Valor econômico, v. 18, n. 4389, 28/11/2017. Brasil, p. A4.

 

 

Agência de mineração 'incha' na Câmara

Daniel Rittner

28/11/2017

 

 

Concebida com estrutura enxuta e recursos próprios para funcionar, a proposta de criação da Agência Nacional de Mineração (ANM) foi desvirtuada e tornou-se uma espécie de "trem da alegria" na Câmara dos Deputados.

A nova agência reguladora, que substituiria o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), foi instituída por medida provisória com a previsão de 252 cargos comissionados e uma taxa específica a ser cobrada das mineradoras para custear suas atividades. O texto aprovado pela Câmara, na semana passada, aumentou esse contingente para 384 cargos e derrubou a Taxa de Fiscalização de Atividades Minerais (TFAM). E ainda causou mais um problema para as contas públicas: eleva significativamente os salários de servidores hoje lotados no DPNM, que passam automaticamente ao novo órgão.

As mudanças foram feitas pelo relator, deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG), à revelia do governo. O Palácio do Planalto ainda não fez cálculos do impacto, mas vê essas alterações com apreensão e não descarta a possibilidade de vetos - pelo menos parciais. A MP precisa ser votada hoje no Senado para não expirar.

O texto original previa apenas uma migração de boa parte dos atuais funcionários do DNPM para a nova agência, sem variações salariais. No entanto, diante do forte lobby dos sindicatos e associações de servidores, o relatório aprovado na Câmara promoveu uma equiparação com as carreiras de outros órgãos reguladores.

Dessa forma, os analistas administrativos da futura ANM vão receber R$ 19.564 a partir de 1º de janeiro de 2019. No caso dos especialistas em recursos minerais, os salários chegam a R$ 21 mil. Há aumentos também para técnicos. Em plena crise fiscal, o reajuste médio ultrapassa 30%.

Se passar no Senado, em tese, esse aumento ainda poderia sofrer veto presidencial. Não haveria como recriar, porém, a taxa criada para financiar a agência reguladora. A TFAM previa uma cobrança anual de R$ 500 a R$ 5 mil de cada jazida, dependendo do estágio de cada empreendimento. Sua instituição foi eliminada no parecer de Quintão.

Apesar da desconfiguração do texto original, o Ministério de Minas e Energia ainda defende que a MP seja aprovada. "O ótimo é inimigo do bom", disse ao Valor o secretário de Geologia e Mineração, Vicente Lôbo. "Eu tenho convicção de que a melhor peça foi aquela enviada ao Congresso, mas precisamos respeitar as modificações, que são da natureza do processo. Cabe a nós fazer uma análise técnica e jurídica do que vier."

O secretário acrescenta: "A transformação da autarquia em agência é fundamental e permite avanços enormes, com reuniões públicas e indicações de diretores com formação técnica, por exemplo. A única atividade economia representativa sem agência reguladora era a mineração".

Na tentativa de minimizar o estrago orçamentário das mudanças feitas pela Câmara, setores do governo lembram que o DNPM já tem uma estrutura com 380 comissionados. Argumentam ainda que os royalties pagos pelas mineradoras vão subir e isso trará algum reforço no caixa da nova agência, que fica com uma pequena parte dos valores arrecadados.

A Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem) foi elevada por outra medida provisória, a MP 789, único do pacote lançado em julho pelo governo que recebeu aprovação da Câmara e do Senado. A terceira medida - MP 790 - mexia em 23 pontos do atual marco regulatório do setor, modernizando o código em vigência desde 1967, mas ainda não passou em nenhuma das Casas.

O texto-base da nova agência reguladora estabelece uma série de critérios para a indicação da futura diretoria colegiada. Os diretores não poderão ser representantes da "estrutura decisória" de partidos políticos e nem vir do comando de sindicatos ou associações empresariais do setor.

Algumas exigências presentes na MP, entretanto, também foram retiradas no texto aprovado pela Câmara. Uma delas é a experiência profissional de, no mínimo, dez anos em atividade regulada pela ANM ou de quatro anos em cargo de chefia superior.