O Estado de São Paulo, n. 45279, 05/10/2017. Política, p.A4

 

 

 

 

 

Deputados aprovam fundo bilionário para eleições

Reforma política. Projeto que destina R$ 1,7 bilhão de recursos públicos para campanhas de 2018 vai à sanção de Temer; sessão foi marcada por tumulto na Câmara
Por: Isadora Peron

 

Isadora Peron / BRASÍLIA

 

A Câmara dos Deputados aprovou ontem à noite o projeto de lei que cria um fundo público bilionário para financiar as campanhas de 2018. A votação do texto-base de uma das principais propostas da reforma política foi simbólica e, logo após o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), proclamar o resultado, parlamentares protestaram e quase partiram para a agressão física.

Os deputados colocaram em votação um destaque, em seguida, para derrubar o fundo, mas a proposta foi rejeitada por 223 a 209. O texto segue agora para a sanção do presidente Michel Temer. Para os partidos terem acesso aos recursos públicos no pleito do próximo ano, as novas regras precisam ser chanceladas pelo peemedebista até sábado, dia 7 – um ano antes da eleição.

O fundo será abastecido com R$ 1,7 bilhão, conforme a proposta originária do Senado. A proposta estabelece que pelo menos 30% do valor das emendas de bancadas sejam destinados à reserva eleitoral. A segunda fonte será a transferência dos valores de compensação fiscal cedidos às emissoras de rádio e TV que transmitem inserções partidárias – o horário eleitoral durante a campanha fica mantido.

“É um valor moderado para garantir uma eleição efetivamente democrática”, disse o deputado Henrique Fontana (PTRS). Ivan Valente (PSOL-SP) criticou o fundo: “As pessoas se acostumaram a fazer campanha com bilhões de financiamento privado e agora querem financiamento bilionário público.”

O deputado Mauro Pereira (PMDB-RS) rebateu as contestações: “Amanhã ou depois, na hora em que houver as eleições, o deputado que aqui disse que é contra o fundo vai usá-lo”, afirmou o peemedebista.

O montante de dinheiro público estimado para o pagamento das campanhas políticas é um piso – e não um teto. De acordo com o texto aprovado, o valor será “ao menos equivalente” às duas fontes estabelecidas, o que abre margem de manobra para que novos aportes sejam feitos no fundo. A reserva é uma medida alternativa ao financiamento empresarial de campanha, proibido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2015.

Durante a discussão da reforma política, o Congresso chegou a cogitar um fundo de R$ 3,6 bilhões, mas os parlamentares recuaram do valor. A proposta aprovada ontem foi encabeçada pelo líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), com apoio de partidos da oposição, como o PT, PDT e PC do B. “Há uma transparência aqui dentro de se votar um fundo público, associado a campanhas mais baratas, para que o povo controle algo que é democrático, o financiamento de campanhas para a democracia brasileira”, disse Jandira Feghali (PC do B-RJ).

Um dos parlamentares que protagonizaram a confusão por causa da votação simbólica foi Júlio Delgado (PSB-MG). Ele foi à tribuna e classificou como “vergonha” a votação não ter sido nominal. Para ele, os deputados que apoiaram o fundo não quiseram deixar a “digital” na aprovação da medida. O deputado Celso Pansera (PMDB-RJ) rebateu a acusação e criticou os parlamentares que se posicionaram contra a proposta. “Eu quero ver no ano que vem quem vai aceitar dinheiro do fundo para fazer campanha”, disse.

 

Vetos. Para acelerar a criação do fundo, a maioria dos deputados fez um acordo para não alterar o texto do Senado com a garantia de que Temer vetasse pontos que desagradaram à Câmara, como o que trata da distribuição dos recursos do fundo entre os partidos e outro que determina que o dinheiro do Fundo Partidário, que já está previsto no Orçamento, somente possa ser usado para financiar campanhas a cargos majoritários (presidente, governador, senador e prefeito). Uma nova distribuição dos recursos entre os partidos foi proposta em um projeto da reforma política relatado pelo deputado Vicente Cândido (PT-SP), mas a aprovação desse texto ainda está pendente tanto na Câmara quanto no Senado. / COLABOROU THIAGO FARIA

 

REFORMA POLÍTICA

Para as alterações valerem nas eleições de 2018, as mudanças precisam ser votadas no Congresso e publicadas no ‘Diário Oficial’ até sábado; ontem Câmara aprovou fundo eleitoral bilionário

 

Senadores relacionados:

 

 

 

 

 

Mudanças nada triviais

Por: Leonardo Barreto

 

ANÁLISE: Leonardo Barreto

 

As mudanças eleitorais aprovadas não são triviais. Tomadas de forma geral, têm potencial para alterar o processo decisório de políticas públicas. Os parlamentares focaram a funcionalidade do sistema, atacando a fragmentação, sempre considerada excessiva. As regras de financiamento público, a proibição de coligações (a partir de 2020) e a cláusula de desempenho devem afetar a distribuição de poder e a forma como é exercido.

Haverá fortalecimento das grandes legendas e das cúpulas partidárias. As maiores agremiações receberão mais recursos para campanha e verão a concorrência das pequenas e médias diminuir, pois elas terão dificuldade para atingir o quociente eleitoral e a cláusula de barreira. A tendên- cia, no médio prazo, é que muitas até deixem de existir. No curto prazo, as maiores bancadas vão começar a receber egressos dos partidos nanicos em busca de condições mínimas de sobrevivência eleitoral.

Para as novas legendas, a situação ficou apertada. Como não disputaram eleição, as siglas surgidas após 2014 dependerão quase exclusivamente de financiamento de pessoas físicas e recursos dos próprios candidatos, pois a parte no fundo público será ínfima. Caberá às cúpulas partidárias decidir quem vai receber recurso.

O resultado amplo deve ser um processo parlamentar mais centralizado, controlado e previsível. As votações serão decididas mais “no atacado” e menos “no varejo”, com a valorização das lideranças de bancada como organizadores do Parlamento.

 

 

 

 

Cláusula de barreira é promulgada

O presidente do Congresso, senador Eunício Oliveira (PMDB - CE), promulgou ontem a proposta de emenda à Constituição que acaba com as coligações a partir de 2020 e adota a cláusula de desempenho ou de barreira a partidos, que já valerá em 2018. A PEC foi aprovada em votação relâmpago, em menos de meia hora, anteontem à noite, pelo Senado. Um dos poucos itens de consenso entre os parlamentares, as medidas foram as primeiras a terem a votação concluída no pacote de reforma política.