O globo, n.30763 , 28/10/2017. PAÍS, p.8

Latinobarômetro: corrupção é preocupação nº 1 do Brasil

JANAÍNA FIGUEIREDO

 

 

Nunca antes, entre 18 países, problema foi apontado como o principal

 

Em seus 22 anos de vida, a pesquisa de opinião pública Latinobarômetro, que recolhe opiniões sobre diversos assuntos em 18 países do continente, jamais tinha colocado a corrupção como a principal preocupação de uma sociedade. No trabalho deste ano, apresentado ontem na capital argentina, isso mudou, e o Brasil, num fato inédito para a ONG com sede no Chile, passou a ser o primeiro país latino-americano a ter a corrupção como maior problema nacional.

De acordo com a pesquisa, de grande prestígio em todo o continente, 31% dos brasileiros consideram atualmente que a corrupção deve estar em primeiro lugar no ranking de preocupações do país, superando outros flagelos como pobreza e violência.O resultado surpreendeu a coordenadora da pesquisa, a chilena Marta Lagos, que ontem divulgou o conteúdo completo desse abrangente trabalho em Buenos Aires e lamentou, em entrevista ao GLOBO, que “o Brasil seja o campeão da corrupção, embora esteja muito bem acompanhado”:

A América Latina precisa que o Brasil volte a ser o que deve ser, uma potência mundial. Um Brasil mergulhado numa discussão atrasada, como está, afeta todo o continente.

Ela considera que no Brasil, como em outros países, “não existe a consciência de que a corrupção não é apenas um problema de cinco ou 20 pessoas, é um problema do sistema político como um todo”.

Como a corrupção é invisível, os sistemas políticos atuam como se ela não existisse. Hoje temos uma democracia diabética, porque a corrupção é como uma doença que está ali, não se vê, mas pode te matar — disse a socióloga chilena, que coordena a Latinobarômetro desde sua criação.

A radiografia regional traçada este ano é preocupante e, de acordo com Marta, representa uma ameaça ao sistema democrático. As pessoas, apontou a socióloga, estão deixando de acreditar que a democracia é o melhor sistema para melhorar suas condições de vida.

Há três décadas, começamos a transição democrática em vários países latino-americanos dizendo para as pessoas que, com esse novo sistema políticos, todos os problemas seriam solucionados. Que os políticos trabalhariam para elas, para resolver seus dramas cotidianos. Mas, hoje, em torno de 70% dos latino-americanos sentem que os políticos trabalham para seus próprios interesses. No Brasil, esse percentual chega a 97% —afirmou Marta.

Na pesquisa, quando foram perguntados se a democracia, com suas falências, continua sendo o melhor sistema de governo, os uruguaios foram os mais otimistas, e 84% responderam que sim. Os brasileiros ficaram na 14ª posição, com 62%. Os que menos defenderam a democracia foram os mexicanos, apenas 54%.

 

MUDANÇA EM 10 ANOS

Já quando a pergunta foi sobre satisfação com a democracia, apenas 13% dos brasileiros manifestaram uma opinião favorável, ficando em último lugar no ranking. Os mais satisfeitos foram os uruguaios, com 57%.

Mesmo no Uruguai, onde a corrupção não é a principal preocupação, tivemos recentemente um vice-presidente que renunciou por denúncias de corrupção. Esse problema está instalado na agenda latinoamericana enfatizou a diretora da pesquisa.

Para ela, “o sistema político não poderá avançar enquanto não resolver esta questão. É um grande erro pensar que o problema são pessoas específicas, que cometeram atos de corrupção. Esse problema penetrou no sistema político e o paralisou”.

O caso do Brasil é grave, mas o Brasil não está sozinho. Há dez anos, a corrupção sequer aparecia com dados significativos. Hoje está presente e com peso em quase dez países do continente  afirmou Marta.

A pesquisa mostra que a corrupção também tornou-se mais importante no ranking de preocupações de vários países, até do Chile, onde os escândalos são mínimos comparados com o que está acontecendo no Brasil.

Lamentavelmente, vemos que a corrupção chegou ao topo das preocupações para ficar. Há dez anos, esse problema sequer aparecia no ranking  assegurou Marta.

Uma das consequências mais graves da penetração da corrupção na região é a queda dos níveis de confiança interpessoal.

No Brasil, a confiança entre as pessoas praticamente desapareceu. A corrupção destruiu as relações interpessoais, ninguém confia em mais ninguém  disse a socióloga chilena.