jurema Machado, e do diretor de Patrimônio do Iphan, Andrey Schlee. Depois, seguiram em direção ao Palácio do Buriti, onde se reuniram com quase 50 técnicos e integrantes do primeiro escalão do governo local. A Unesco não divulgou o cronograma dos próximos dias.

Além das reuniões, Calvo e Sambrício também vão se debruçar sobre a legislação do Distrito Federal. Eles querem avaliar o impacto das leis locais sobre o patrimônio de Brasília. Fazem parte do agenda visitas a diversos pontos da cidade, como entrequadras comerciais, a orla do lago e a avenida W3 Sul, além de um sobrevoo de helicóptero sobre a cidade. Ao fim dos cinco dias de visita, os especialistas vão elaborar um relatório, que será enviado ao Centro do Patrimônio Mundial da Unesco, em Paris, e debatido durante a reunião anual da entidade, que, em 2012, ocorrerá na Rússia, em junho.

Risco Luís Calvo e Carlos Sambrício foram muito questionados sobre o risco de Brasília perder o título concedido pela Unesco. "Não estamos em condições de responder isso no início da missão", explicou Sambrício. "Mas, até chegarmos a uma medida radical como essa, leva-se muito tempo. É um processo longo, em que a Unesco emite várias advertências", acrescentou o arquiteto espanhol. Para ele, o grande objetivo da visita é melhorar os mecanismos de proteção. "Essa capital é um testemunho para a humanidade. Podemos dar recomendações e pequenos conselhos para preservar essa cidade. Brasília pertence a todos", justificou Sambrício.

Já Luís Maria Calvo falou sobre a utopia social representada pelo projeto da capital. "O conceito criado por ele tem um valor extraordinário. É preciso buscar a democratização e a socialização dos espaços, que são questões intangíveis e imateriais incluídas na proposta de Lucio Costa", comentou. Para o especialista argentino, é imprescindível implantar efetivamente uma região-tampão, que recebeu o nome de zona de proteção da área tombada. A medida foi aprovada pelo Iphan no mês passado. "O Plano Piloto está encravado em uma área com alta densidade populacional e é necessário garantir a visibilidade", finalizou Calvo.

O arquiteto Carlos Sambrício disse que surpreendeu com a quantidade de notícias sobre a chegada da missão da Unesco. "Fiquei surpreso com o interesse relativo à nossa chegada. Isso demonstra que a população tem sensibilidade urbana e que existe uma preocupação quanto à preservação do projeto original", afirmou.

Patrimônio em risco Outros locais que já estiveram na mira da Unesco foram o santuário arqueológico Machu Picchu, no Peru, e a cidade de Sevilha, na Espanha. As famosas ruínas foram ameaçadas pela construção de pontes e trens, mas, hoje, não figuram mais na lista de patrimônio em risco. Segundo os consultores da Unesco, há críticas atualmente à administração de Sevilha por conta da construção de um prédio com altura acima do recomendando pela entidade.

Avanços tímidos Esta é a segunda missão da Unesco em apenas 10 anos. Os especialistas da entidade vão rever todas as questões indicadas no relatório elaborado durante a visita de 2001, mas não ficarão presos apenas a esses temas. Para o secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Geraldo Magela, a cidade melhorou muito na última década. "Os puxadinhos, por exemplo, existem há mais de 30 anos, começaram a ser construídos antes mesmo do tombamento. De lá para cá, criamos a legislação que regulariza essas invasões e não permitimos mais obras irregulares", explicou Magela.

Segundo ele, os assuntos mais complicados e de mais difícil solução são as ocupações residenciais na beira do Lago Paranoá e a expansão sem limites da Vila Planalto. A legislação só permite construções de um pavimento na região, mas diariamente surgem prédios altos, destinados a quitinetes. "O que posso dizer é que a partir de agora não vamos mais permitir que sejam erguidos apartamentos na beira do lago. Já a Vila Planalto é o nosso calo que dói, há muita dificuldade em controlar a ampliação", acrescentou o secretário.

O diretor do Departamento de Patrimônio e Fiscalização do Iphan, Andrey Schlee, também indicou avanços observados na última década. "Recentemente, o Iphan editou a portaria que criou a zona de proteção da área tombada, como a Unesco havia recomendado. Além disso, a questão do sétimo pavimento e o fechamento de pilotis são problemas sob controle", afirmou. (HM)