Valor econômico, v. 18, n. 4388, 27/11/2017. Brasil, p. A6.
Organização social não é solução para universidades federais, dizem reitores
Thais Carrança
27/11/2017
Reitores de universidades federais foram pegos de surpresa pela informação de que o governo estaria voltando a considerar a transformação de instituições públicas em organizações sociais (OS), para permitir a elas ter uma arrecadação privada para sustente os gastos, mas também isolar os recursos do resto do orçamento da União, como mostrou reportagem publicada pelo Valor no início do mês.
Os dirigentes universitários consideram a proposta extemporânea e sugerem alternativas que consideram mais fáceis e passíveis de serem adotadas no curto prazo, como o fim do contingenciamento sobre a arrecadação própria das universidades - hoje recolhida pela Conta Única do Tesouro e sujeita ao teto de gastos públicos, como todo o restante das despesas federais.
O projeto de lei da deputada Bruna Furlan (PSDB-SP) que autoriza a criação de fundos patrimoniais ("endowment") nas instituições de ensino federais é visto com bons olhos, mas os reitores também temem que as doações obtidas pelos fundos sejam recolhidas à Conta Única e submetidas ao teto. As doações são vistas como um recurso complementar e, por serem instáveis, não substituem o financiamento perene, garantido pelos cofres públicos.
"Desconhecemos completamente essa proposta. Levamos um susto com a reportagem, foi uma grande surpresa", diz Márcia Abrahão, reitora da Universidade de Brasília (UnB). A instituição foi citada como um dos possíveis alvos da mudança de personalidade jurídica, ao lado do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA).
A reitora lembra que a UnB já tem atualmente uma relevante arrecadação própria, obtida principalmente com aluguel de imóveis, do Cebraspe - parceria entre UnB, Ministério da Educação (MEC) e Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pela realização de concursos -, e de projetos com governos e empresas.
Essa arrecadação, estimada em R$ 102 milhões no orçamento da instituição para 2017, já foi superada. Do montante, a universidade só foi autorizada a usar R$ 87 milhões. Para 2018, a UnB informou ao Ministério do Planejamento que poderia arrecadar ao menos R$ 168 milhões, mas só será autorizada a usar R$ 110 milhões.
Além do contingenciamento de receitas próprias, os repasses do MEC para custeio e investimento caíram de R$ 219 milhões em 2016, para R$ 136 milhões em 2017, corte de 38%. A instituição receberá R$ 136 milhões também em 2018. Os recursos para investimento minguaram de R$ 49 milhões em 2016, para R$ 24 milhões este ano e R$ 3 milhões em 2018.
"Já temos fontes de arrecadação; não existe nenhuma necessidade de mudar o modelo da universidade para que ela possa arrecadar", diz Márcia. "A solução é liberar o teto da arrecadação própria das instituições. É muito simples, não precisa fazer mudanças grandes." Para a reitora, no entanto, o governo não pode deixar de destinar recursos à universidade, uma vez que, constitucionalmente, a educação é um dever do Estado.
Klaus Capelle, porta-voz da Andifes (entidade que reúne os dirigentes de universidades federais) e reitor da UFABC, acredita que toda medida que fortaleça a autonomia das universidades é positiva, desde que não haja prejuízos às instituições. "Se as universidades forem depender de doações para despesas de custeio básicas, certamente haverá prejuízos."
Para Capelle, a criação de fundos patrimoniais e a transformação de instituições públicas em OS são discussões distintas e em estágios muito diferentes de maturidade, não devendo ser misturadas. Além disso, diz, uma mudança estrutural das universidades não deve ser feita num contexto pontual de crise.
O país tem que decidir que tipo de universidade quer e o que espera dela, a partir daí, pode se debater qual seria o melhor modelo de funcionamento, afirma Capelle. "Conduzir essa discussão apenas sob o olhar de 'onde mais podemos economizar um pouco de recursos' não vai levar a um bom sistema universitário".
Alketa Peci, professora de administração pública da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (Ebape-FGV), avalia que a proposta de transformar instituições públicas em OS é antiga, vem desde 1995, quando o então ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira defendia o modelo.
"Sempre houve uma resistência muito grande dentro das próprias universidades a esse modelo. Essa resistência continua presente", diz Alketa. Segundo ela, isso é ainda mais relevante no atual momento de polarização ideológica do país. "Esse não é o momento propício para fazer esse tipo de discussão, ela vai falhar novamente", afirma.
Segundo a especialista, a proposta dos reitores de liberar a arrecadação própria das universidades das amarras do teto de gastos também não é viável. "Essa é uma demanda que todo órgão burocrático do Brasil teria, mas é uma impossibilidade. Há uma crise e os recursos são escassos, a demanda é pouco realista."
A professora da FGV acredita que flexibilizar a gestão das universidades seria importante, uma vez que elas estão sujeitas a muitas restrições burocráticas que não trazem resultados. No entanto, a alternativa vislumbrada por ela também é impopular e passível de resistências: a cobrança de mensalidades na universidade pública para segmentos que possam pagar.