O Estado de São Paulo, n.45279 , 06/10/2017. Política, p.A6

 

 

 

 

 

Senado restringe autofinanciamento a 10 mínimos

Restrição que impõe a cada candidato usar em recursos próprios um valor de até R$ 9.690 em 2018 foi aprovada ‘sem querer’ pela Casa

 

Thiago Faria

Isadora Peron

 

“Sem querer”, o Senado restringiu a dez salários mínimos o autofinanciamento nas campanhas eleitorais. Assim, na disputa de 2018, o limite que cada candidato poderá usar de recursos próprios em sua campanha será de R$ 9.690 – em valores já anunciados pelo governo para o salário mínimo no próximo ano.

A restrição foi aprovada justamente no momento em que senadores tentavam o contrário, ou seja, retirar do texto limites impostos pela Câmara. A proposta inicial previa um teto para o autofinanciamento em 7% dos gastos para candidatos a deputado e R$ 200 mil no caso de cargos majoritários (presidente, governador e senador). Porém, o projeto que foi à sanção presidencial ontem revoga o artigo da legislação atual que permite ao candidato autofinanciar até 100% de sua campanha. Com isso, fica valendo a regra geral para doação de pessoa física, que prevê limite de 10% dos rendimentos brutos, desde que não ultrapasse dez salários mínimos.

O relator da proposta no Senado, Fernando Bezerra (PMDB-PE), admite a confusão. “De fato eu estou fazendo esse raciocínio com base nas interpretações que estão saindo. Lá na hora de fazer o acordo e votar, esse ponto do autofinanciamento foi questionado, porque hoje você podia aportar qualquer valor, e alguns senadores consideraram que 7% nas campanhas proporcionais seria muito pouco e aí se preferiu tirar, tendo em vista que se teria uma série de limitações, e na hora ninguém atentou que havia limitação para doação. Eu acho que vai terminar valendo a regra geral”, afirmou Bezerra.

O limite havia sido pensado na Câmara para evitar que candidatos ricos levassem vantagem, a exemplo do que ocorreu na campanha municipal de 2016. Em São Paulo, por exemplo, o prefeito João Doria (PSDB) financiou 35,7% de sua campanha, com R$ 4,45 milhões de recursos próprios usados para pagar gastos eleitorais.

 

Divisão. O projeto aprovado ontem beneficia os grandes partidos na divisão do fundo eleitoral, também criado nas novas regras, e que será abastecido com recursos públicos. Os quatro maiores partidos com representação na Câmara ficarão com mais da metade do R$ 1,77 bilhão destinado a bancar as campanhas do próximo ano.

Somados, os valores reservados a PMDB, PT, PSDB e PP ultrapassam R$ 900 milhões segundo as regras de partilha aprovadas. O PMDB, que tem as maiores bancadas no Congresso, é a sigla que mais terá recursos para gastar com seus candidatos em 2018: R$ 275,1 milhões.

A divisão do fundo foi um dos motivos de resistência na Câmara para a aprovação do texto que já havia ganhado aval dos senadores. A regra aprovada inicialmente dava maior peso às bancadas eleitas na Câmara em 2014. Ou seja, partidos que elegeram mais deputados naquele ano receberiam uma fatia maior.

No projeto aprovado, o peso maior é para a bancada atual de cada partido. Assim, saíram perdendo siglas nanicas como PEN, PSDC, PMN, PRTB, PTC e PSTU.

O deputado Alessandro Molon (Rede-RJ) criticou os critérios para a distribuição do fundo e disse que eles só beneficiam as grandes legendas. “O valor que vai ser dividido igualmente entre os partidos é de apenas 2%. Isso é uma aberração.”

 

Teto de gastos. Embora o projeto do fundo eleitoral deixe aberta a possibilidade de o fundo ser maior do que o R$ 1,77 bilhão, o texto aprovado ontem prevê limites nominais de gastos de campanha de acordo com a candidatura. Para quem disputar a Presidência, por exemplo, o teto de gastos será de R$ 70 milhões, um quinto do valor declarado pela presidente cassada Dilma Rousseff (PT) na campanha eleitoral de 2014.

Também foram aprovados limites para campanha de governador (R$ 21 milhões), senador (R$ 5,6 milhões), deputado federal (R$ 2,5 milhões) e deputado estadual (R$ 1 milhão). / COLABOROU RENAN TRUFFI

 

 

 

 

 

Problema será fiscalizar o fundo público eleitoral

Por: Glauco Peres

 

ANÁLISE: Glauco Peres

 

Se antes da reforma política os parlamentares não tinham recurso algum para campanha – está proibida a doação de empresas –, agora eles criaram um fundo eleitoral para financiar campanhas com dinheiro público. De certo modo, já existia o financiamento público nas campanhas (via televisão no horário eleitoral). Agora o que aconteceu é que teremos um fundo exclusivamente público.

E serão os parlamentares que dividirão os próprios recursos entre si. Por isso, a reforma favorece os deputados que já estão eleitos e quem está dentro do processo. A tendência é de que, após a reforma, a renovação na Câmara seja baixa em 2018.

A criação do fundo bilionário, de teto de gastos e limites para campanha exigirá um esforço do TSE no sentido da fiscalização. Quando colocamos limites, o problema passa a ser quem fiscaliza. O TSE, que já disse que não tem estrutura suficiente, precisa ser fortalecido como órgão de fiscalização.

Outro aspecto negativo da reforma é que muitas mudanças foram realizadas de forma apressada e criadas em benefício dos próprios parlamentares, que, em certo sentido, temem os efeitos da Operação Lava Jato e estão mais preocupados em não perder a prerrogativa de foro privilegiado.

Por outro lado, ao instituir a cláusula de barreira para 2018 e proibir coligações pro- porcionais, em 2020, a reforma política aprovada na Câmara é bem-vinda neste momento. Dado o contexto político brasileiro, era necessário diminuir o número de partidos, ainda que esse número elevado seja um sintoma de problemas. A grande quantidade de legendas ocorre por outros fatores, como, por exemplo, o acesso aos recursos do Fundo Partidário.

 

✱ PROFESSOR DE CIÊNCIA POLÍTICA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP)