O Estado de São Paulo, n. 45322, 18/11/2017. Política, p. A4.

 

Sob protesto nas ruas, Alerj revoga prisão de sua cúpula

Constança Rezende / Roberta Jansen / Roberta Pennafort

18/11/2017

 

 

Cadeia Velha. Deputados revertem decisão do TRF-2 e presidente da Assembleia do Rio, Jorge Picciani, e aliados são soltos após cerca de 24 horas; PM reprime manifestantes

 

 

Foram cerca de 24 horas na prisão. O presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio (Alerj), deputado Jorge Picciani; o líder do governo, deputado Edson Albertassi; e o deputado Paulo Melo, todos do PMDB, foram soltos no fim da tarde de ontem por decisão da Casa e deixaram a prisão em um carro oficial. A prisão dos três havia sido determinada pelo Tribunal Regional Federal da 2.ª Região (TRF-2), na véspera, como parte da Operação Cadeia Velha, um desdobramento da Lava Jato.

Eles são acusados de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e recebimento de propina de empresas de transporte urbano. A decisão de libertar os deputados foi tomada em rápida votação plenária, que terminou em pouco mais de meia hora por 39 votos a favor, 19 contra e uma abstenção.

Os deputados devem retomar suas funções parlamentares já na terça-feira que vem (segunda é feriado). Logo depois de encerrada a votação, a bancada do PSOL na Alerj anunciou que vai entrar com uma ação na Justiça para anular a sessão. O PSOL sustenta que a votação foi realizada com as galerias fechadas ao público, em descumprimento a uma decisão judicial, e que houve irregularidade na convocação da sessão.

Uma liminar expedida pela juíza Ana Cecilia Argueso Gomes de Almeida, da 6.ª Vara de Fazenda Pública do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ), determinou a liberação das galerias para o público. A oficial de Justiça que levava a liminar chegou a ser impedida de entrar na Alerj pela polícia e só conseguiu chegar ao plenário no fim da votação por interferência de alguns deputados que interromperam a sessão.

Nesse meio tempo, as galerias foram ocupadas por assessores parlamentares, muitos deles com o crachá de deputados contrários à prisão. A Assembleia alegou que não fechou as galerias, apenas limitou o acesso a elas por questões de segurança, seguindo orientação do Corpo de Bombeiros. Do lado de fora da Casa, manifestantes organizados desde o começo da tarde foram impedidos de entrar e houve tumulto.

 

Secreta. Na Alerj, a discussão começou na Comissão de Constituição e Justiça. O presidente da CCJ, deputado Chiquinho da Mangueira (Podemos), propôs que a votação do parecer fosse feita a portas fechadas. A proposta foi colocada em votação e aprovada. O deputado Rafael Picciani, filho de Picciani, último a votar, surpreendeu o próprio presidente da CCJ ao votar pela reunião aberta. “Aberta?”, questionou, arrancando risos.

Em votação fechada, a CCJ aprovou por quatro votos a dois o parecer recomendando a soltura dos três deputados. Somente os deputados Luiz Paulo (PSDB) e Carlos Minc (sem partido) votaram contra. A votação no plenário da Alerj foi presidida por Wagner Montes (PRB). Ele fez questão de voltar de viagem para assumir a presidência interina. Votou contra a libertação dos presos.

Um deputado do PSOL, Paulo Ramos, votou pela libertação dos deputados, contrariando a decisão da bancada. “Eu sou um deputado constituinte”, disse Ramos. “E a Constituição diz que um deputado só pode ser preso por crime inafiançável ou em flagrante delito.”

O voto lhe custou a expulsão do partido. Em nota, o PSOL afirmou que Paulo Ramos “tomou uma altitude inaceitável”.

 

TRF-2. O desembargador federal Abel Gomes determinou ontem a prorrogação da prisão temporária (por mais cinco dias) de Felipe Picciani (filho de Jorge Picciani) e outros três investigados na Cadeia Velha. O magistrado também ordenou o bloqueio cautelar de contas e o sequestro de bens de 13 pessoas e 33 empresas investigadas na mesma ação.

O TRF- 2 afirmou que a libertação dos três deputados dependia da assinatura de Gomes. Logo após a sessão, porém, a Alerj enviou um funcionário com a ordem de soltura à Cadeira Pública José Frederico Marques, em Benfica, na zona norte do Rio. Picciani e os outros dois peemedebistas deixaram a prisão por volta das 18h, cerca uma hora e meia depois da decisão dos colegas.

 

PLACAR

Alerj revogou prisão de Jorge Picciani e mais 2 parlamentares

A FAVOR - 39

CONTRA - 19

 

PARA ENTENDER

Constituição prevê aval

1. Operação Cadeia Velha. Na terça-feira, os deputados estaduais Jorge Picciani, presidente da Assembleia do Rio, Paulo Melo e Edson Albertassi – todos do PMDB – foram alvo da operação, que apura corrupção e outros crimes envolvendo a Casa. Os três foram conduzidos coercitivamente pela PF.

2. Pedido de prisão. O Ministério Público Federal pediu a prisão e o afastamento do mandato dos três. Coube ao Tribunal Regional Federal da 2.ª Região (TRF-2) – que autorizou a Operação Cadeia Velha – decidir sobre o pedido do MP.

3. Prisão. Por unanimidade, cinco desembargadores do TRF-2 decretaram anteontem a prisão preventiva de Picciani, Melo e Albertassi. Os três se apresentaram na sede da PF. Para o relator, como as irregularidades permanecem, a prisão foi considerada em flagrante.

4. Prisão revogada. Ontem, em votação na Assembleia, a prisão foi revogada e eles foram soltos. Pela Constituição do Estado do Rio, deputados estaduais só podem ser presos em flagrante de crime inafiançável e a Casa pode deliberar.

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'Ai do povo...'

 

Bertolt Brecht ou 'Bertoldo Brecha'?

Wilson Tosta / Marcio Dolzan / Constança Rezende

18/11/2017

 

 

Deputado se confunde ao citar dramaturgo alemão

 

 

O secretário de Cultura do Rio, André Lazaroni, que foi exonerado do cargo apenas para votar pela libertação dos colegas peemedebistas Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi, se confundiu em seu discurso contra a decisão da Justiça.

De volta ao mandato de deputado estadual, ele tentou citar o dramaturgo alemão Bertolt Brecht (1898-1956), mas falou “Bertoldo Brecha” – personagem do programa humorístico Escolinha do Professor Raimundo, da TV Globo. “Finalizo como diria Bertoldo Brecha: ‘Ai do povo...’ Brecha... Brecht... Brecht... Bertoldo Brecht! ‘Ai do povo que precisa de heróis’”, disse, de braços abertos, sob risos de colegas, funcionários e jornalistas.

 

Galerias. Do lado de fora, o ambiente era tenso. Uma oficial de Justiça tentava entrar na Casa, para notificar a Mesa Diretora de decisão que determinava que as galerias – ocupadas por assessores pró-Picciani – fossem abertas ao público.

O deputado Flávio Serafini (PSOL) forçou passagem. “Está me impedindo de exercer meu mandato?”, repetia aos seguranças, em meio a empurrões.

Cerca de mil manifestantes se concentravam em torno do Palácio Tiradentes desde o início da tarde. Um carro de som, bandeiras de partidos de esquerda e de grupos sindicais podiam ser vistos.

A manifestação transcorreu tranquila nas primeiras três horas, mas a demora para que o ofício da Justiça que obrigava a Alerj a liberar as galerias causou tumulto. Alguns manifestantes tentaram ultrapassar as grades que cercavam a Assembleia e a PM usou bombas de gás e balas de borracha.