Valor econômico, v. 17, n. 4377, 08/11/2017. Brasil, p. A2.

 

 

Distância entre ricos e pobres no DF é 18% maior que média do país, mostra estudo

Ligia Guimarães

08/11/2017

 

 

Dependendo do Estado do Brasil em que se vive, a distância entre a renda dos mais ricos e a dos mais pobres pode ser ainda maior do que já é na média nacional, revela estudo divulgado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Enquanto no extremo mais igualitário do país, Santa Catarina, a desigualdade de renda é 20% menor que a média do país, no Distrito Federal, unidade da federação que abriga a capital, Brasília, a disparidade de renda é 18% mais alta que a média brasileira. As conclusões estão no estudo "Inequality in Brazil: A Regional Perspective", elaborado pelos economistas Carlos Góes e Izabela Karpowicz para o FMI.

Na pesquisa, os autores calculam o nível de desigualdade de renda para cada unidade federativa, ajustado pelo custo de vida de cada região, a partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2014. A pesquisa também conclui que, para os muito pobres ou muito ricos, o Estado do país em que se vive não faz tanta diferença para determinar o padrão de vida. Para a classe média, no entanto, a localização importa muito.

"Se você está entre os 5% mais pobres, ou 5% mais ricos, de um Estado, você provavelmente está entre os 5% mais ricos, ou mais pobres, do país. A divergência ocorre mais nas classes médias estaduais", explica Góes, citando um exemplo que considera intuitivo. "Se você mora em uma favela, não faz muita diferença para o seu padrão de vida se você mora em Porto Alegre ou no Recife", diz.

O estudo compara também as discrepâncias no rendimento de cada fatia da distribuição de renda de Estado para Estado. Os 5% mais ricos do Estado com maior renda per capita mensal do país estão no DF: lá, este grupo tem renda mensal de R$ 13 mil por pessoa. Os "5% mais ricos" menos abastados estão em Alagoas; lá, quem pertence a esse grupo tem renda per capita mensal de R$ 4.800.

A diferença vale também para as classes de baixa renda: os 5% mais pobres do Acre têm renda per capita mensal de R$ 70; por outro lado, os pobres "menos pobres" do Brasil estão em Santa Catarina, onde os 5% com menor renda ganham R$ 258 per capita mensais.

A pesquisa destaca que é importante que medidas de desigualdade de renda levem em conta as diferenças de custo de vida em cada região. No caso do Brasil, em que os índices de preços calculados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) só coletam dados de 12 regiões metropolitanas, os autores do estudo usaram como base os preços de aluguéis declarados na Pnad.

"Nenhum estudo tinha feito esse ajuste, então as pessoas diziam: mas em São Paulo a renda é maior, mas o custo de vida é mais alto. Agora já ajustamos por isso", explica Góes, que realizou o estudo quando ainda era analista econômico do FMI, mas que recentemente migrou para o governo federal: é assessor especial do desenvolvimento econômico da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

Entre 2004 e 2014, o coeficiente de Gini do Brasil pelo IBGE caiu de 0,54 em 2004 para 0,49 em 2014. O estudo conclui que, a exemplo do que ocorreu com a média nacional, a desigualdade de renda caiu em todas as 27 unidades federativas naquela década. Ficou menor, inclusive, a distância entre os extremos mais ricos e mais pobres dos Estados. Estimularam a igualdade o crescimento da economia, a formalização do mercado de trabalho, a universalização do ensino básico que aumentou a escolaridade dos mais pobres e o programa Bolsa Família, que, em 2017, paga benefício médio de R$ 179,37 para famílias extremamente pobres.

A pesquisa cita estimativa do Banco Mundial de que 58% da redução da extrema pobreza do Brasil entre 2004 e 2014 se deveu ao Bolsa Família, que ampliou o atendimento de 6 milhões de famílias para 14 milhões de famílias no período (56 milhões de pessoas).

O estudo calculou também o que chamou de "prêmio do setor público", que estima o quanto pessoas com as mesmas características e qualificações ganhariam a mais se migrassem do trabalho no setor privado para o público. "No nível de ensino superior, a diferença é 25%; para pessoas com escolaridade mais baixa chega a 50%", diz. Góes cita um exemplo de cargos de motoristas ou garçons do Senado, por exemplo, que ganham em torno de R$ 10 mil, mas ganhariam bem menos em cargos equivalentes no setor privado.

De acordo com o estudo, são justamente os altos salários do funcionalismo público federal e os reajustes maiores do que os praticados no setor privado algumas das principais barreiras que evitaram que a desigualdade caísse ainda mais no período observado, juntamente com o aumento da escolaridade dos mais ricos.

"A escolaridade tem um efeito positivo sobre a renda. Mas quando aumenta a renda dos mais ricos, aumenta a desigualdade", afirma Góes, que alerta que o subsídio do governo à educação dos mais ricos no ensino superior tende a eleva desigualdade. O estudo, aliás, dedica um box à crítica de que a expansão do ensino superior observada no Brasil entre 2000 e 2014 beneficiou mais os ricos que os pobres. "Só 9% desses estudantes vêm do último quartil da distribuição. Enquanto isso, 40% da população jovem ainda não tem ensino superior", argumenta a pesquisa.

O trabalho também afirma que o governo precisa evitar que a recessão, ao corroer a renda dos mais pobres, torne o país ainda mais desigual. O caminho, recomenda, é encontrar um equilíbrio entre os objetivos de sustentabilidade fiscal e igualdade de renda, moderando o crescimento salarial dos funcionários públicos e usando instrumentos diretos para oferecer benefícios como o Bolsa Família. "Preservar ganhos de igualdade e avançar com a agenda de inclusão social continuará a ser fundamental para reunir apoio às reformas", afirma a pesquisa.