O Estado de São Paulo, n. 45330, 26/11/2017. Política, p.A8

 

 

 

 

Bolsonaro suaviza discurso militar e exalta democracia

A avaliação no staff do deputado federal é de que ele precisa se distanciar do gueto radical de quem ainda prega intervenção militar

Por: Gilberto Amendola

 

Gilberto Amendola

 

Com as pesquisas eleitorais que mostram o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) possivelmente figurando em um eventual segundo turno, começa a sair de cena, discretamente, o homem que afirmou um dia ser a “ditadura militar uma época maravilhosa” e que já se declarou “favorável à tortura”. Agora, para ampliar o seu eleitorado, Bolsonaro tenta se aproximar do centro, enviando sinais de que “sempre foi um defensor da Constituição e da democracia”.

A avaliação de que ele precisaria ser mais palatável para um maior número de eleitores nasceu de dentro do seu staff. A convicção é de que o pré-candidato terá dificuldade em manter os bons índices de intenção de voto quando a “eleição começar pra valer” se não suavizar o discurso para sair do gueto radical de quem ainda prega intervenção militar ou golpe de Estado.

Para o analista político Ibsen Costa Manso, da ICM Consultoria, o “Brasil tem uma pequena margem de eleitores que são de esquerda ou de direita”. “O voto não é ideológico. Não se ganha eleição apenas com esses nichos. Ele é um voto muito mais personalista do que ideológico. Bolsonaro deve ter entendido que precisa de um discurso para ampliar seu eleitorado de classe média, mas sem perder sua personalidade”, disse. “Em um eventual segundo turno com Lula, ele vai precisar capitalizar o voto útil de forças mais moderadas”, completou.

O movimento é delicado porque o presidenciável não pode perder a narrativa que construiu ao longo de sua carreira de quase 30 anos e oito mandatos (um de vereador e sete de deputado federal) e ainda precisa contar com o “barulho” dos grupos mais radicais que atuam nas redes sociais.

O ajuste no discurso pode ser lido nos três “comunicados ao povo brasileiro” que o deputado divulgou recentemente por meio de suas redes sociais. No primeiro, do dia 8, lia-se que “evidentemente que nenhum dos membros de nossa equipe defende ideias heterodoxas ou apreço por regimes totalitários”. “Assim, afirmamos que, absolutamente, todas as propostas serão pautadas pelo respeito aos contratos, respeito às leis e pelo TOTAL respeito à Constituição Brasileira”, concluía o texto. Os outros dois comunicados, publicados nos dias 13 e 21, repetiam a ideia de “respeito à Constituição”.

As cartas estão sendo redigidas por um grupo de economistas e professores que estão dando suporte e emprestando verniz teórico para o candidato.

O grupo foi recrutado por um homem de confiança de Bolsonaro, o advogado e professor de economia política Bernardo Santoro (levado ao posto de secretário-geral do PEN/Patriota pelo próprio Bolsonaro). Ele também já foi presidente do Instituto Liberal e coordenador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica. Outros nomes desse grupo são os professores de Economia e Finanças da Unifesp, os irmãos Arthur e Abraham Bragança de Vasconcellos Weintraub, que são os responsáveis pelo texto final dos comunicados, e o economista e pesquisador do Ipea Adolfo Sachsida.

Além da formulação de projetos, o time do Bolsonaro quer evitar que o carimbo de “ignorante em termos econômicos” cole no presidenciável.

 

Ministério. Outro resultado da atuação do grupo de professores é o tópico “Ministério militar”. Em março, o deputado declarou que, caso eleito, 50% do seu Ministério seria composto por militares. Em entrevistas mais recentes, porém, o deputado disse que haverá militares no seu gabinete, mas sem especificar a quantidade.

