O Estado de São Paulo, n.45278 , 05/10/2017. Economia, p.B5

 

 

 

 

 

Ruralistas fazem pressão por uso de terras indígenas

Deputados negociam com o governo medida que autorize produção nessas áreas, o que é proibido por lei; Planalto nega que vai liberar arrendamento

Por: André Borges

 

André Borges / BRASÍLIA

 

Lideranças da bancada ruralista negociam com o governo a publicação de medida provisória que autorize a produção agrícola ou pecuária dentro de terras indígenas, o que hoje é proibido por lei.

A informação foi confirmada ao Estado por duas lideranças dos ruralistas no Congresso, os deputados Valdir Colatto (PMDB/SC) e Luiz Carlos Heinze (PP/RS), que participaram de um encontro com o presidente Michel Temer e o ministro da Justiça, Torquato Jardim, na tarde de terça-feira, no Palácio do Planalto.

Segundo Colatto e Heinze, Temer se comprometeu a apresentar, na próxima segunda-fei- ra, o texto de uma medida provisória que autorizaria a realização de “parcerias” entre indígenas e produtores rurais, para exploração de áreas demarcadas. Na tarde de ontem, depois que a proposta foi divulgada pelo Estado, o governo emitiu nota negando o acordo.

“Não é verdade que o governo esteja preparando a publicação de uma medida provisória que liberará o arrendamento de terras indígenas. O presidente não prometeu nada a respeito, apenas tomou conhecimento do assunto durante audiência com parlamentares na terça-feira”, declarou a Secretaria de Comunicação da Presidência.

Para os ruralistas, no entanto, o entendimento foi outro. “O presidente disse que iria resolver o problema e que segunda-feira apresenta essa medida provisória com o ministro da Justiça, que estava junto na audiência”, disse ao Estado o deputado Valdir Colatto, que também é coordenador de meio ambiente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). “O presidente disse que ia apresentar a MP para a área jurídica dele.”

Colatto justificou ainda porque o caminho escolhido é a edição de uma MP. “Como a questão jurídica diz que não é possível fazer administrativamente, por meio de uma portaria, é preciso fazer um projeto de lei ou uma MP.”

Segundo Heinze, o objetivo é regulamentar uma situação que já é realidade. “Essa situação de arrendamento já existe na prática em algumas regiões do País. O que queremos é regulamentá-la. O presidente se comprometeu em publicar a MP no início da próxima semana.”

A pressão da bancada ruralista ocorre no momento em que o Palácio do Planalto busca votos para barrar a denúncia contra Temer no Congresso.

Márcio Santilli, sócio fundador do Instituto Socioambiental (ISA), criticou a possibilidade de a MP ser, de fato, publicada: “Temer faz um bom negócio, pagando em terras indígenas pelos votos com que a bancada ruralista promete. O objetivo é legalizar crimes alheios para blindar os próprios.”

O Greenpeace diz que lei proíbe a exploração de terras indígenas por terceiros para a produção agropecuária. “Rifar o meio ambiente e os direitos sociais para se manter no poder virou prática comum no governo Temer, gerando uma enorme lista de retrocessos que já fazem dele o pior presidente da história para a área socioambiental”, declara nota do coordenador de políticas públicas do Greenpeace Brasil, Márcio Astrini.

 

Acerto. ‘Objetivo é regulamentar uma realidade’, diz Heinze

 

Audiência

“O presidente disse que iria resolver o problema e que segunda-feira apresenta essa MP com o ministro da Justiça, que estava junto na audiência.”

Valdir Colatto

DEPUTADO (PMDB/SC)

 

PARA LEMBRAR

Não foi a primeira vez que o governo se envolveu em decisões polêmicas na área socioambiental. No dia 23 de agosto, o presidente Michel Temer editou um decreto extinguindo a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), 47 mil quilômetros quadrados na Amazônia, uma área equivalente ao Estado do Espírito Santo, rica em cobre e outros minerais. Localizada entre Pará e Amapá, a reserva havia sido instituída em 1984. Um dia depois, a modelo Gisele Bündchen usou o Twitter para se manifestar contra a medida. “Vergonha! Estão leiloando nossa Amazônia!”, disse Gisele na rede social. Depois da modelo, artistas, intelectuais, brasileiros de diversas partes do País, e fora dele, se manifestaram pelas redes sociais contra a decisão. Após a polêmica, o governo recuou e determinou no dia 31 do mesmo mês a paralisação de todos os procedimentos relativos à atividade de mineradoras na área. Na prática, a decisão não revogou o decreto, mas suspendeu, por ora, a permissão para que a exploração mineral avançasse na região.

 

PRESTE ATENÇÃO

Medida polêmica

 

1. Proibição. Hoje é proibida por lei a produção agrícola e pecuária em terras indígenas. Segundo a bancada ruralista, a edição de uma MP autorizaria parcerias entre indígenas e produtores rurais nas terras que hoje são demarcadas.

2. Regulamentação. Líderes da bancada ruralistas explicaram que a edição de uma MP é necessária por uma questão jurídica, uma vez que a medida não pode ser tomada ‘administrativamente’. Segundo eles, a MP apenas regulamentaria uma situação que já existe hoje, ou seja, o arrendamento dessas terras em algumas regiões do País é uma realidade.

3. Negociação. A possível medida provisória já encontra resistência. O Greenpeace reafirma que a lei proíbe a exploração de terras indígenas. A polêmica fica ainda maior quando se relaciona a edição dessa MP à busca de votos pelo Palácio do Planalto para barrar a segunda denúncia contra o presidente Michel Temer no Congresso Nacional.