O Estado de São Paulo, n.45278 ,05/10/2017. Política, p.A6

 

 

 

 

 

Denúncia faz Presidência e MPF trocarem ataques 

Defesas de Temer e de ministros desqualificam acusação formal e fazem críticas a Janot; coordenador da Lava Jato e entidade rebatem

Por: Beatriz Bulla / Julia Affonso / Ricardo Brandt

 

O início da tramitação no Congresso da segunda denúncia contra Michel Temer e dois ministros do governo foi acompanhado por uma troca de acusações entre a Presidência da República e representantes do Ministério Público Federal. Entregues ontem na Câmara, as defesas de Temer e dos ministros Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência) e Eliseu Padilha (Casa Civil) não apenas questionam as provas apresentadas na acusação formal como fazem duros ataques ao ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. O advogado de Temer, Eduardo Carnelós, classificou a denúncia como “tentativa de golpe” contra o peemedebista .

Os argumentos dos advogados foram entregues na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara um dia depois de o presidente usar as redes sociais para afirmar que precisa lidar com uma “denúncia inepta e sem sentido, proposta por uma organização criminosa que quis parar o País”.

A afirmação gerou forte reação dos procuradores. “Só há uma associação criminosa que quis parar o País: aquela que desviou bilhões de reais dos brasileiros e deve responder por isso”, respondeu em sua conta no Twitter o coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol.

Em nota, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) considerou “absolutamente incabível e irresponsável” o presidente usar “meios oficiais para ofender sem qual- quer base a instituição do Ministério Público Federal”.

“É sua excelência Michel Temer quem responde à acusação – lastrada em numerosas provas de fatos concretos – de pertencer à organização criminosa. Os membros do MPF – ofendidos de forma generalizada pela mensagem do presidente, como se fosse esta instituição da República e seus componentes a quadrilha –, ao oposto, fizeram mais uma vez um trabalho técnico, impessoal e isento”, disse a entidade, destacando que Janot “era o promotor natural ao tempo dos fatos”.

Temer foi denunciado pelos crimes de organização criminosa e obstrução da Justiça. Moreira Franco e Eliseu Padilha são acusados por organização criminosa. A Câmara vai analisar se autoriza o envio da acusação contra o peemedebista ao Supremo Tribunal Federal. A primeira denúncia contra o presidente, por corrupção passiva, foi barrada pelos deputados no início de agosto.

 

Sucessão. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que assumiu o cargo no mês passado, não entrou na polêmica. Ao contrário do tratamento dispensado a Janot, Temer tem manifestado respeito à Raquel e fez, no início da semana, um elogio à “nova postura” da Procuradoria-Geral da República na gestão da sucessora de Janot.

Segundo pessoas próximas, não se deve esperar que a chefe do Ministério Público Federal entre em uma “guerra” de notas polêmicas, ainda mais com relação a um caso judicial em andamento. As críticas de Temer a Janot foram feitas com base na denúncia oferecida pelo ex-procurador-geral contra o presidente – um caso que ainda pode ser conduzido pela atual procuradora-geral da República.

O presidente da ANPR, José Robalinho Cavalcanti, disse que recebeu reclamações de procuradores com relação ao tuíte de Temer. Para ele, há uma diferença entre a manifestação do presidente na rede social e a defesa do peemedebista à CCJ.

 

‘Diferença’. Segundo Robalinho, faz parte da tática dos advogados usar argumentos para tentar desqualificar os investigadores na defesa formal. Já a manifestação na rede social, avaliou o presidente da ANPR, possui um agravante.

“Não foi o advogado. Foi o próprio Temer usando o canal de Twitter dele, como presidente, fazendo uma declaração vista como um ataque ao Ministério Público Federal inteiro, quando chamou de organização criminosa. É muito diferente de uma declaração do advogado dele, por mais dura que seja”, disse Robalinho. Ele afirmou que não conversou com Raquel sobre a nota divulgada pela ANPR. / BEATRIZ BULLA, JULIA AFFONSO E RICARDO BRANDT

 

SP. Temer em evento de entrega de ambulâncias com Marta Suplicy e o ministro Ricardo Barros

 

RELAÇÕES

Ataque de Temer ao Ministério Público se concentra em Janot

 

“Precisamos lidar com mais uma denúncia inepta, proposta por uma associação criminosa que quis parar o País.”

Michel Temer

SOBRE A SEGUNDA DENÚNCIA APRESENTADA POR RODRIGO JANOT

 

“Muito bom que a PGR agora tenha uma nova postura, sem querer parar o Brasil com denúncias vazias e irresponsáveis.”

Michel Temer

APÓS PEDIDO DE RAQUEL DODGE PARA OUVI-LO EM INQUÉRITO DOS PORTOS

 

Lava Jato

O procurador Deltan Dallagnol reagiu. “Só há uma associação criminosa que quis parar o País: aquela que desviou bilhões de reais dos brasileiros e deve responder por isso.”

 

ANPR

A Associação Nacional dos Procuradores da República disse: “É irresponsável que (o presidente) use meios oficiais para ofender sem qualquer base a instituição do Ministério Público Federal”.

 

Indicação

Em junho, Temer escolheu Raquel Dodge para suceder a Janot – o presidente quebrou uma tradição ao indicar a segunda colocada da lista tríplice da eleição interna da ANPR.

 

Instituições

Nesta semana, após Raquel Dodge pedir que Temer seja ouvido em inquérito sobre decreto dos portos, o presidente afirmou que “as instituições estão funcionando com toda a liberdade”.

 

 

 

 

Defesa chama delatores de ‘iscariotes’

Ao atacar no mérito a segunda acusação do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, que imputa organização criminosa e obstrução da Justiça ao presidente Michel Temer, a defesa comparou os delatores Joesley Batista e Ricardo Saud, da J&F, e Lúcio Funaro a “iscariotes”, em referência ao personagem bíblico Judas Iscariotes.

“Não é demais registrar, antes de demonstrar a atipia das condutas atribuídas ao presidente que configurariam o crime de obstrução a investigações na fantasia acusatória, que as imprecações formuladas vieram alicerçadas, no que se refere a Michel Temer, exclusivamente nas delações de Joesley, Saud e Funaro. Trata-se de acusações vazias, insuficientes a amparar a instauração de processo contra o presidente. De qualquer forma, ainda que as palavras dos ‘iscariotes’ tivessem alguma valia, o processo não poderia seguir por esbarrar na descrição de fatos que evidentemente não constituem crime”, escreveram os advogados Eduardo Carnelós e Roberto Soares Garcia.