Correio braziliense, n. 19923, 09/12/2017. Política, p. 5

 

O Labirinto de Marco Maciel 

Ana Dubeux, Deborah Fortuna e Leonardo Cavalcanti 

09/12/2017

 

 

O vice-presidente Marco Maciel, 77 anos, enfrenta a doença de Alzheimer em estado avançado. “Anna Maria, a mulher dele, uma vez disse que não sabia se tratava o Marco no presente ou no passado”, disse Ângelo Castelo Branco, biógrafo do político, que lançou o livro Marco Maciel: um artífice do entendimento (Companhia Editora de Pernambuco, 226 páginas, R$ 80). Na biografia, o passado de Marco Maciel se mostra rico em histórias dos bastidores do processo decisório da política brasileira.

No livro, Castelo Branco conta toda a trajetória do deputado, e de como o político teve a carreira transformada de presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) até chegar ao cargo de vice-presidente do país, entre 1995 e 2003. A relação de confiança com o vice fez com que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso escrevesse o prefácio da obra. “Às vezes, quando estava no exterior, era ele quem me chamava ao telefone. Confiava tanto que nem me ocorria saber como iam as coisas: iriam do mesmo jeito caso eu estivesse no Brasil”, diz Fernando Henrique. Entre os interlocutores, Maciel matinha relações profundas com dom Hélder Câmara, Miguel Arraes, Ulysses Guimarães e Oscar Niemeyer. 

Marco Maciel foi deputado, governador, senador, professor, ministro e presidente da Câmara dos Deputados. “Ele me disse uma vez: “Me considero um homem republicano, quero me dedicar à República, quero dedicar minha vida a contribuir com o aperfeiçoamento das relações entre Estado e sociedade’. E ele valorizava muito isso”, conta Castelo Branco. A seguir, os principais trechos da entrevista:

A história de Marco Maciel confunde-se com a parte da história política do país. Mas quem é o político?
A história política de Marco Maciel começa na universidade, na faculdade de direito. Ali, ele foi eleito em eleição direta ao Diretório Central dos Estudantes (DCE). Foi presidente da UNE de Pernambuco, a primeira eleição direta para um cargo eletivo na política estudantil. Daí em diante ele nunca parou. Quando se formou, passou dois anos atuando como advogado e só. Formou-se em 1962 e, em 1964, quando veio o governo dos militares, o governador Paulo Guerra, do PSD, tinha a percepção de que o PSD precisava inovar, colocar novos valores. Tinham alguns rapazes, que ele estimulava muito. Então, nomeou o Marco Maciel secretário de ação social, mas ele tinha apenas 23 anos e se chegou à conclusão que apenas seria possível assumir o cargo com 25 anos, mas aí ele já estaria efetivamente na política.

Como Marco Maciel pode ser identificado ideologicamente?
Ele não era de direita, porque o que caracteriza um homem de direita é o radicalismo do ponto de vista do pensamento. Mas Marco Maciel era um homem absolutamente liberal, tinha amigos no partido comunista e conversava com todas as pessoas. Ele não conspirava contra o partido comunista, nunca na vida participou de nenhum movimento desse tipo. Ele tinha convicções, tinha uma veia de conciliador muito forte. Ele era na verdade um liberal dentro do conceito de liberalismo mais moderno. O ponto máximo da carreira dele é o momento em que eles fazem a conspiração para a chamada Nova República, de Tancredo Neves. Porque ele conseguiu fazer a transição do regime do governo militar. Essa coisa de tecer essa situação que fez com que o Brasil saísse do sistema militar para o colégio eleitoral sem nenhuma crise institucional, isso foi maravilhoso.

Marco Maciel assume o posto de vice de FHC sob desconfiança dos próprios tucanos com o PFL. Como ele conseguiu superar isso?
Primeiro veio o impacto e depois o processo de desconfiança, porque é um processo de compreensão do momento da história. Quando eles se reuniram para escolher o vice-presidente, era Jorge Bornhausen, Guilherme Palmeira e Marco Maciel. Então ficou decidido que o vice do Fernando Henrique Cardoso deveria ser alguém que andasse de camisa aberta, que fosse mais popular, perfil voltado para as massas, que fosse do Nordeste, para fazer o balanço clássico. E Marco não tinha esse perfil, ele andava de paletó e gravata, não chamava palavrão, era religioso, comungava, ia pra missa. Então, em 1980 escolheram Guilherme Palmeira para ser candidato a vice-presidente do FHC, e aconteceu um incidente desagradável. Um assessor de Guilherme foi denunciado porque recebeu um dinheiro que foi contestado de determinado grupo. E ele disse que não tinha mais condições de ser candidato a ser vice. Então Jorge fez o anúncio da candidatura de Marco Maciel, à revelia de todos eles e do próprio FHC. Agora, Fernando Henrique faz o prefácio do livro. E diz que Maciel foi o vice dos sonhos, não criava problema e resolvia tudo o que era pra ser resolvido.

Essa vinculação com a direita tem origem em que momento? 
O Partido Social Democrático (PSD) aderiu ao governo militar em Pernambuco, e ele era do partido. O pai dele foi deputado federal constituinte. O pai dele, José do Rego Maciel, foi deputado federal do PSD, duas vezes, e foi prefeito do Recife. Então esse sangue do PSD era muito forte. Essa força apoiou os militares. Ele não tinha como sair da história a não ser que ele se rebelasse e fosse para o lado comunista.

Como ele está hoje?
Muito mal. Formalmente, a família admitiu a doença há dois anos. Nos últimos tempos, antes do Alzheimer, Maciel trabalhava como presidente da Fundação Oscar Niemeyer, a convite do próprio arquiteto. Eles eram muito ligados. Mas a doença começou a se pronunciar de uma forma progressiva, e a Anna Maria (mulher) contou que chegou em um momento que ele não podia estar mais na fundação.

Existem dois tipos de biógrafo. Um que escreve sobre pessoas mortas e outro, sobre pessoas vivas. Você ficou no meio, com um biografado que não interagiu com a própria biografia, mesmo estando vivo.
Isso me criou uma certa ansiedade. Anna Maria disse pra mim uma frase: “Eu não sei se trato o Marco Antônio no presente ou no passado”. Então, comecei a ficar com essa fase na cabeça. Você faz a biografia de pessoa que não está morta, mas que, embora esteja viva, não vai ler também. Isso me embaralhou.

“Maciel é um liberal dentro do conceito do liberalismo mais moderno, com uma veia de conciliador muito forte”