Correio braziliense, n. 19947, 03/01/2018. Política, p. 2

 

Constituição, 30 anos de cidadania

 Renato Souza e Alessandra Azevedo

03/01/2017

 

 

CONGRESSO » A Lei Maior mudou a história do país, deixando para trás o período ditatorial e inaugurando direitos e liberdades para o cidadão. Atualização de artigos sem regulamentação ainda é alvo de controvérsias no Parlamento e no meio jurídico

Promulgada em 5 de outubro de 1988, a Constituição Federal completa 30 anos de cidadania. A Carta Magna encerrou um período em que o Brasil mergulhou no caos civil e na censura com a ditadura, deixando para trás a repressão por parte do Estado em relação às liberdades individuais e ao direito de ir e vir da população. O texto foi promulgado pela Assembleia Nacional Constituinte, integrada por 559 membros. A união de 245 artigos divididos em nove títulos trouxe direitos e garantias que devem ser protegidos e assegurados a todos os brasileiros e estrangeiros que vivem no país. Mas a história relacionada à Lei Maior não para por aí. Quase 30 anos depois, com 90 emendas e 116 artigos sem regulamentação, a Constituição de 1988 ainda é tema de controvérsias e acaloradas discussões no Parlamento e no meio jurídico.

A criação de uma nova Constituição teve como função restaurar a democracia após 21 anos do regime militar. Durante aquele período, os 17 Atos Institucionais que foram promulgados tinham peso maior que a Carta Magna da época. Os brasileiros viram o governo ganhar força para prender quem contrariasse seus interesses, censurar a imprensa e demitir servidores públicos. Outra prática comum do Estado era a de caçar e torturar pessoas com alegações estapafúrdias de que agia para impedir o avanço comunista, tentava proteger a soberania nacional e lutava contra a corrupção. O senador Renan Calheiros, ex-presidente do Senado Federal, destaca que a nova Carta Magna trouxe avanços fundamentais para um novo Brasil. “A Constituição consagrou avanços indiscutíveis e criou condições para a estabilização da economia. Para avanços sociais. E, apesar de completar agora 30 anos, continua atual. Eu mesmo, como presidente do Senado, promulguei mais de 30 emendas, algumas muito importantes”, conta o senador.

Os artigos que compõem o texto foram sugeridos, analisados, revisados e repensados durante 20 meses. A principal missão era retomar a participação do povo nas decisões políticas, garantir direitos fundamentais e devolver aos brasileiros o poder soberano de eleger seus representantes e opinar sobre assuntos que podem mudar os rumos do país. Na teoria, a partir da Constituição, todos os brasileiros se tornaram iguais perante a lei, homens e mulheres se equipararam em todos os aspectos sociais, e ficou garantido o direito ao trabalho, à crença e à segurança dos cidadãos.

Apesar da busca por igualdade, o distanciamento entre o número de homens e mulheres na política esteve presente na própria Constituinte. Apenas 26 deputadas, entre 513 parlamentares da Câmara, e nenhuma senadora, participaram dos debates e da aprovação da Constituição (leia reportagem na página 3). Nos meses anteriores à definição do texto, ocorreram embates entre partidos políticos. Representantes de diversos setores da sociedade e de diferentes ideologias participaram do processo. Todos queriam ver sua classe ou seu grupo representado na lei máxima de uma democracia que estava renascendo.

Pressões

O deputado Heráclito Fortes (PSB-PI), que integrou a equipe que votou e aprovou a oitava Constituição brasileira, destaca que na época ocorreram pressões de diversos grupos para que vários artigos fossem aprovados. O embate maior foi entre empresários e sindicalistas, que defendiam uma legislação que atendesse os interesses dos setores que representavam. “A Constituição foi aprovada pelas circunstâncias do momento, e a votação, assim como os artigos escolhidos para integrar o texto ocorreram dentro do possível. Trinta anos depois já podemos notar imperfeições no que foi feito. Para a época foi o grande avanço”, afirma o deputado. A opinião do parlamentar é parecida com a do ex-deputado Benito Gama (PTB), que considera o texto importante para o momento político brasileiro. Mas atualmente precisa de atualizações. “Na época foi um processo que sofreu lobby de diversos setores, como de estados do Nordeste, sindicalistas, indígenas, empresários. Era pra ter feito uma revisão em 1993. Mas, por conta de toda a crise do governo do ex-presidente Fernando Collor, que sofreu o impeachment, essa atualização foi feita de forma bem modesta”, afirma.

Heráclito destaca, no entanto, que as leis constitucionais foram fundamentais para manter a estabilidade no país, tanto no passado como no presente. “A tranquilidade que temos nesses 30 anos se deve à Carta Magna. Teve o impeachment de um presidente e o mundo não acabou. Em um país como o nosso, com diversos estados, é importante ter um texto abrangente que vem sendo atualizado”, completa o parlamentar.