O Estado de São Paulo, n.45325, 21/11/2017. Política, p.A6

 

 

 

 

 

Diretor da PF diz que 'uma única mala' não é prova

Ao assumir corporação, Segovia critica denúncia de Janot contra Temer e afirma que combate à corrupção será ‘agenda prioritária’

Por: Fabio Serapião/ Beatriz Bulla / Carla Araújo / Rafael Moraes Moura

 

BRASÍLIA

 

O novo diretor-geral da Polícia Federal, Fernando Segovia, afirmou ontem que “uma única mala talvez não desse toda a materialidade criminosa” contra o presidente Michel Temer em referência à denúncia por corrupção passiva apresentada pelo ex-procurador-geral Rodrigo Janot. Em entrevista logo após a cerimônia de sua posse no Ministério da Justiça, ele comentou o episódio em que o ex-deputado e ex-assessor do presidente Rodrigo Rocha Loures (PMDBPR) é filmado com uma mala com dinheiro entregue por um executivo do Grupo J&F.

“É um ponto de interrogação (se a mala de dinheiro era para Temer), que fica hoje no imaginário popular brasileiro e que poderia ser respondido se a investigação tivesse mais tempo”, afirmou Segovia. O diretor-geral cobrou mais “transparência” da Procuradoria-Geral da República (PGR), hoje sob o comando de Raquel Dodge, na condução de investigação contra o presidente Temer.

Procurado pelo Estado, Janot rebateu as declarações de Segovia e disse que o diretor-geral “está fazendo o que foi contratado para fazer” (mais informações nesta página). Questionada sobre a declaração de Janot, a assessoria de imprensa da PF informou não ter “interesse em alimentar essa fogueira armada”. Raquel, que não compareceu à posse, não comentou.

Quando Temer escolheu Segovia para o cargo, seu nome foi apontado como uma indicação de políticos do PMDB, entre eles o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, e o ex-presidente José Sarney (PMDB-AP). A transmissão de cargo para Segovia teve a presença de Temer, que não discursou. Participaram também o ex-diretor-geral Leandro Daiello, o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli e o ministro da Justiça, Torquato Jardim.

Segovia se disse lisonjeado com a participação de Temer na cerimônia e informou que pela primeira vez na história um presidente teria ido à posse de um diretor-geral da PF.

Em seu discurso, Segovia afirmou que o “combate à corrupção” será uma “agenda prioritária da PF”. Sobre os atritos com o Ministério Público Federal (MPF), Segovia defendeu uma relação harmoniosa entre a instituição e a corporação para combater crimes. “Acredito que agora, neste novo momento tanto da PGR como da PF, a gente vai tentar construir, neste momento de mais maturidade, vai conseguir trabalhar mais em conjunto e que investigações sejam coordenadas”, afirmou.

 

Críticas. Nas declarações sobre a condução das apurações contra Temer pela PGR na gestão de Janot, Segovia afirmou que, “se fosse sob a égide da Polícia Federal, essa investigação (sobre corrupção passiva) teria de durar mais tempo”.

A posição de Segovia, no entanto, vai de encontro às próprias afirmações da PF em relatório final do inquérito que investigou Temer. Embora tenha exposto as “limitações decorrentes do prazo conferido à investigação”, o delegado Thiago Delabary, responsável pela condução do caso, concluiu pela prática de corrupção por Temer “em face de, valendo-se da interposição de Rocha Loures, ter aceitado promessa de vantagem indevida”.

“Quem pôs esse deadline, que finalizou a investigação, foi a Procuradoria-Geral da República. Talvez ela seja a melhor a explicar por que foi feito aquilo naquele momento e por que o senhor Joesley (Batista) sabia o que ia acontecer para que ele conseguisse ganhar milhões no mercado de capitais”, disse Segovia. A PF realizou, em parceria com a PGR, as ações controladas que flagraram o recebimento de uma mala com R$ 500 mil por Rocha Loures, em São Paulo.

