O Estado de São Paulo, n. 45277, 04/10/2017. Política, p.A5

 

 

 

 

 

Consequências serão graves se crise não for superada

Por: Marco Antônio Teixeira

 

ANÁLISE: Marco Antônio Teixeira

 

O afastamento do senador Aécio Neves (PSDB-MG) por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) ganhou uma dimensão maior (e diferente) de outros casos porque representa o risco de um dano conjunto à parcela significativa dos senadores. Mas o choque entre os Poderes já estava posto desde o pedido de prisão, em 2015, do então senador Delcídio Amaral, àquela altura no PT. O embate entre Judiciário e Legislativo continuaria com a decisão do ministro Marco Aurélio Mello, em 2016, de afastar Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência do Senado.

Se com Delcídio, em 2015, havia uma forte polarização política entre PT e PSDB, hoje, nesse caso específico, ela não mais existe. O problema de Aécio é visto como um imbróglio em que parte do Senado pode ser atingida diretamente. Compreende-se a decisão do Senado de enfrentar o Supremo, mas ela parece tardia. Poderia ter vindo com o episódio de Delcídio, contudo as fissuras políticas do processo de impeachment de Dilma Rousseff em curso não permitiram.

Suplantada a polarização, a reação virou uma questão de defesa corporativa da Casa e pode soar até como oportunista. As declarações enfáticas de senadores, como se fossem uma defesa da Casa, é um erro de timing dos parlamentares.

No caso específico de Aécio, é evidente que a decisão de afastá-lo ou não deveria ser tomada pelo próprio Senado. Mas é preciso compreender que a ausência de respostas do Legislativo frente a problemas envolvendo seus pares faz com que a opinião pública pressione por respostas palatáveis ao gosto popular mesmo de onde não deveria haver resposta. Parte da atuação do Judiciário ocorre nesse vazio.

Os holofotes têm estado com o Supremo, que tem sido um ator relevante na política para o bem ou para o mal. No caso atual, se o STF recua, ele se desmoraliza. Ao que tudo indica, a decisão do ministro Edson Fachin de negar o pedido de Aécio para voltar ao mandato antes da decisão da Corte mostra que o STF vai manter sua posição. Por outro lado, se o Senado enfrenta o Supremo, cria-se um impasse cujas consequências são imprevisíveis.

A expectativa é de que esse impasse conti- nue pelo menos por mais uma semana até que o Supremo julgue a ação sobre o afastamento de parlamentares, no dia 11. Fica um ponto de interrogação: como o Supremo vai se comportar até lá em meio a esse cenário? E tudo isso acontece durante a discussão da segunda denúncia contra o presidente Michel Temer, acusado de pela ProcuradoriaGeral da República pelos crimes de organização criminosa e obstrução da Justiça.

A saída para a crise é política e ela não ocorrerá sem um acordo que implique assumir seus erros. Nesse quadro, quem perde é a democracia. Os Poderes deveriam dialogar e construir saídas em vez de caminharem em polos opostos.

 

CIENTISTA POLÍTICO E PROFESSOR DA FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS (FGV)

 

 

 

 

 

 

Novo impasse entre Poderes

PERGUNTAAS& RESPOSTAS

 

1. O que foi determinado em relação ao senador Aécio Neves (PSDB-MG)?

Por três votos a dois, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no dia 26 de setembro, afastar novamente o tucano do exercício das funções parlamentares e colocá-lo em recolhimento noturno.

 

2. O que pesa contra Aécio Neves?

O senador foi alvo da Operação Patmos, em maio, e foi denunciado no mês seguinte pela Procuradoria-Geral da República (PGR) pelos crimes de corrupção passiva e de obstrução da Justiça. O tucano é acusado formalmente de ter aceitado propina de R$ 2 milhões repassada pelo Grupo J&F a um primo seu e a um ex-auxiliar parlamentar e de ter tentado obstruir as investigações.

 

3. Qual o embasamento da decisão da Primeira Turma do Supremo?

O colegiado restaurou medidas cautelares que haviam sido determinadas pelo ministro Edson Fachin em maio, como a proibição do senador de se ausentar do País e de entrar em contato com qualquer outro investigado no conjunto de fatos revelados nas delações da J&F. No caso do recolhimento domiciliar noturno, por exemplo, esta é uma medida prevista no artigo 319 do Código de Processo Penal. O artigo em questão diz que o recolhimento domiciliar no período noturno é uma das medidas cautelares “diversas da prisão”.

 

4. Por que senadores discordam da decisão?

A argumentação dos senadores contrários às medidas aplicadas a Aécio é de que, ao proibir o tucano de sair de casa à noite, o Supremo decretou, na prática, sua prisão em regime semiaberto. O artigo 53 da Constituição prevê que esse tipo de medida tem de receber o aval do plenário do Senado.

 

5. O que o Supremo vai decidir no julgamento marcado para o dia 11?

O plenário da Corte vai julgar uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) ajuizada no ano passado por PP, PSC e SD que trata do afastamento de parlamentares. Os partidos querem que medidas cautelares previstas no Código de Processo Penal – como o recolhimento domiciliar noturno – que venham a ser impostas a membros do Legislativo sejam submetidas ao crivo do Congresso em um prazo de 24 horas. Aécio seria beneficiado por esse entendimento. O ministro Edson Fachin, relator da ação, liberou, na sexta-feira passada, o processo para julgamento e a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, marcou a apreciação do assunto para a próxima semana.