Valor econômico, v. 18, n. 4386, 23/11/2017. Brasil, p. A2.
Longevidade aumenta e amplia casos de aposentadoria maior que tempo na ativa
Ana Conceição
23/11/2017
Por causa do aumento da expectativa de sobrevida do brasileiro, uma parcela da população pode receber aposentadoria por mais tempo do que pagou para a Previdência Social. Essa situação pode acontecer na modalidade por tempo de contribuição, que não exige idade mínima para o benefício desde que comprovados 30 anos (mulheres) ou 35 (homens) de trabalho. A conclusão é de Rogério Nagamine Costanzi, economista da USP e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), especialista em sistemas de seguridade social.
Este cenário, que ajuda a ampliar o déficit do sistema, tende a perdurar ainda por um tempo mesmo que seja aprovada a proposta do governo, que deve ser mantida no novo texto que está sendo costurado, de um período de transição de 20 anos para a idade mínima de 62 para mulheres e 65 para homens. No entanto, sem nenhuma reforma a situação a situação tenderia a se agravar cada vez mais, com a longevidade avançando.
Ontem, ao sair de reunião com o presidente Michel Temer, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou que nos primeiros dois anos pós-reforma, a idade mínima seria de 52/55 anos. "Vai subindo devagar e só em 20 anos chega a 65", disse.
Segundo Costanzi, a característica regressiva da Previdência brasileira, além de ampliar o déficit do sistema, destina parte importante da renda da aposentadoria para pessoas que ainda não são idosas. O estudo considera precoce a aposentadoria de mulheres de 46 a 54 anos, e homens de 50 a 59. Mulheres que se aposentam entre 48 e 52 anos, considerando a tábua de mortalidade de 2015 do IBGE (última disponível), têm expectativa de sobrevida de mais de 30 anos e, por isso, tenderiam a passar mais tempo recebendo benefícios que contribuindo, o que é incomum no mundo. "A média em 2015 e 2016 foi de mulheres se aposentando aos 53 anos, quando há uma expectativa de sobrevida de 29,7 anos, ou seja, na média é quase o mesmo tempo recebendo e contribuindo, o que também é pouco usual", afirma.
A mulher que se retira do mercado aos 48 anos, por exemplo, o receberia o benefício por 34, que é a expectativa de sobrevida de uma brasileira dessa idade. Em 2015, em cerca de 31% das aposentadorias por tempo de contribuição concedidas, as mulheres tinham entre 45 e 49 anos, segundo dados levantados pelo economista. No caso dos homens, trabalhadores aposentados aos 50 anos passariam 28 anos recebendo o benefício. A média da idade de aposentadoria por tempo de contribuição masculina é de 55 anos. Nessa altura, a expectativa de sobrevida é de 24 anos.
Homens e mulheres da área urbana com trajetória estável no mercado de trabalho, geralmente com mais estudo e salários mais altos, conseguem se aposentar mais cedo e com benefícios maiores ao atingirem o tempo de contribuição. Aqueles que passam mais tempo desempregados, ou no mercado informal, geralmente os mais pobres, tendem a se enquadrar na regra da idade, que exige um mínimo de 60/65 anos e com um valor menor de benefício.
Um dado que mostra a distância entre essas duas situações: na população ocupada de 16 ou mais anos de idade, entre os 10% mais ricos, 81,4% contribuem para a Previdência. Nos 10% mais pobres, essa fatia de contribuintes cai para 10,5%, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, de 2015.
Outros números reforçam esse quadro desigual. Do estoque de 19,6 milhões de aposentadorias pagas pela Previdência em setembro deste ano, 53% eram por idade. Esse contingente recebeu 39% do valor dos benefícios. Já aquelas por tempo de contribuição são uma parcela menor, de 30%, mas recebem fatia maior, 46% do valor total pago.
Enquanto o benefício médio da aposentadoria por idade é de R$ 950 mensais, pouco acima do salário mínimo, de R$ 937, o valor do benefício por tempo de contribuição é de R$ 1.945. Na faixa das aposentadorias precoces, 46,8% da renda vai para os 10% mais ricos. "O Brasil conseguiu criar um sistema previdenciário no qual a idade mínima só vale para os mais pobres, gerando distorções como pagar aposentadorias para pessoas em plena capacidade de trabalho. Isso é insustentável e injusto", afirma Costanzi.
Para o economista, a adoção de uma idade mínima obrigatória é necessária não apenas do ponto de vista fiscal, mas também para atenuar a desigualdade de renda no atual sistema. Outras medidas precisam ser adotadas, diz. "É importante acabar com a regra 85/95, que aumenta de forma expressiva o valor dos benefícios e agrava o quadro da Previdência."
Sem mudança de regras, a tendência é que o tempo de recebimento da aposentadoria aumente ao longo dos anos, agravando as contas da Previdência Social. O estudo de Costanzi mostra que enquanto os benefícios em geral (aposentadorias, pensões e outros) pagos pelo INSS cresceram 12,2% no período entre 2011 e 2015 (2,9% ao ano), aqueles pagos às pessoas na faixa entre 80 e 89 anos aumentaram 16,1% (3,9% ao ano) e à faixa acima de 90 anos subiram 32,2%, ou 7,2% ao ano.
A participação dos beneficiários com 80 anos ou mais no total de benefícios (aposentadorias e outros) ainda é pequena, de 12,9% (10,9% homens e 14,3% mulheres), mas a tendência é de alta por causa do envelhecimento da população. Segundo o estudo, a quantidade de aposentadorias concedidas a pessoas de 80 a 89 anos cresceu de 841 mil para 2,62 milhões (de 9,3% para 11,1%) do total entre 1992 e 2015. Para aqueles com 90 anos ou mais, saiu de 105 mil para 450 mil (1,2% para 1,9%) do total.
O Brasil já gasta um percentual do PIB maior que seus pares apesar de ainda ter uma população idosa comparativamente maior. Numa lista de 86 países compilada pelo Banco Mundial, o Brasil ocupava a 13ª posição em gasto com Previdência em relação ao PIB em 2010 (10,8%), mas estava apenas em 56º lugar no ranking de idosos (mais de 60 anos) na população total. Até 2060, a parcela de idosos deve crescer para um terço da população.