O Estado de São Paulo, n. 45279, 06/10/2017. Política, p.A4

 

 

 

 

 

Reforma alivia dívidas dos partidos e permite ‘censura’

Pacote. Alterações preveem, além de um fundo público bilionário, possibilidade de parcelar débitos de multas não eleitorais e retirada de conteúdos na internet; Temer terá de sancionar

 

O Congresso concluiu ontem a votação da reforma política que poderá valer nas eleições de 2018. Ao fim de meses de discussão, o conjunto de mudanças na legislação eleitoral, na opinião de analistas, vai favorecer os maiores partidos e políticos que já possuem mandatos. A reforma garantiu também uma injeção de ao menos R$ 1,7 bilhão de recursos públicos nas campanhas do ano que vem e deu aos partidos a possibilidade de pagar dívidas eleitorais e de outras penalidades – incluindo ações da Operação Lava Jato – em milhares de parcelas.

Os senadores mantiveram os tetos de gastos para as campanhas e deixaram passar um limite de dez salários mínimos para o chamado autofinanciamento. Neste caso, o máximo que um candidato poderá usar de recursos próprios em sua campanha será de R$ 9.690, valor do salário previsto para o ano que vem.

A reforma aprovada foi encaminhada para análise do presidente Michel Temer. Para que as mudanças tenham validade em 2018, elas precisam ser sancionadas e publicadas pelo presidente até amanhã, a um ano da votação em primeiro turno. Duas importantes alterações – uma que estabelece uma cláusula de desempenho ou barreira já em 2018 e outra que proíbe coligações nas eleições proporcionais em 2020 – já foram promulgadas.

Em manobra, senadores garantiram que, mesmo alterando o texto aprovado na Câmara, a proposta não precisaria passar por nova análise. Os deputados incluíram na madrugada de ontem emenda que prevê que conteúdos sejam retirados da internet após denúncia de que se trata de “discurso de ódio, disseminação de informações falsas ou ofensa em desfavor de partido, coligação, candidato”. Entidades de imprensa reagiram e cobraram o veto ao dispositivo.

 

Mesa. Senadores discutem com presidente da Casa, Eunício Oliveira (PMDB-CE), durante sessão sobre reforma política

 

 

 

 

 

 

Multa da Lava Jato ao PP poderia ser paga em até 2 mil anos

Ação cível cobra da sigla R$ 1,38 bi; em caso de condenação, regra limita destinação mensal a 2% do Fundo Partidário
Por: Thiago Faria / Isadora Peron

 

Thiago Faria

Isadora Peron

 

A reforma política aprovada no Congresso, que modifica regras eleitorais para 2018, concede uma espécie de “anistia” das multas aplicadas a partidos políticos ao permitir o parcelamento do débito a perder de vista. Pelo texto, que aguarda a sanção ou veto do presidente Michel Temer, podem ser parceladas não só as dívidas eleitorais como também outras penalidades contra os partidos, incluindo eventuais punições decorrentes de ações da Operação Lava Jato.

A regra estabelece que a legenda não poderá pagar por mês um valor maior do que o correspondente a 2% do repasse mensal do Fundo Partidário.

“O parcelamento de multas eleitorais e de outras multas e débitos de natureza não eleitoral imputados pelo poder público é garantido também aos partidos políticos em até 60 meses, salvo se o valor da parcela ultrapassar o limite de 2% (dois por cento) do repasse mensal do Fundo Partidário, hipótese em que poderá estender-se por prazo superior, de modo que as parcelas não ultra- passem o referido limite”, diz o trecho do projeto aprovado ontem pelos senadores depois de ter passado pelo plenário da Câmara na madrugada.

Um dos beneficiados pode ser o Partido Progressista (PP), o primeiro a ser alvo de ação por improbidade administrativa na Lava Jato. Caso seja condenado a pagar R$ 1,38 bilhão em multa cobrada pelo Ministério Público Federal, poderá quitar o valor em mais de 24 mil parcelas mensais (cerca de dois mil anos) de R$ 56,5 mil. Esse valor é o equivalente aos 2% dos R$ 2,82 milhões que a sigla recebe por mês de Fundo Partidário.

Outros partidos envolvidos no esquema de corrupção investigado pela operação, como PT e PMDB, também devem ser alvo de ações semelhantes.

“Este atual Congresso mais uma vez demonstra o descaso com o patrimônio público e com o respeito às decisões judiciais ao restringir o pagamento de multas eleitorais e outros débitos imputados pelo Poder Público ao limite de 2% do valor do repasse mensal do Fundo Partidário”, disse o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. Segundo ele, o valor mensal das parcelas seria “insuficiente para a mera cobertura da correção monetária”.

“A lei, portanto, está alinhada com a tentativa dos partidos de fugirem às responsabilidades pelos atos revelados pelas investigações e certamente enfrentarão resistência quanto a sua aplicação pelo Judiciário”, disse.

O relator do projeto no Senado, Fernando Bezerra (PMDB-PE), rebate. “O que se está querendo é não inviabilizar o funcionamento dos partidos políticos”, afirmou ao Estado.

 

‘Refis’. Os benefícios a partidos só não foram maiores porque senadores decidiram retirar do projeto artigo que previa um desconto de 90% sobre o valor devido, desde que o pagamento fosse feito à vista. “Isso seria uma espécie de Refis para os políticos. O projeto melhora o sistema eleitoral como um todo, o problema era o contrabando das multas que foi nele incluído. Retirar isso do texto já melhora muito”, afirmou Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que foi um dos poucos votos contrários ao projeto, aprovado em votação simbólica.

O artigo que previa o desconto foi suprimido do texto por meio de uma manobra chamada de “impugnação de matéria estranha”, que permitiu alterar o projeto sem que voltasse à Câmara para nova votação.

Para valer em 2018, as mudanças devem ser aprovadas até um ano antes da data da eleição. A previsão é de que Temer sancione o texto ainda hoje. Procurado, o relator na Câmara, deputado Vicente Cândido (PT-SP), disse que não iria comentar. Dirigentes do PP não se manifestaram até a conclusão da edição. / COLABORARAM RENAN TRUFFI E RICARDO BRANDT

 

 

 

 

 

 

3 PERGUNTAS PARA... - Mara Telles

Mara Telles, professora de Ciência Política da UFMG

 

1. Que avaliação faz da reforma política aprovada?

A primeira coisa é que não temos uma reforma política, mas uma reforma eleitoral. O que mais me chamou atenção são o fim das coligações e a cláusula de barreira. Isso torna a eleição mais inteligível para o eleitor. Por outro lado, pequenos partidos terão dificuldade de superar obstáculos financeiros e de tempo de rádio e TV, e muitas dessas são legendas programáticas. A reforma, até agora, favorece a cartelização das legendas.

 

2. O que é cartelização?

Partido cartelizado é aquele que já tem bancada, máquina: só precisa governar, não precisa de representação. É o que acontece com o PMDB. Ele já ocupa postos no governo há décadas. Muito embora a preferência entre os eleitores pela sigla seja baixíssima, ele continua fazendo repetidamente as maiores bancadas, porque tem recursos. E, com isso, pode alocar cargos de confiança, se aliar a prefeituras e criar uma rede de “clientela”.

 

3.  O que acha do fundo eleitoral?

O valor ( R$ 1,7 bilhão) é razoável, mas temos de ver como será distribuído. A única coisa que barateia campanha é lista fechada, e isso esteve longe de ser aprovado. Só assim só assim se diminui o número de candidatos.