O Estado de São Paulo, n. 45321, 17/11/2017. Política, p. A4.

 

Tribunal manda prender Picciani e deputados do RJ

 Constança Rezende / Fernanda Nunes / Fabio Grellet

17/11/2017

 

 

Cadeia Velha. Ex-presidente da Alerj e dois parlamentares são presos por suposto envolvimento em esquemas de corrupção, mas colegas podem colocá-los hoje em liberdade

 

 

Presos ontem por decisão unânime no Tribunal Regional Federal da 2.ª Região (TRF-2), o presidente da Assembleia Legislativa do Rio, Jorge Picciani, o ex-presidente da Casa Paulo Melo e o presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Edson Albertassi, agora apostam em seus colegas de Casa para recuperar a liberdade e poderes. A Alerj se reúne a partir das 15 horas de hoje para decidir se confirma ou revoga a decisão dos cinco desembargadores federais que decretaram as prisões no âmbito da Operação Cadeia Velha. A ação investiga suposta corrupção no Legislativo Estadual.

Para o deputado estadual Eliomar Coelho (PSOL), a maioria dos deputados estaduais é aliada dos parlamentares presos. A proximidade indica que é grande a chance de eles revogarem a decisão da Justiça, conforme permite a lei brasileira. Mas, segundo o deputado, haverá grande pressão popular pela manutenção da decisão judicial.

Uma manifestação foi marcada para começar ao meio-dia, do lado de fora do Palácio Tiradentes, para forçar o Legislativo a não revogar as prisões. “Esperamos que essa pressão dê resultado, os deputados percebam que precisam atender a população e que as prisões sejam mantidas”, afirmou Coelho.

O deputado estadual Rafael Picciani (PMDB), filho de Jorge Picciani, afirmou que a Casa terá “sobriedade” e vai decidir pela libertação dos deputados. “Acredito que os deputados terão sobriedade para fazer essa avaliação das prerrogativas do mandato parlamentar independentemente do mérito da questão. Pelo que conversei com os deputados, independentemente dos crimes que estão sendo imputados, a questão que será deliberada será a possibilidade ou não de prisão”, disse.

Os três presos se apresentaram à Polícia Federal ontem à tarde. Depois de exames no Instituto Médico-Legal (IML), foram conduzidos à Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, na zona norte do Rio. No mesmo presídio estão o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) e outros acusados de corrupção em seu governo, como o ex-secretário Wilson Carlos.

Antes da sessão plenária de hoje, a CCJ da Alerj vai examinar o caso, a partir das 13 horas. Será do colegiado o parecer a ser submetido aos parlamentares. Às 14h30, o colégio de líderes da Casa vai se reunir para acertar detalhes da votação, que deverá ser presidida pelo deputado petista André Ceciliano (PT), segundo-vice-presidente. O primeiro-vice, Wagner Montes (PRB), está licenciado, em viagem ao exterior. Avisou que tentará voltar para assumir a presidência.

 

Acusações. Em seu voto pela prisão e afastamento dos cargos, o relator do processo, Abel Gomes, foi duro. Afirmou que as provas recolhidas pelo Ministério Público Federal (MPF) demonstram que os três parlamentares estão envolvidos em esquemas de corrupção ativa e passiva e de lavagem de dinheiro. Como as irregularidades permanecem, a prisão foi considerada em flagrante, como informou o TRF-2.

“Nossa decisão é problema nosso. A decisão da Alerj é problema dela”, disse o desembargador Messod Azulay. “O desequilíbrio fiscal (das contas do Estado do Rio, que vive profunda crise financeira) se deve a essas pessoas. Essas pessoas precisam ser lamentavelmente afastadas do convívio da sociedade. Se tiver que submeter (a decisão do TRF-2) à Alerj, que se submeta, e a história que julgue.”

Na terça-feira, Picciani, que também preside o PMDB no Rio, Mello e Albertassi foram conduzidos coercitivamente pela PF para prestar depoimento na Cadeia Velha, um desdobramento da Lava Jato. Ontem, o colegiado da 1.ª Seção Especializada do TRF-2 se reuniu por volta das 13 horas para decidir se acataria o pedido de prisão feito pelo MPF. O mandado de prisão preventiva foi expedido imediatamente após a conclusão da sessão especial, por volta das 15 horas.

Os cinco desembargadores do colegiado – além de Gomes e Azulay, Paulo Espírito Santo, Marcelo Granado e Ivan Athié (presidente) – chegaram a debater se a Alerj tem o poder de suspender a decisão. Houve discussão sobre o precedente aberto pelo caso do senador Aécio Neves (PSDB-MG). Ele foi liberado pelo Senado após o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir por seu afastamento do cargo e recolhimento noturno em casa.

O presidente do colegiado do TRF-2 enviou a notificação da prisão à Alerj. O procurador regional da República Carlos Alberto Aguiar antecipou, no entanto, que vai retornar ao tribunal para pedir o afastamento dos três deputados dos cargos, caso a Casa derrube a decisão.

Picciani, Melo e Albertassi são suspeitos de manter “relações espúrias e promíscuas” com empresas de transporte público e com a Odebrecht, segundo o relator do processo. Somados, os subornos aos três deputados teriam passado de R$ 100 milhões, diz a Procuradoria. “Há indicação suficientemente comprovada de que os três deputados receberam (dinheiro de corrupção) por anos a fio (em troca de favorecimentos)”, afirmou Gomes.

 

‘Rei do ônibus’

A juíza Caroline Figueiredo decretou ontem novo mandado de prisão contra Jacob Barata Filho na Operação Ponto Final. Ele já está preso, alvo da Cadeia Velha. Para a defesa, o novo decreto é “ilegal”.

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ANÁLISE

 

Liberação política e imunidades dos parlamentares

Carlos Ari Sundfeld

17/11/2017

 

 

Foi decretada a prisão de deputados estaduais do Rio, até mesmo do presidente da Assembleia Legislativa. Em princípio, eles teriam foro privilegiado no Tribunal de Justiça do Estado. Mas, aqui, a investigação é federal, por atos contra a União: corrupção, lavagem e quadrilha. Daí a competência da Justiça Federal. Mesmo assim, há privilégio: quem decide é o Tribunal Regional Federal (TRF), não juízes de primeira instância.

Ainda não há processo penal, apenas investigação, mas, para os desembargadores federais, as delações e outras provas mostraram uma quadrilha em plena operação na máquina pública, com crimes graves e risco de obstrução da Justiça.

A Constituição do Estado do Rio de Janeiro diz que deputados estaduais só podem ser presos em flagrante de crime inafiançável. E que a Assembleia tem a opção política de liberá-los. É cópia da Constituição Federal, que protegeu parlamentares federais e também autorizou as imunidades para os estaduais.

No caso de Aécio Neves (PSDB-MG), não tinha havido prisão. O STF o afastara do mandato e reconhecera ao Senado o poder de reintegrá-lo, o que acabou ocorrendo. Antes, quando da prisão de Delcídio Amaral (sem partido-MS), o Senado não o soltou. O que a Assembleia do Rio fará agora, em situação tão extrema?

A liberação política dos deputados pode ser a fagulha a incendiar a luta contra as imunidades e os políticos. O País parece estar sendo destruído e o Direito não ajuda. A insatisfação pode explodir.

 

✱ É PROFESSOR TITULAR DA FGV DIREITO SP