Título: O risco do código
Autor: Rothenburg, Denise
Fonte: Correio Braziliense, 18/03/2012, Política, p. 4
Ambientalistas se preparam para entregar à presidente Dilma o troféu motosserra de ouro na Rio%2b20. Não estamos longe de ver a Conferência, prevista para ser um ponto alto do governo, virar uma armadilha
O governo está certíssimo quando calcula ser o Código Florestal o ponto mais sensível para a gestão Dilma Rousseff no rol de projetos em curso na bagunçada base governista. E nessa contabilidade não está apenas o mérito da proposta em si. Mas a possibilidade de união entre ruralistas e ambientalistas para derrotá-la. É isso mesmo, leitor. Por ângulos diferentes, os dois setores que vivem às turras terão a mesma resultante.
Não é segredo para ninguém que os ambientalistas — insatisfeitos com o texto do Código Florestal aprovado no Senado por conta dos apicuns — estão pintados para a guerra por conta da retomada do texto da Câmara. O projeto como está hoje reduz a área de cálculo de proteção permanente e beneficia quem desmatou irregularmente no passado.
Na avaliação de várias instituições ligadas à causa ambiental, não há como recuperar o Código. A proposta mais sensata, na visão de muitos, seria o governo começar de novo e discutir separadamente cada ponto do Código em projetos separados porque, dentro do Código, a forma como o texto foi amarrado não permite separar a "parte boa da ruim".
Por falar em parte ruim...
No documento divulgado há duas semanas, 13 entidades, por coincidência o número do PT, colocam o governo Dilma como protagonista do maior retrocesso da agenda socioambiental. Para quem não viu o texto, vai aqui um resumo. Eles usam a expressão "retrocesso sem precedentes na área ambiental", remontando aos governos militares. São nove itens citados, que vão desde o Código "indigno deste nome" até a fragilização do Ibama e do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
Os ambientalistas consideram o desenvolvimento sustentável esquecido no governo Dilma. Lembram que, desde que ela assumiu, houve um congelamento na criação de unidades de conservação, e, para completar, medidas provisórias reduzem áreas de conservação. Citam, por exemplo, a MP 558, que excluiu 86 mil hectares de sete unidades federais de conservação na Amazônia.
No rol de retrocessos, citam a lentidão das obras de saneamento, interrupção do processo de reconhecimento de áreas indígenas e quilombolas e o aumento da violência no campo. Entre os signatários, estão WWF Brasil, SOS Mata Atlântica, Instituto de Democracia e Sustentabilidade e Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, todos com muita credibilidade e respeitabilidade no setor.
Por falar em respeitabilidade...
Parte dessas instituições planeja entregar à presidente Dilma o troféu "motosserra de ouro" durante a Rio+20, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. Assim, o que era para ser o grande evento do governo Dilma Rousseff pode se transformar num desgaste sem precedentes até o momento.
Por falar em desgastes...
A previsível derrota do governo na Câmara no Código Florestal, somada à "motosserra de ouro", representa um processo de desgaste em duas frentes. Primeiro, Dilma corre o risco de mostrar aos agentes econômicos que não controla mais a sua base. Em segundo lugar, as críticas que estão por vir na Rio+20 vão expor uma outra fragilidade e, assim, tirar um pouco o volume de apoio que a presidente amealha com a população.
Adiar a votação diante desse quadro seria mesmo a melhor solução para o Poder Executivo neste momento. Afinal, nunca antes na história deste país, um Código se mostrou tão perigoso ao ponto de atingir um governo em duas frentes. É, sem dúvida, a saia mais justa da presidente Dilma. E até aqui ninguém encontrou um meio de tirar essa indumentária sem rasgar um pedaço do tecido.
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