Valor econômico, v. 17, n. 4373, 02/11/2017. Especial, p. A14.

 

 

Funaro fala em repasses do grupo Bertin a Temer

Murillo Camarotto

02/11/2017

 

 

O operador Lúcio Funaro disse ontem em depoimento à Justiça Federal que presenciou o acerto de repasses financeiros do grupo Bertin para o presidente Michel Temer e que pagou propina ao ministro Moreira Franco, da Secretaria-Geral da Presidência da República. Funaro, que assinou delação premiada, está preso há pouco mais de um ano na Penitenciária da Papuda, em Brasília.

Na versão dele, a propina de Moreira está relacionada à liberação de um financiamento da Caixa Econômica Federal para a empresa Nova Cibe, ligada ao Bertin. A operação teria contado com a intervenção de Moreira, que à época era vice-presidente de fundos e loterias do banco. Funaro não mencionou o valor da propina que teria sido paga.

Já Temer, segundo ele, recebeu R$ 2 milhões. O pagamento foi acertado durante uma reunião realizada em um hotel em São Paulo, da qual teriam participado os ex-deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Cândido Vaccarezza (Avante-SP, ex-PT), além do empresário Natalino Bertin.

O dinheiro chegou a Temer por meio de doação oficial ao PMDB. Funaro, entretanto, não mencionou qual teria sido a contrapartida do presidente.

Tanto Temer quanto Moreira têm negado as acusações. "O presidente Michel Temer contesta de forma categórica qualquer envolvimento de seu nome em negócios escusos, ainda mais partindo de um delator que já mentiu outras vezes à Justiça", informou a assessoria do Planalto.

Também por meio de assessoria, o grupo Bertin disse que não teve acesso ao depoimento de Funaro, mas que mantém-se à disposição da Justiça.

Funaro prestou depoimento no âmbito da Operação Sépsis, que investiga um esquema de pagamento de propina relacionado a empréstimos do FI-FGTS, braço de investimentos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.

O segundo dia da oitiva foi acompanhado pessoalmente por Cunha, que também é réu no processo. Após um primeiro dia marcado por diplomacia entre os dois, ontem o clima esquentou. Diante das acusações de Funaro, Cunha o chamou de mentiroso e disse "não aguentar mais" a postura de seu ex-sócio.

Entre as acusações, Funaro disse que repassou R$ 30 milhões em propinas que ele recebeu do empresário Joesley Batista para que Cunha pudesse fazer negócios com políticos aliados. Funaro disse ter recebido R$ 144 milhões em vantagens indevidas da J&F, quantia que poderia ser maior não fosse um calote de R$ 80 milhões dado por Joesley.

O montante estaria relacionado a uma operação a envolvendo a São Paulo Alpargatas, empresa que pertencia à J&F. Funaro chamou Joesley de ladrão e disse que a propina seria dividida entre ele, Cunha e o ex-ministro Geddel Vieira Lima. Os três estão presos.

Funaro também enumerou vários pagamentos feitos a Cunha. Disse ter comprado imóveis e cerca de dez carros de luxo para o ex-deputado, além de ter pago despesas com viagens, serviços de gráfica e advogados. Até depósitos na conta de familiares de Cunha o operador disse ter feito. Em um momento de descontração, relatou a compra de um flat do ex-jogador de futebol Vampeta, um dos campeões na Copa de 2002.

Indagado pelo juiz Vallisney de Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília, sobre a identidade do atleta, Funaro respondeu: "Aquele mesmo que deu cambalhota no Palácio do Planalto", disse ele, provocando risadas do juiz, dos procuradores e dos advogados. Cunha demonstrou irritação.

Disposto a minar a credibilidade de Funaro, o advogado de Cunha, Délio Lins e Silva, levou o operador a reconhecer que omitiu informações na delação premiada feita em 2005, no escândalo do mensalão. Funaro disse que omitiu para evitar a cassação de Cunha e para preservar o projeto presidencial do ex-governador do Rio Anthony Garotinho.

O operador admitiu que na delação anterior não relatou irregularidades relacionadas ao Prece, fundo de pensão dos funcionários da Companhia de Água e Esgoto do Rio (Cedae). A assessoria de Garotinho disse que Funaro mentiu e que não tem prova do que disse na audiência.

Sobre o acordo atual, homologado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal, Funaro disse que fez a delação de livre e espontânea vontade e que aceitou as "duríssimas" condições oferecidas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) para "ter paz".

Funaro também rebateu as acusações de que teria "roubado" informações que Cunha pretendia usar em sua delação. "Só quem sofre de apoteose mental pode acreditar nessa possibilidade", disse Funaro, exaltado.

Na saída da audiência, Cunha foi questionado sobre a possibilidade de delatar. "Esquece", limitou-se a responder ele, cujo depoimento na mesma ação está confirmado para a próxima segunda-feira. Segundo seus advogados, além de responder as perguntas, ele pretende fazer uma longa explanação em sua defesa.