O globo, n.30741 , 06/10/2017. PAÍS, p.3

RISCO DE CENSURA

MARIA LIMA

KARLA GAMBA

 

 

Congresso aprova emenda que permite suspender conteúdo de sites sem autorização judicial

Um dispositivo incluído de última hora na reforma política permite que candidatos solicitem diretamente aos provedores de internet (incluindo redes sociais como Facebook e Twitter) a remoção de conteúdo que os candidatos considerem “discurso de ódio, disseminação de informações falsas ou ofensa” — sem necessidade de decisão judicial. Sem discussão na votação do Senado, muitos senadores se assustaram depois de informados sobre o dispositivo que vai a sanção presidencial hoje. A medida foi considerada por diversas associações como uma tentativa de censura prévia durante o período eleitoral, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse que pedirá ao presidente Michel Temer um veto parcial à medida.

— O presidente pode avaliar se há caminho para algum veto parcial que se garanta o conteúdo que sei que o Áureo (deputado que propôs o dispositivo) quis, mas que não permita que ele seja utilizado para alguma censura. A audiência hoje das redes sociais é cada vez maior, então as redes podem gerar um dano tão grande quanto jornal, revista, televisão, só que sem os controles que uma empresa de jornalismo tem. O debate sobre esse tema está colocado. Talvez um veto parcial resolva, porque não pode caminhar para a censura nem para a libertinagem que tem hoje — explicou Maia.

O relator da matéria em plenário, o líder do governo em exercício, Fernando Bezerra (PMDBPE), disse que conversou com o ministro da Secretaria de Governo, Antonio Imbassahy, e passou as reclamações dos senadores sobre a medida que surgiram depois da votação. Segundo ele, o ministro explicou que, a princípio, o dispositivo visava apenas coibir perfis fakes na Internet, mas que talvez, antes da sanção pelo presidente Temer, fosse necessário um parecer da área técnica para embasar a decisão.

— Se for caracterizada “censura prévia”, acredito que há chances de veto deste dispositivo — disse o relator da matéria no Senado, Fernando Bezerra.

 

PARLAMENTARES PREPARAM RECURSO

Se não for vetado pelo presidente, deputados e senadores contrários já preparam uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) para derrubar a mudança no Supremo Tribunal Federal (STF). Parlamentares e especialistas em direito digital acusam quem votou pela aprovação desse dispositivo de apoiar a censura prévia e ferir a liberdade de expressão preservada no marco civil da internet.

Autor da emenda que introduziu a mudança na lei eleitoral, o deputado Áureo (SD-RJ), líder do partido, diz que está havendo uma má compreensão da medida, que seria apenas para combater a guerrilha virtual e perfis fakes na internet.

— É para suspender apenas o que for publicado sob anonimato, quando o autor das publicações não é identificado. O candidato faz a denúncia, se o Facebook ou outro provedor conseguir identificar o autor em 24 horas, reativa a publicação. O que tem autoria pode ser publicado. É uma medida para combater a guerrilha virtual e aos perfis fakes na internet — justificou o autor da emenda.

O artigo incluído de última hora como emenda no relatório do petista Vicente Cândido na Câmara diz que “a denúncia de discurso de ódio, disseminação de informações falsas ou ofensa em desfavor de partido ou candidato, feita pelo usuário de aplicativo ou rede social na internet, por meio do canal disponibilizado para esse fim no próprio provedor, implicará suspensão, em no máximo vinte e quatro horas, da publicação denunciada até que o provedor certifique-se da identificação pessoal do usuário que a publicou, sem fornecimento de qualquer dado do denunciado ao denunciante, salvo por ordem judicial”.

— É uma violação da liberdade de expressão, mas, na votação, preferiram manter. Foi introduzido de última hora, não estava no texto original. Entrou de uma maneira imperdoável. Se Temer não vetar, cai facilmente no Supremo Tribunal Federal — ponderou o deputado Miro Teixeira (Rede-RJ).

Em nota conjunta, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), a Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner) e a Associação Nacional de Jornais (ANJ) cobraram providências contra a implantação da censura prévia durante as eleições. A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo também divulgou nota, qualificando a medida como “uma grave ameaça ao regime democrático”. (íntegra ao lado)

Para o deputado Alessandro Molon (Rede-RJ), a responsabilização dos usuários que cometem crime nas redes é importante, mas o efeito de remover uma publicação traz um caráter de censura que já foi superado nas discussões do Marco Civil da Internet, do qual Molon foi relator.

Para a coordenadora do Intervozes (Coletivo Brasil de Comunicação), Bia Barbosa, embora a legislação seja restrita a um período específico, o período eleitoral, abre um “precedente perigoso”.

— Apesar de ser restrito a um período específico de legislação eleitoral, esse é o momento fundamental para estimular a participação política do cidadão, e a internet é o espaço prioritário para isso hoje. O texto deixa muito subjetivo o que pode ser ofensa ou não, e tende a cercear as manifestações de opinião.

Especialista em direito digital, o advogado Fabrício Mota diz que a mudança causará dois problemas graves: cria uma censura administrativa através dos provedores e viola o marco civil da internet:

— Os provedores vão ter que tirar tudo, porque a lei não diz o que é discurso de ódio. Esse artigo é uma encomenda para a censura.

Os senadores ficaram surpresos ao ser informados sobre o dispositivo aprovado:

— Nós aprovamos isso? Fico satisfeito de ter votado contra o projeto como um todo — estranhou o senador Cristovam Buarque (PPS-DF). (*Estagiária sob supervisão da repórter Maria Lima).

Legenda da Foto: Negociação. Senadores de vários partidos observam o presidente da Casa, Eunício Oliveira, que comandou a sessão que encerrou as mudanças nas regras eleitorais

 

O QUE FOI APROVADO NO CONGRESSO
Cláusula de barreira

Começa a ser adotada gradativamente a partir do ano que vem. Em 2018, os partidos precisam atingir a votação mínima de 1,5% em pelo menos nove estados, chegando a 3% em 2030, para ter acesso ao fundo e ao tempo de TV

 

Financiamento de campanha

Foi criado o Fundo Especial de Campanha, que será abastecido com o uso de 30% das emendas coletivas de bancada e com recursos de isenção fiscal com o cancelamento dos programas partidários no rádio e TV durante anos não eleitorais

 

Coligações partidárias

Pela reforma política, essas coligações ficam proibidas a partir de 2020

 

Censura

Aplicativos são obrigados a retirar das redes sociais publicações denunciadas que tenham mensagens de ódios e ofensas nas campanhas, sem autorização judicial

 

Perdão de dívidas

Os partidos políticos e as pessoas físicas ou jurídicas devedoras de multas eleitorais poderão, no prazo de até 90 dias da publicação da lei, quitá-las com desconto de 90% sobre o valor devido, desde que efetuado o pagamento à vista

 

Eventos

Permite a arrecadação de recursos para a campanha com a realização de eventos

 

Telemarketing

Proíbe a propaganda por meio de serviços de telemarketing

 

Avulsos

Proíbe candidaturas avulsas

 

Voto impresso

Sai o texto que previa a adoção do voto impresso apenas em 2022. Na prática, fica a regra existente de entrar em vigor em 2018

 

Propaganda paga

Permite o chamado impulsionamento de conteúdo, ou seja, propagandas pagas

 

Arrecadação

Antecipa de agosto para 15 de maio o prazo para os candidatos começarem a arrecadar recursos