Questionado sobre a investigação sobre Temer no caso do Decreto dos Portos, que supostamente concedeu benefícios a uma empresa que atua no Porto de Santos, Segovia afirmou que Temer “continuará a ser investigado com a celeridade de todos os outros inquéritos”. / FABIO SERAPIÃO, BEATRIZ BULLA, CARLA ARAÚJO e RAFAEL MORAES MOURA

 

Calado. Temer foi à posse de Segovia, mas não discursou

 

Evento. Presidente Temer e senador Eunício Oliveira vão à posse de Segovia à frente da PF

 

 

 

 

 

 

Para Janot, Segovia cumpre o que foi ‘contratado’

O ex-procurador-geral Rodrigo Janot reagiu às críticas do novo diretor-geral da Polícia Federal, Fernando Segovia, à sua gestão, feitas logo após sua cerimônia de posse, em Brasília. “Ele está fazendo o que foi contratado para fazer”, afirmou o ex-chefe do Ministério Público Federal (MPF).

Ao Estado, Janot disse que a PF “nunca pontuou” a necessidade de mais tempo ou diligências. O ex-procurador-geral destacou que as operações foram realizadas em parceria com a corporação. “As interceptações e ações controladas da primeira denúncia foram feitas por quem? DPF (Departamento de Polícia Federal)”, disse. “E aconselho a ele a leitura do relatório do DPF que instruiu a segunda denúncia. O delegado responsável pela investigação tem opinião diversa.”

 

 

 

 

Miller rebate ex-PGR e afirma que não agiu por ‘ganância’

Ex-procurador é acusado de orientar executivos da J&F no acordo de leniência enquanto ainda atuava no MPF

 

BRASÍLIA

 

Na mira da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da JBS, o ex-procurador da República Marcello Miller disse ao Estado que “não recebeu remuneração da J&F por nenhuma atividade” relativa à empresa e que não agiu por ganância.

A manifestação é uma reação à entrevista do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot ao Estado, na qual ele disse que Miller “já não estava mais na equipe quando fez as besteiras que fez” e que avalia que o ex-colega agiu “por uma ganância”.

“Nada fiz por ganância: nem ir para a advocacia privada, nem preparar seu exercício em favor da J&F, depois de pedir exoneração do MPF”, rebateu Miller. Para ele, Janot poderia “se lembrar” que ele é um cidadão e que “tem direitos”.

“Suposições vazias e adjetivações sem substância não contribuem para uma discussão sóbria”, disse Miller. “Trata-se de questões relevantes para a vida de um cidadão que – abstraída sua condição de ex-membro do MPF, muito tendo dado de si à instituição – tem direitos. Quem exerceu por quatro anos o cargo de procurador-geral da República poderia lembrar-se disso”, afirmou.

Segundo Miller é, “no mínimo, escassez de análise” o fato de Janot ter “reduzido à ‘ganância’ o desejo de participar do que seria um dos maiores projetos de remediação de empresas jamais empreendidos”. O Grupo J&F firmou o maior acordo de leniência do mundo, em valores absolutos. Miller disse que o dinheiro que recebeu na advocacia privada foi “estritamente” previsto em contrato, “sem nenhum acréscimo em razão de cliente algum”. O ex-procurador está no centro da crise que atingiu a Procuradoria-Geral da República, suspeito de atuar nos dois lados do balcão e orientar a J&F quando ainda era do MPF. Esta é a primeira resposta direta de Miller a uma menção a seu nome. Desde que o imbróglio envolvendo a delação da J&F veio à tona, ele se manifestou em um artigo e por meio de seus advogados. / B.B

 

 

 

 

Supremo barra ida de ex-chefe de gabinete à CPI

 

O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu ontem a convocação do procurador regional da República Eduardo Pelella para prestar depoimento à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da JBS. Pelella foi chefe de gabinete e braço direito do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, que deixou o cargo em setembro.

A decisão atende ao mandado de segurança ajuizado na sextafeira passada pela procuradorageral da República, Raquel Dodge, para suspender a convocação de Pelella. O depoimento estava marcado para amanhã.

Para a Raquel, ao convocar Pellela, a CPI Mista extrapolou os limites de sua atuação, “infringindo as balizas que o princípio da separação de Poderes lhe delineia e atingindo garantias constitucionais do Ministério Público”, escreveu Raquel.

“De fato, não cabe à Comissão Parlamentar de Inquérito dedicar-se a investigar eventuais condutas censuráveis de membros do Ministério Público, muito menos sindicar eventual cometimento de crime por eles”, afirmou.

Toffoli também determinou que o presidente da CPI Mista, senador Ataí des Oliveira (PSDB-TO), preste esclarecimentos sobre a convocação no prazo máximo de dez dias. O senador não foi localizado ontem.