O globo, n.30736 , 01/10/2017. ECONOMIA, p.33

Parlamentares reagem a Refis para corruptos

MARTHA BECK

CRISTIANE JUNGBLUT

 

 

Relator da medida no Senado diz que não aceitará alteração feita por deputados

A decisão da Câmara dos Deputados de incluir no novo Refis a renegociação de dívidas decorrentes de crimes de corrupção, conforme O GLOBO revelou ontem, provocou reação no Congresso. O relator da medida provisória (MP) do Refis no Senado, senador Ataídes Oliveira (PSDBTO), afirmou que não vai aceitar o texto aprovado pelos deputados. Segundo ele, caso a Câmara não retire esse tipo de débito do programa, o Senado o fará.

— O texto da MP foi modificado no artigo 1º, incluindo a possibilidade de renegociação de dívidas com a Procuradoria-Geral da União (o que inclui valores a serem pagos por pessoas que fecharam acordo depois de serem flagradas em esquemas de desvio de dinheiro público), mas eu não vou compactuar com essa malandragem. Eu posso derrubar essa medida e farei isso. O texto vai ser devolvido à Câmara.

A MP do Refis perde a validade no dia 11 de outubro. O texto-base já foi aprovado pela Câmara, mas ainda é preciso votar 18 destaques. Isso deve ocorrer na terça-feira. Depois, a proposta segue para o Senado. Perguntado sobre a possibilidade de a MP acabar perdendo a validade antes de ser totalmente votada no Congresso, Oliveira afirmou:

— É preferível que a MP caia então.

O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEMRJ), disse que culpar a Câmara pelo texto aprovado sobre o Refis é “oportunismo”. Maia argumentou que o texto foi discutido na comissão mista, formada por deputados e senadores:

— Culpar a Câmara é oportunismo. O senador não pode responsabilizar a Câmara. A responsabilidade é da comissão, que tem deputados e senadores. Se o texto não passa na comissão, o assunto estaria resolvido.

O líder da minoria na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), afirmou que as alterações na MP feitas pelo relator na casa, deputado Newton Cardoso Jr. (PMDB-MG), servem apenas para beneficiar grandes devedores e são uma forma de o governo tentar conseguir apoio para barrar a segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o presidente Michel Temer.

— Essa e outras mudanças foram feitas para segurar a denúncia da PGR. Se ela passar assim, o Temer que vete tudo. Essa é a MP do transatlântico, é maior do que o oceano — disse Guimarães.

O líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB), disse que as mudanças feitas por Cardoso na MP fogem ao objetivo original do Refis e não serão aceitas nem pela sociedade e nem pelo Congresso:

— Esse é o entendimento do DEM, e os demais partidos deveriam ter a mesma posição. Há total incompatibilidade do texto com o propósito original da MP.

Líderes e integrantes do governo afirmam que as alterações de Cardoso — ele próprio interessado nas benesses do Refis para incluir dívidas de empresas de sua família — servem como incentivo ao não pagamento de dívidas tributárias e não tributárias. Além de beneficiar corruptos, a MP ampliou descontos em juros e multas dos débitos renegociados e permitiu uma ampla utilização de prejuízos fiscais para abatimento dos valores. A previsão de arrecadação para este ano, que era de R$ 8,8 bilhões, passou para R$ 3,8 bilhões depois que o texto-base recebeu o aval da Câmara.

— O relator retirou da medida provisória o artigo que vedava essa possibilidade (de parcelamento de dívidas de corrupção). Diante de tantas mudanças, seria melhor que a MP perdesse a validade — disse um integrante da área econômica, lembrando que o Ministério da Fazenda tem tentado, sem sucesso, barrar as ações do relator.

 

VICE-LÍDER: ‘TAPAR O NARIZ’

Esse técnico admite que parte do próprio governo deixou Cardoso ir adiante nas modificações para não desagradar o Congresso. O vice-líder do governo na Câmara, Beto Mansur (PRB-SP), afirmou que o Refis trata de um escopo grande de dívidas e, portanto, fica difícil separar o que pode ou não ser incluído no programa. Segundo o deputado, a equipe econômica está torcendo para que a MP caia, mas isso deixaria o Palácio do Planalto numa situação ruim em relação ao Legislativo.

— Para fazer um Refis, às vezes o governo tem que simplesmente tapar o nariz e ir adiante — afirmou Mansur.