Correio braziliense, n. 19953, 09/01/2018. Brasil, p. 5

 

Reflexo da falta de segurança na cadeia

Renato Souza

09/01/2018

 

 

VIOLÊNCIA » A presidente do Supremo desiste de visitar o Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia por causa do clima de tensão existente no local. OAB, Defensoria Pública e Tribunal de Justiça firmam parceria para acelerar processo de quem aguarda julgamento

Os graves problemas de segurança no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia (GO) levaram a ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), a desistir de visitar a unidade. Ela se reuniu ontem com o governador Marconi Perillo e outras autoridades goianas durante quatro horas na sede do Tribunal Estadual de Justiça de Goiás (TJGO). Alertada por interlocutores de que haviam armas e até granadas dentro do centro de reclusão, Cármen Lúcia decidiu pedir uma nova inspeção em todas as alas do presídio e retornou para o Distrito Federal.

A previsão inicial era de que a presidente do STF, acompanhada de diversas autoridades, fosse avaliar as condições da estrutura física e alocação dos detentos no complexo às 14h. No entanto, pouco antes do horário, ela saiu sem falar com a imprensa e retornou a Brasília. Três rebeliões ocorreram na unidade prisional na semana passada, em um intervalo de quatro dias. Marconi Perillo tentou minimizar os problemas e disse que não existe risco dentro da unidade. “Se ela quiser ir lá agora, ela terá absoluta segurança para fazer a visita. Eu diria que a situação do sistema penitenciário de Goiás hoje é muito melhor que de muitos estados”, afirmou o governador, negando que a presidente da Suprema Corte tivesse a intenção de ir até o local.

Na terceira rebelião, que ocorreu no dia 4, os detentos usaram uma granada para explodir o teto da ala C da Colônia Agroindustrial do Regime Semiaberto. Após isso, tiros foram disparados para afastar as equipes policiais. Essa ala, onde morreram nove presos e 200 fugiram no primeiro dia do ano, está temporariamente desativada. Os detentos que estavam cumprindo pena foram liberados da obrigatoriedade de regressar às celas no período da noite e podem cumprir prisão domiciliar.

O presidente do TJGO, Gilberto Marques Filho, afirmou que desaconselhou a ministra a comparecer à unidade de internação. A conversa entre os dois ocorreu horas antes de ela decidir retornar a Brasília. “Eu, como presidente do Tribunal de Justiça, não quero expor a presidente do STF a qualquer risco, por menor que seja. A unidade não está segura. Eu fui lá há alguns dias para realizar uma inspeção. Mas fui com a consciência de que estava correndo riscos”, destacou.

Medidas

Durante o encontro foi firmada uma parceria entre a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Defensoria Pública de Goiás e o Tribunal de Justiça para acelerar o processo dos detentos que ainda não foram julgados. Atualmente, mais de 700 presos do centro de detenção estão com processos pendentes na Justiça. O objetivo da ação é reduzir o número de presos por cela, tendo em vista que a superlotação é um dos problemas mais graves dentro das penitenciárias.

Um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) aponta superlotação em  presídios de 18 estados. O complexo de Aparecida de Goiânia comporta 2 mil detentos. No entanto, na última vistoria da Justiça, realizada na semana passada, havia 5,2 mil internos. O defensor público Helvio Lopes Pereira Júnior afirmou que o acordo é para permitir um mutirão de análise dos casos. “Ficou decidido que em 30 dias vamos acelerar os pedidos de julgamento que estão na Justiça Penal. O Ministério Público também vai participar desse processo. Essa medida não resolve o problema de forma definitiva. Fazemos isso para solucionar uma questão emergencial.”

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai organizar o cadastro de presos, com nome, data da prisão e tipo de crime de cada interno. Esta medida ocorre para identificar qual é a situação de cada um. O governo de Goiás anunciou ainda a inauguração de novos presídios nos próximos meses. De acordo com comunicado oficial, a primeira unidade a ser inaugurada será em Formosa (GO). O segundo presídio deve ser ativado em Anápolis no mês que vem. Até agosto, o governo promete entregar centros de detenção no Novo Gama, em Águas Lindas e em Planaltina de Goiás até o mês de novembro.

Depoimento

Semiaberto é o semi-inferno

“Eu estava aqui no dia da rebelião. Foi muito complicado e uma cena difícil de esquecer. O problema de tudo é que nós trabalhamos sem recurso algum. Tem dia que chegamos aqui e tem uma bala pra usar em caso de emergência. As armas estão velhas. Chamamos o semiaberto de semi-inferno. O que ocorre aqui não é algo de ser humano. Mas no regime fechado é ainda pior, pois tem mais detentos e eles não têm mais nada a perder. É muito arriscado trabalhar aqui. Fora isso, tem o salário ridículo que recebemos. Não dá pra sustentar a família direito e ainda temos que tirar dinheiro pra comprar munição. Cada bala custa R$ 5. Imagina uma situação que teremos que atirar para se proteger, vai faltar munição”

Agente que pede para não ser identificado