Título: Caçada a Kony
Autor: Vicentin, Carolina
Fonte: Correio Braziliense, 18/03/2012, Mundo, p. 22

Captura de guerrilheiro esbarra na falta de empenho dos EUA e de dados sobre o Exército de Resistência do Senhor

As ameaças iranianas, a caótica situação na Síria e a instabilidade no Afeganistão não são as únicas preocupações que rondam a mente de Barack Obama. A pouco menos de um ano para a eleição, o presidente dos Estados Unidos decidiu enviar, em dezembro passado, 100 conselheiros militares para a África Central, uma das regiões mais conflituosas do planeta. O motivo é nobre: ajudar o Exército de Uganda a encontrar Joseph Kony, o líder do Exército de Resistência do Senhor (LRA, pela sigla em inglês), uma milícia que já matou milhares de pessoas e sequestrou outras tantas, principalmente, crianças. Há três semanas, um oficial norte-americano disse que a missão da tropa estava sendo bem-sucedida. A falta de informações claras sobre a operação e a habilidade do LRA em enganar seus inimigos, no entanto, fazem com que analistas sejam cautelosos quanto ao anúncio. Eles também temem que a falta de um real comprometimento dos EUA com a região prejudique a já castigada população local.

O LRA é um grupo rebelde que surgiu em 1987, em Uganda, país que experimentou uma sucessão de ditaduras nas últimas cinco décadas. Com forte inspiração religiosa, a guerrilha se espalhou para as nações vizinhas — Congo, República Centro-Africana e Sudão do Sul —, invadindo vilas, estuprando e mutilando pessoas. Somente nos últimos três anos, foram mais de 2 mil sequestros e 1.012 mortes de civis. Kony, seu líder, se considera um messias. "Não são muitos combatentes, cerca de 200 ou 300, mas eles são capazes de causar um estrago imenso. A milícia atua em uma região do tamanho do estado da Califórnia", compara Ashley Benner, analista política do Enough Project, uma organização que denuncia crimes contra a humanidade. Há seis anos, houve uma tentativa de negociação com o LRA, mas Kony se negou a assinar o acordo de paz.

Depois disso, Uganda decidiu lançar uma ofensiva militar contra o grupo, com o apoio dos EUA. Batizada de Operation Lightning Thunder, ela pretendia bombardear o esconderijo de Kony, no Congo. O comandante do LRA soube da missão e fugiu com seus aliados mais próximos. "A operação Thunder falhou porque não havia cooperação entre os exércitos dos países envolvidos. Pior, com o fim da ofensiva, o LRA passou a atacar brutalmente centenas de civis", lembra Ashley. A falta de acordo entre as nações afetadas continua até hoje. Há, inclusive, uma tensão entre os exércitos nacionais. O Sudão do Sul, por exemplo, tem uma série de outros problemas com milícias e não considera que o LRA mereça tanta atenção. Na sexta-feira, Uganda anunciou uma nova força para caçar Kony, formada por 5 mil homens, de quatro países.

Outro problema são as condições climáticas na África Central. Ledio Cakaj, um analista independente, afirma que o presidente Barack Obama precisa aproveitar o verão no continente, antes que as chuvas prejudiquem ainda mais a missão. Em entrevista ao Correio, por e-mail, ele disse duvidar que as tropas especiais norte-americanas estejam reduzindo as atividades do LRA. "Não há nenhuma evidência de que eles estejam sendo bem-sucedidos. Houve uma série de ataques no Congo nas últimas semanas", aponta. "É muito bom que os EUA estejam dando atenção a um conflito negligenciado por anos. Mas é preciso uma estratégia maior, que não se concentre apenas na parceria com o Exército ugandês", argumenta. Silêncio

Os observadores internacionais também criticam a falta de informações sobre a missão norte-americana. No fim do mês passado, um alto oficial concedeu uma entrevista coletiva a jornalistas locais, na qual anunciou que os conselheiros militares estavam nos quatro países afetados pela milícia. "Nós já observamos uma queda na letalidade das ações do LRA e pensamos que isso pode ser atribuído, em parte, à pressão que nós e nossos parceiros estamos aplicando", resumiu o contra-almirante Brian Losey. "Nós estamos em contato com pessoas do Departamento de Estado e estamos monitorando as notícias sobre isso. Infelizmente, há pouca informação. Não está claro como essa operação vai ser diferente (da Thunder, de 2008)", diz Ashley Benner.

O Enough Project e outras ONGs reconhecem que tem havido uma diminuição nas atividades do grupo. Sem detalhes sobre a missão norte-americana, contudo, não é possível afirmar se isso se deve à presença dos conselheiros militares. Para Ashley, é possível que o LRA esteja adotando um ritmo mais lento para despistar a tropa estrangeira. "A milícia tem sido, persistentemente, subestimada. Ela é formada de combatentes capazes de sobreviver a situações desafiadoras", endossa Ledio Cakaj. "O grupo também tem tirado vantagem da ausência do poder público e da falta de condições dos países para controlar seus territórios", completa.