O globo, n.30754 , 19/10/2017. ECONOMIA, p.17

Planos com reajuste para idosos

 BARBARA NASCIMENTO

GLAUCE CAVALCANTI

 LUCIANA CASEMIRO

 

 

 

Projeto que cria novas regras para o setor prevê aumento parcelado acima dos 59 anos

A Câmara dos Deputados deu ontem o primeiro passo para mudar a legislação que rege os planos de saúde. O relator do projeto, deputado Rogério Marinho (PSDB-RN) apresentou ontem, em comissão especial que trata do assunto, o relatório da proposta, que reúne itens de 150 projetos diferentes relacionados a planos de saúde e que tramitavam no Congresso. Uma das principais mudanças refere-se ao modelo de reajuste dos planos para idosos. A ideia é diluir o aumento que marca a mudança de faixa etária. Hoje ele é aplicado de uma só vez, quando o beneficiário completa 59 anos. A proposta prevê que essa mudança de faixa seja paga de forma escalonada ao longo de 20 anos, com uma parcela a cada cinco anos. O texto prevê ainda um percentual máximo de reajuste de 20%.

Atualmente, o reajuste de planos acima dos 60 anos é vetado pelo Estatuto do Idoso. Na avaliação do relator, não haveria desrespeito à legislação com a mudança, pois o valor máximo de correção continuará seguindo a regra atual. Ela determina que o valor da mensalidade na última faixa etária (aos 59 anos) não pode ser superior a seis vezes ao da cobrada na primeira faixa (de até 18 anos). Para Marinho, isso aliviaria o peso do custo do plano para o beneficiário:

— A operadora sabe que quem tem 59 anos, pelo IBGE, vai viver em média até os 82 anos. Se você diluir esse aumento, fica mais justo para a operadora e para o consumidor, que muitas vezes é obrigado a sair do plano porque não tem a condição financeira de se manter nele.

 

MULTA MAIS FLEXÍVEL PARA EMPRESAS

A intenção é votar a proposta na comissão em 8 de novembro. O projeto tramita em regime de urgência e pode seguir direto para o plenário, mas os parlamentares acordaram que haverá prazo para discussão e uma votação na própria comissão. Como a urgência também impede que haja emendas ao texto, o combinado foi que Marinho aceitará sugestões que poderão ou não serem incluídas por ele no relatório.

A questão do reajuste para idosos é apenas um dos aspectos que podem ser alterados na legislação. O texto prevê mudanças que interferem diretamente no cotidiano do consumidor, como a obrigação de oferta de planos de saúde individuais, que praticamente sumiram do mercado, e a redução de multas para operadoras em casos de negativa ou demora no atendigamento mento, entre outras infrações.

— Muitas mudanças podem ter impacto forte na relação entre consumidor e operadoras. Há uma grande preocupação que o texto esteja abrindo espaço para que as operadoras possam segmentar ainda mais a cobertura dos planos. Há receio que a proposta de parcelamento do reajuste da última faixa etária possa abrir espaço para um aumento do custo final aos idosos — afirma Igor Britto, advogado do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

Para Patrícia Cardoso, coordenadora do Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon), da Defensoria Pública, a mudança nas regras de reajuste para idosos visam a reduzir a judicialização:

— Os aumentos aos 59 anos são altíssimos, e muitos consumidores conseguem, na Justiça, reduzir esse percentual. Com o parcelamento se esvazia esse primeiro aumento, mas o impacto vem num momento que o consumidor está fora do mercado, com renda menor.

O projeto prevê ainda que a operadora que rescindir o contrato coletivo sem motivo com um idoso terá de oferecer a ele um plano compatível, individual ou familiar, sem necessidade de cumprir carência. O relatório propõe retirar a carência para migração de uma operadora para outra, desde que o beneficiário esteja com o paem dia. Em casos de coberturas mais abrangentes, poderá ser exigido o cumprimento de carência somente para os serviços que não estavam previstos no plano anterior.

