O Estado de São Paulo, n. 45278, 05/10/2017. Política, p.A8

 

 

 

 

 

 

Battisti é detido na fronteira com Bolívia

Ex-ativista italiano tentava deixar o País com o equivalente a R$ 27 mil e foi enquadrado por autoridades brasileiras por evasão de divisas

Por: Tânia Monteiro

 

Tânia Monteiro / BRASÍLIA

 

O ex-ativista italiano Cesare Battisti foi detido ontem em Corumbá (MS), quando tentava deixar o País pela Bolívia, sob acusação de evasão de divisas. A detenção, segundo avaliação de interlocutores do presidente Michel Temer, pode “abrir uma porta” para que o ex-ativista, autorizado desde 2010 a permanecer no Brasil, seja extraditado ao seu país de origem.

Battisti foi interceptado por autoridades brasileiras quando tentava cruzar a fronteira terrestre em um táxi boliviano. O ex-ativista tinha em seu poder US$ 5 mil e ¤ 3 mil em espécie – o equivalente a R$ 26,7 mil em valores do câmbio de ontem, montante superior ao limite de R$ 10 mil permitidos para deixar o Brasil sem a necessidade de declarar à Receita Federal.

Em nota conjunta, a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal afirmaram que Battisti foi detido para prestar esclarecimentos. O texto informou que inicialmente o ex-ativista estava em um carro particular, acompanhado de um motorista e um advogado, quando foi parado pela PRF em uma blitz de região de fronteira.

Identificado, Battisti disse que ia pescar e foi liberado. A nota relatou que, por se tratar de região entre os dois países, os policiais federais fizeram o acompanhamento do veículo até a fronteira. “O estrangeiro foi detido no momento em que tentava sair do Brasil em um táxi boliviano.” Battisti e os outros dois homens que estavam no carro foram detidos em flagrante por evasão de divisas. A Procuradoria-Geral da República poderá apresentar denúncia contra Battisti.

 

Polêmica. O ex-ativista foi condenado na Itália a prisão perpétua pela participação em quatro assassinatos ocorridos entre os anos de 1977 e 1979, quando fazia parte do grupo Proletários Armados pelo Comunismo. Ele nega. Depois de passar por diversos países, o ex-ativista vive no Brasil desde 2004.

Em 2009, o Supremo Tribunal Federal autorizou a extradição de Battisti para a Itália, mas ressalvou que a decisão final sobre o assunto cabia ao presidente da República. Em 31 de dezembro de 2010, em um dos últimos atos de seu governo, o expresidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) autorizou a permanência de Battisti no Brasil.

Em setembro deste ano, no entanto, o governo italiano pediu ao Brasil que revisse a decisão de Lula e extraditasse o ex-ativista. Esse pedido é feito em um novo contexto. Ao contrário dos ex-presidentes petistas, Temer não vê com simpatia a presença de Battisti no País.

Ainda quando estava na Vice-Presidência, Temer se reuniu com o então presidente italiano Giorgio Napolitano para tentar contornar o mal-estar criado pela decisão de Lula. Naquela época, abriu-se um fórum de discussão sobre o assunto com representante dos dois países.

 

Fuga. Por esse motivo, autoridades do governo brasileiro acreditam que Battisti estava tentando buscar refúgio na Bolívia do presidente Evo Morales. A avaliação de interlocutores do presidente é de que agora, após a detenção por evasão de divisas, a situação de Battisti poderá ser revista por Temer, uma vez que “uma porta foi aberta para que ele seja extraditado”.

O advogado Igor Tamasauskas, responsável pela defesa de Battisti, afirmou que ontem mesmo anexou notícias sobre a prisão aos autos do habeas corpus impetrado na semana passada, no STF, com o objetivo de evitar uma eventual extradição do ativista. “A defesa ainda está tentando entender o que exatamente aconteceu”, disse.

O vereador de São Paulo Eduardo Suplicy (PT), que acompanha o caso, disse ontem que vai enviar uma carta ao presidente da República. “Vou pedir que Temer respeite a decisão do ex-presidente Lula em relação à permanência de Battisti no Brasil. Não tem por que falar em extradição porque os crimes supostamente teriam sido cometidos há mais de 30 anos e estariam, portanto, prescritos.”

 

Defesa

“A defesa de Cesare Battisti vem a público informar que está obtendo informações oficiais sobre os motivos que levaram a esta medida e que tomará todas as providências cabíveis a fim de demonstrar a inexistência de fundamentos para a detenção realizada.”

Igor Tamasauskas

ADVOGADO, EM NOTA

 

CRONOLOGIA

Italiano no Brasil

2007

Da França ao Brasil

Após deixar a França quando o governo daquele país aprovou sua extradição, Cesare Battisti vem para o Brasil e é preso no Rio de Janeiro em 2007.

 

2009

Refugiado político

Em janeiro, o então ministro da Justiça, Tarso Genro, concedeu status de refugiado político a Battisti. A Itália pedia a extradição de Battisti.

 

2009

Julgamento no STF

Em novembro, os ministros do STF autorizaram o pedido de extradição de Battisti para a Itália, mas decidiram que a palavra final caberia ao presidente da República.

 

2010

Pedido recusado

No último dia de seu mandato, em 31 de dezembro, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recusou o pedido de extradição.

 

2016

Habeas Corpus

Em setembro de 2016, já no governo Temer, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux, no entanto, rejeitou o pedido habeas corpus preventivo a Battisti.

 

2017

Pedido de revisão

Em setembro, o governo da Itália pediu que o Brasil revisse a decisão de 2010 do ex-presidente Lula.

 

 

 

 

 

A busca seguida por refúgio onde a esquerda governa

Por: Marcelo Godoy

 

CENÁRIO: Marcelo Godoy

 

Existe um consenso que une políticos da direita e da esquerda na Itália: Cesare Battisti é um assassino que deve ser extraditado. Desde antes da execução em 1979 de Guido Rossa, sindicalista da Confederazione Generale Italiana del Lavoro (C- GIL, a central sindical comunista), o Partido Comunista Italiano esteve entre as forças políticas que defendiam uma linha-dura no combate ao terrorismo – tanto de direita quanto de esquerda – na Itália. Rossa foi executado a tiros por três integrantes das Brigadas Vermelhas (BR, na sigla em italiano), grupo de extrema-esquerda. Na visão dos brigadistas, Rossa era culpado por ter denunciado um terrorista infiltrado em sua fábrica.

Muitos dos integrantes de grupos como BR, Prima Linea ou Proletários Armados pelo Comunismo (PAC) – onde Battisti militava – se refugiram na França, na Nicarágua sandinista e em outros países que lhes deram abrigo a partir dos anos 1980. O presidente socialista francês François Mitterrand (PS) considerava que as duras leis antiterror da Itália não garantiam o devido processo legal aos acusados. Instituiu assim o que ficou conhecido como a doutrina Mitterrand – o exílio a quem quer que passasse para o outro lado dos Alpes. Battisti chegou lá em 1981. Quando o gaullista Jacques Chirac (RPR) governava a França e o direitista Silvio Berlusconi (FI) a Itália, a política de Mitterrand foi arquivada.

Antes que fosse preso, Battisti fugiu para o Brasil em 2004. Havia então se tornado um escritor famoso na França e sua causa era defendida por intelectuais como o filósofo Bernard-Henri Lévy. Veio para cá no rastro de outros italianos, que exilados no País, eram procurados na Itália por terrorismo. Agora que a doutrina Lula – que vetou sua extradição – pode ser revista, Battisti é apanhado a poucos quilômetros da fronteira de outro país governado por um líder de esquerda: a Bolívia de Evo Morales.