O Estado de São Paulo, n. 45236, 22/11/2017. Economia, p. B4.​

 

Servidor ganha 67% mais que o mercado

​Adriana Fernandes / Lu Aiko Otta

22/11/2017

 

 

PLANO DE CORTES / Banco Mundial recomenda o congelamento dos salários do funcionalismo federal

 

 

O Brasil é recordista em generosidade com servidores públicos federais, aponta o relatório “Um ajuste justo – propostas para aumentar eficiência e equidade do gasto público no Brasil”, divulgado ontem pelo Banco Mundial. Esse grupo ganha, em média, 67% mais do que trabalhadores de perfil semelhante na iniciativa privada. Trata-se da maior diferença, ou “prêmio salarial”, entre os 53 países pesquisados. O padrão mundial é de 16%.

Para aproximar os salários do setor público ao rendimento da iniciativa privada, o Banco Mundial recomenda o congelamento dos salários. Para o banco, se o prêmio dos salários federais fosse reduzido à metade, a economia seria de 0,9% do Produto Interno Bruto (PIB).

A proposta é polêmica e já provocou reação. “Essa é uma medida impossível, porque significa a destruição completa do serviço público, que já não é bom”, afirmou o secretário-geral do Sindicato dos Servidores Públicos Federais, Oton Neves.

Apesar disso, avaliou, o risco de congelamento já existe, em função da regra do teto para o crescimento dos gastos públicos e do adiamento de reajustes proposto pelo governo. Neves explicou que algumas carreiras recebem uma boa remuneração, mas essa não é a realidade da maioria do funcionalismo.

“A despesa de pessoal ainda traz grandes distorções, com a remuneração extremamente acima do mercado privado”, reconheceu o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira.

Os servidores estaduais também têm salários mais altos. A diferença é de 31% em relação aos trabalhadores da iniciativa privada – patamar muito alto comparado a países semelhantes da região e ao nível da renda per capita. O banco fez simulações que apontam que o congelamento dos salários do funcionalismo público reduziria o prêmio salarial de 67% para 36% até 2021; e para 16% até 2024.

 

Desigualdade. “Esse grande prêmio salarial perpetua a desigualdade, porque beneficia as pessoas mais ricas”, diz o economista-chefe do Banco Mundial no Brasil, Antonio Nucifora. Como os salários dos servidores são financiados pela tributação, os altos salários acabam constituindo uma forma de redistribuição de renda dos mais pobres e da classe média aos mais ricos, aponta o relatório.

O alinhamento dos salários iniciais aos pagos pelo setor privado e a introdução de um sistema mais meritocrático de aumentos salariais reduziriam os custos e aumentariam a produtividade no setor público.

De acordo com o relatório, o setor público paga, em média, salários aproximadamente 70% superiores (R$ 44 mil por ano) aos pagos pelo setor privado formal (R$ 26 mil por ano), e quase três vezes mais do que recebem os trabalhadores informais (R$ 16 mil por ano).

O Banco Mundial constatou ainda que a massa salarial também é elevada em relação a outros países. Ela subiu de 11,6% do PIB em 2006 para 13,1% do PIB em 2015, superando até Portugal e França, que registravam massas salariais mais altas que o Brasil há uma década.

 

Economia

0,9%

do Produto Interno Bruto (PIB) seria a economia se os premio dos salários federais fosse reduzido à metade, segundo cálculos do relatório do Banco Mundial

 

Propostas de ajuste

Sugestões de medidas que reduziriam gastos em 8,36% do PIB

 

 

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Estudo é importante para apontar problemas

Márcia de Chiara / Douglas Gavras / Adriana Fernandes

22/11/2017

 

 

Para economistas, no entanto, relatório ignora a dificuldade política de tornar o conjunto de propostas realidade

 

 

O diagnóstico do Banco Mundial para as contas públicas brasileiras reforça, na visão de economistas, um problema que já está escancarado: o País gasta além do que poderia e de forma ineficiente. Embora concordem com o resultado geral do estudo, divergem sobre as medidas apontadas como solução.

“O trabalho sistematiza toda a literatura que mostra que o Brasil é um País emergente que gasta muito e gasta mal”, diz Marcos Lisboa, presidente do Insper. “Para a qualidade do que é oferecido, gastamos em demasia. Deveríamos ter serviços muito melhores”, afirma. O Insper vai debater o documento com os representantes do Banco Mundial.

O ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luiz Carlos Mendonça de Barros, diz que esse tipo de estudo é importante por apontar onde estão os graves problemas e ser uma fonte de consulta. Mas o economista frisa que isso não pode ser considerado uma agenda para o governo.

“Esses órgãos, como o Banco Mundial, têm técnicos muito competentes que fazem uma análise olhando as contas. Só que eles não têm a menor responsabilidade com a possibilidade política de se fazer tudo isso”, afirma. “O grande problema quando se está no governo é ter de lidar com a realidade política e social.” Ele questiona, por exemplo, o aspecto jurídico de se mexer no salário do servidor público que tem direito adquirido.

Para a economista Ana Carla Abrão, sócia da Consultoria Oliver Wyman, o relatório fala “todas as verdades” que a população e o Congresso precisam ouvir. “Os números estão lá. Vamos continuar fechando os olhos para uma política de avestruz ou vamos enfrentar o problema?”, disse. Segundo ela, o que chamou atenção no relatório é o desperdício de recursos em Educação. “Quando se vê o número de forma tão objetiva é indefensável”, afirma a ex-secretária de Fazenda de Goiás.

Já o economista da Universidade de Brasília (UnB) José Luis Oreiro diz que as medidas sugeridas pelo Banco Mundial não são viáveis. “Esse pessoal aproveita a desgraça que foi o governo anterior para atender aos países ricos”, afirma. Para ele, proposições como a cobrança de mensalidade de universidades públicas, mesmo com subsídio

para alunos carentes, não é um bom caminho para melhorar as contas das instituições. “Há um problema de receita, mas não é assim que se resolve.”

 

PONTOS DE VISTA

“É uma análise feita olhando as contas. O grande problema quando se está no governo é ter de lidar com a realidade política e social.”

Luiz Carlos M. de Barros

EX-PRESIDENTE DO BNDES

 

“O trabalho mostra que o Brasil é um País emergente que gasta muito e gasta mal. (...) Com frequência acaba beneficiando os mais ricos.”

Marcos Lisboa

PRESIDENTE DO INSPER

 

“Não é viável nem cogitar essas medidas. Aproveitam a desgraça que foi o governo anterior para atender aos países ricos.”

José Luis Oreiro

ECONOMISTA DA UNB

 

PARA LEMBRAR

A análise do Banco Mundial foi encomendada em 2015, pelo então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, durante o governo de Dilma Rousseff. Na época, o governo já discutia a adoção de um teto para o crescimento do gasto público, diante de um cenário fiscal que piorava rapidamente e cuja trajetória apontava para um agravamento. O objetivo era encontrar formas de cortar gastos sem prejudicar as parcelas mais pobres da população. O propósito dos especialistas foi colocar um diagnóstico à disposição do governo, como base para a elaboração de medidas. Eles reconhecem que algumas das sugestões apresentadas são politicamente impossíveis de adotar no curto prazo.