A fórmula para não perder o apoio dos radicais está nas palavras do presidente do PEN/Patriota, Adilson Barroso. “Quando as pessoas pedem pela volta da ditadura, o que eles estão dizendo é que querem mais segurança, querem uma postura mais dura contra a bandidagem e o fim da corrupção”, afirmou.

 

Segurança pública

O discurso pró-democracia de Jair Bolsonaro não vai excluir temas envolvendo segurança pública e de ordem moral, que continuarão sendo abordados, segundo aliados do deputado federal.

 

 

 

 

 

Como vereador, projeto de transporte gratuito para tropas

Por: Roberta Jansen

 

Roberta Jansen

 

A figura do deputado histriônico e politicamente incorreto, sempre pronto a defender a ditadura militar e posições conservadoras foi sendo criada por Jair Bolsonaro ao longo de sua vida pública e de muitos mandatos parlamentares. O discurso foi azeitado ao longo dos últimos 30 anos.

Bolsonaro surgiu como figura pública no fim dos anos 1980, militando contra os baixos soldos pagos à corporação. A postura rendeu-lhe alguns dias de prisão no Exército e abriu caminho para sua entrada na política. Na reserva, foi eleito vereador do Rio em 1988, pelo Partido Democrata Cristão (PDC).

Foram apenas dois anos na Câmara Municipal; no fim de 1990 ele se elegeu pela primeira vez deputado federal.

A passagem pelo Legislativo foi discreta. Um levantamento feito junto aos arquivos da Câmara revela um vereador conservador, pronto a defender os militares, mas pouco participativo nas plenárias, geralmente calado.

Naquela época, a figura mais controversa da câmara era Wilson Leite Passos (1926-2016). Era um político de extrema-direita, autor do pedido de impeachment de Getúlio Vargas, em 1954, partidário do golpe militar de 1964 e criador do Serviço Municipal da Eugenia, que funcionou de 1956 a 1975.

Passos, que era do PDS, protagonizou uma das maiores polêmicas daqueles dois anos, quando debateu em plenário que quantidade de “cenas de sexo” definiria um filme como pornográfico.

 

Transporte. Ao longo dos dois anos em que foi vereador, Jair Bolsonaro apresentou apenas sete projetos de lei, todos eles em 1989. Entre os projetos, destacam-se um que autorizava o transporte gratuito de militares em ônibus urbanos e outro que regulava o acompanhamento de doentes terminais e idosos por familiares na rede municipal hospitalar.

O vereador fez pouquíssimos discursos em plenário. Num deles, reclamou de uma nota publicada pelo jornal O Dia, que o acusava de registrar o discurso de colegas vereadores com ataques às Forças Armadas para mandar para os militares.

Bolsonaro negou a acusação, lembrando que as autoridades tinham acesso livre aos pronunciamentos da Câmara, sempre registrados no Diário Oficial da cidade. “E, logicamente, eu não me prestaria a um serviço banal de recortar jornais para entregar aos superiores”, afirmou na época.

Entre as poucas moções e indicações propostas pelo vereador, estão coisas simples: o conserto do asfalto de uma rua, a regularização de uma determinada linha de ônibus, a recuperação do calçamento de uma avenida e a instalação de um sinal de trânsito.

Se 1989 foi um ano tranquilo para Jair Bolsonaro na Câmara, o seguinte foi mais calmo ainda. Voltado já para a eleição para deputado federal, sua participação como vereador foi mínima. Não apresentou nenhum novo projeto de lei.

Atualmente, Jair Bolsonaro cumpre o seu sétimo mandato na Câmara dos Deputados. Nas eleições de 2014, foi o deputado federal mais bem votado no Estado do Rio, com o apoio de 6% do eleitorado (cerca de 464 mil votos).

 

Recortes

“E, logicamente, eu não me prestaria a um serviço banal de recortar jornais para entregar aos meus superiores.”

Jair Bolsonaro

DEPUTADO FEDERAL (EM DISCURSO DE 1989 NA CÂMARA DOS VEREADORES)