O Estado de São Paulo, n. 45277, 04/10/2017. Política, p.A6

 

 

 

 

 

 

Ministros chamam pedido da defesa de ‘absurdo’ e ‘incabível’

Cármen Lúcia nega retirar de Edson Fachin mandado de segurança de Aécio, e relator rejeita suspender afastamento do senador tucano

Por: Rafael Moraes Moura / Beatriz Bulla / Breno Pires

 

Rafael Moraes Moura

Beatriz Bulla

Breno Pires / BRASÍLIA

 

Duas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) representaram ontem derrotas à defesa de Aécio Neves (PSDB-MG) e também à parte do Senado mobilizada para derrubar o afastamento do parlamentar. Pela manhã, a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, classificou de “absurdo” o requerimento para retirar de Edson Fachin o julgamento de um pedido feito pelo tucano. À tarde e an- tes da votação no Senado, Fachin afirmou, ao julgar o mandado de segurança, que o instrumento era “incabível”.

A defesa de Aécio pedia a suspensão do afastamento e do recolhimento domiciliar noturno impostos ao senador, por decisão da Primeira Turma do STF, na semana passada, até o julgamento de uma ação direita de inconstitucionalidade (ADI) que vai debater o tema no dia 11. Fachin negou o pedido.

Segundo Fachin, não cabe mandado de segurança quando ainda há possibilidade de se recorrer da decisão. A defesa do tucano pode entrar com outra modalidade de recurso – embargos declaratórios – contra a decisão da Primeira Turma.

“É, portanto, incabível o presente mandado de segurança”, escreveu o ministro. “Em que pesem as razões apresentadas pelo impetrante, o ato impugnado na presente ação mandamental não é de órgão ou autoridade submetida à jurisdição do Tribunal, porquanto os órgãos fracionários (Turmas) desta Corte, nos limites de sua competência, atuam em nome do próprio Tribunal”, afirmou Fachin.

Em maio, Fachin já havia determinado o afastamento de Aécio após vir à tona as delações premiadas dos executivos do Grupo J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista.

 

Estratégia. A defesa do tucano tentou evitar que o recurso interposto à atual decisão da Primeira Turma fosse encaminhado a Fachin – ele integra a Segunda Turma. Cármen Lúcia, no entanto, rejeitou o pedido.

De acordo com a presidente do Supremo, havia equívocos nas alegações dos advogados do tucano. “A se adotar a tese defensiva do afastamento do ministro Edson Fachin, chegaríamos ao absurdo de não poder ser julgada a impetração pelo plenário deste Supremo Tribunal, pois os cinco ministros da Primeira Turma estariam impedidos e mais um da Segunda Turma, inviabilizando o quórum mínimo de seis ministros”, escreveu Cármen Lúcia.

A presidente do Supremo afirmou que a decisão contestada não era de Fachin, mas da Primeira Turma.

Cármen Lúcia busca uma solução negociada com o Senado, para evitar que a Casa derrube a decisão dos ministros do STF antes do julgamento marcado para a semana que vem. Ao longo do dia, ministros temiam que o Senado insistisse em votar a questão antes do dia 11, o que aumentaria o clima de tensão com a Corte.

 

Solução. Auxiliares de ministros avaliam que Corte e Senado têm travado um embate institucional em que as duas instituições podem sair arranhadas. Ministros têm demonstrado reservadamente preocupação com a imagem do Supremo. Depois da decisão da Primeira Turma, as divisões internas na Corte se aprofundaram.

Há integrantes do STF que avaliam que Cármen Lúcia deveria adotar uma defesa mais enfática da decisão da Primeira Turma, sob pena de colocar em risco a credibilidade do Judiciário. Outra ala do Tribunal, no entanto, critica a decisão tomada contra Aécio e defende a solução negociada com o Congresso, para contornar o impasse.

 

Decisão. Edson Fachin durante sessão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal; ministro rejeitou pedido da defesa do senador Aécio Neves

 

 

"Se adotar a tese defensiva do afastamento, chegaríamos ao absurdo"

Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF)

 

 

 

 

 

Não devemos acender fósforo, afirma Gilmar

 

BRASÍLIA

 

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, afirmou ontem que a atual conjuntura política é “delicada” e não se deve “acender fósforo para saber se há gasolina no tanque”.