Um dos aspectos polêmicos do relatório é que ele beneficia as empresas, à medida que diminui as multas aplicadas em casos de infração e tenta restringir em várias frentes a judicialização no setor, o que torna mais difícil ao consumidor conseguir a liberação de procedimentos na Justiça. O texto retira da lei o trecho que fixa um piso de R$ 5 mil para as multas. A penalidade máxima continua em R$ 1 milhão. Além disso, adota uma sistemática de gradação. No caso mais comum que leva os usuários à Justiça contra as operadoras, de negativa de procedimentos, por exemplo, a multa fica limitada a dez vezes o valor do procedimento. Se a empresa repetir o comportamento, essa proporção sobe a 30 vezes.

Na opinião de Mário Scheffer, professor da USP que acompanha o setor, um artigo inserido no relatório reforça que as operadoras são obrigadas a cumprir estritamente procedimentos previstos em contrato. Isso dificulta o questionamento de cláusulas contratuais consideradas desfavoráveis ao consumidor na Justiça. Além disso, estipula que, em casos de questionamento judicial em que não há urgência, o juiz fica obrigado a consultar uma junta técnica especializada no tema antes de emitir parecer.

Para Ligia Bahia, professora da UFRJ e membro da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), o texto dá margem à regionalização da cobertura, ou seja, a oferta de serviço diferente de acordo com a estrutura disponível no local. Na prática, regiões com menor infraestrutura não seriam obrigadas a oferecer todos os serviços obrigatórios hoje.

— A redação deixa uma porta aberta aberta para a regionalização da cobertura, o que representa perda significativa para o consumidor — avalia.

O relator do projeto, no entanto, diz que o assunto não foi contemplado:

— Essa é uma situação que terá de ser enfrentada em algum momento, só acho que esse não é o instrumento, até porque a gente não teria uma condição política adequada para fazer a aprovação de um projeto como esse.

A proposta traz ainda alívio para empresas em dificuldade financeira. Os planos estão fora da Lei de Recuperação Judicial. Desde que a empresa faça acordo com dois terços dos credores, o texto permite que a operadora deixe de pagar obrigações que já venceram ou estão por vencer num período de até 12 meses. O benefício viria acompanhado de obrigações.

 

O que muda

 

IDOSOS: Os idosos poderão ter reajustes escalonados nas mensalidades. Hoje, a regra prevê que a última faixa etária (acima de 60 anos) tenha uma mensalidade de no máximo seis vezes o valor pago pela primeira faixa etária (0 a 18 anos). Por isso, os planos atualmente costumam aplicar um reajuste altíssimo quando o cliente completa 59 anos, já que o Estatuto do Idoso restringe aumentos após essa idade. Pelo projeto em discussão na Câmara, esse percentual seria parcelado e aplicado em etapas, a cada cinco anos (aos 59 anos de idade, depois aos 64 anos etc.)

MULTA MENOR: Hoje, a multa para operadoras em caso de negativa de atendimento ou de descumprimento de prazos para a prestação do serviço é de, no mínimo, R$ 5 mil. O texto retira esse valor mínimo e determina que o montante não ultrapasse dez vezes o valor do procedimento. Assim, se uma consulta custa R$ 80, o valor da multa seria de até R$ 800.

PLANO INDIVIDUAL: Todas as operadoras de saúde terão de oferecer planos individuais e familiares. Hoje, não há essa obrigação e há muito pouca oferta desses planos. Quando um plano coletivo por adesão decidir não renovar o contrato, aos idosos, é garantida a oferta de um plano individual ou familiar.

NÚCLEO TÉCNICO: Quando houver disputa na Justiça entre planos de saúde e consumidores sobre autorização de procedimentos, o juiz precisará ouvir profissionais de saúde de um “núcleo de apoio técnico” antes de tomar sua decisão. Esse núcleo já existe em alguns tribunais hoje. Especialistas em defesa do consumidor temem que isso seja prejudicial aos beneficiários dos planos.

VACINAS. Os planos passam a cobrir vacinas solicitadas pelo médico, desde que estejam registradas e não constem do calendário nacional de vacinação.