Questionado sobre as medidas cautelares impostas ao senador Aécio Neves (PSDB-MG) pela Primeira Turma do Supremo, de afastá-lo do cargo e lhe impor o recolhimento domiciliar noturno, Gilmar disse que a Corte deveria fazer uma “autoanálise, uma autocrítica” em relação à controvérsia provocada pela decisão.

“Vamos ver se conseguimos construir uma solução. É importante que a gente perceba a delicadeza desses temas e seja mais ortodoxo na aplicação de normas constitucionais”, afirmou Gilmar, que não participou do julgamento na semana passada por integrar a Segunda Turma.

“É importante que nós façamos uma análise crítica do nosso afazer. Tivemos, recentemente, o caso da vaquejada, em que o Congresso quase que por unanimidade aprovou uma emenda constitucional (depois de o Supremo Tribunal Federal declarar inconstitucional uma lei cearense que regulamentava a vaquejada). É preciso que nós façamos uma autoanálise, uma autocrítica”, disse o ministro.

 

‘Critérios’. Para Gilmar, o “Senado tem os seus próprios critérios e deve se ter todo o cuidado em lidar com temas sensíveis do ponto de vista institucional”. “Um dos fundamentos da República Federativa brasileira é a independência e a harmonia entre os Poderes. É importante que todos nós, de todos os lados, do nosso lado, do Judiciário, do lado dos legisladores, prestemos atenção a esse princípio”, disse o ministro, ao ser questionado se o Senado não estaria atropelando o Supremo no episódio.

“Cada qual terá os seus critérios, e cada Poder terá os seus critérios. Não me cabe fazer esse tipo de encaminhamento. É importante que nós saibamos que estamos vivendo um momento bastante delicado e a gente não deve acender fósforo para saber ou querer saber se há gasolina no tanque”, disse.

 

 

 

 

 

Quando o Judiciário joga o jogo da política, a tendência é perder

Por: Luiz Guilherme Arcaro Conci

 

ANÁLISE: Luiz Guilherme Arcaro Conci

 

Nós carregamos conosco uma percepção a respeito da separação dos Poderes que nos faz acreditar intuitivamente que cada um tem seu espaço. De costume, pensamos que a função do Judiciário se resume a intermediar conflitos e que a decisão é obra de técnicos, os que “conhecem” o direito. Isso funciona bem em campos que afetam pessoas. Mas, a partir do momento que trata do Estado, gera ruído entre as instituições, principalmente quando algumas delas são formadas a partir do voto, da escolha popular.

Quando o Judiciário tenta jogar o jogo da política, a tendência é que perca. Na última semana, depois de o STF decidir, liminarmente, sem condenação definitiva, afastar Aécio Neves (PSDB-MG) de seu mandato e determinar o recolhimento noturno, houve uma enorme reação não apenas de seus pares, mas da comunidade jurídica.

Nessa confusão entre o direito e a política, o Judiciário vem adotando um voluntarismo excessivo, que afronta a técnica. A ausência de reconhecimento pela própria comunidade de juristas dá combustível para o Senado questionar a decisão, pois os “técnicos” discordam entre si.

Os senadores, que deveriam atuar mais como um termômetro da vontade popular, não o fizeram, pois demonstram uma tentativa de salvação coletiva, o que também reforça a deslegitimação da política representativa, já tão arranhada. O caso do senador cassado Delcídio Amaral foi semelhante ao de Aécio: avanço do Judiciário no que a Constituição não prevê. Mas, no caso, havia uma maioria formada contra o governo anterior e se entendeu que valia a pena fortalecer o Judiciário. Fizeram uma leitura política de uma decisão inconstitucional.

Enquanto tais decisões afetivas eram tomadas, no campo racial ou social, dos excluídos, a repercussão era ínfima. Quando chegam àqueles que têm poder político, passa a haver um potencial muito grande de contestação e de enfrentamento importantes. O Judiciário se legitima pela confiança que constrói e o que temos visto é uma clara erosão. Quando os juízes criam uma “Constituição paralela”, assumem uma função que não é deles, riscos que não são convenientes. O Judiciário está se deslegitimando rápida e profundamente. Talvez sem volta.