O globo, n. 30741, 06/10/2017. PAÍS p.5

GOVERNO PLANEJA LEVAR BATTISTI DE VOLTA À ITÁLIA

FRANCISCO LEALI

 RENATA MARIZ

ANDRÉ SOUZA

 

 

 

Se o país declarar que não haverá prisão perpétua, avião da Polícia Federal pode ser ]usado na extradição
 

O governo brasileiro tem pronto um plano para mandar o italiano Cesare Battisti de volta ao seu país natal. A ideia é embarcá-lo num avião da Polícia Federal direto de Corumbá, em Mato Grosso do Sul, onde ele foi preso sob suspeita de evasão de divisas e também lavagem de dinheiro. O juiz federal Odilon de Oliveira decretou ontem a prisão preventiva do italiano por considerar a existência de indícios “robustos” dos crimes apontados na detenção em flagrante. Segundo o magistrado, as circunstâncias sugerem que Battisti tentava fugir para a Bolívia “temendo ser efetivamente extraditado”, como pede a Itália ao governo brasileiro.

A manutenção da prisão colabora com os planos do governo, que tenta superar questões legais para devolver o ex-ativista definitivamente. Segundo autoridades que acompanham o caso, se todas as pendências forem resolvidas, Battisti deixaria o Brasil nos próximos dias.

Entre os problemas judiciais a serem equacionados está a falta de uma declaração formal do governo da Itália se comprometendo a fazer a chamada detração penal. Seria um ofício no qual autoridades daquele país se se comprometem a submeter Battisti a regime de prisão como o previsto nas leis brasileiras.

Essa exigência faz parte de todos os tratados de extradição. Ou seja, o Brasil só manda um preso para o exterior se for para crime previsto na lei brasileira e com pena compatível. Como o italiano foi condenado à prisão perpétua em seu país, o governo da Itália precisaria declarar formalmente que se compromete a aplicar a pena máxima prevista no Brasil, que é de 30 anos.

 

RECURSO ESTÁ NAS MÃOS DE LUIZ FUX

O governo italiano estaria preparando essa declaração para anexar ao pedido formal já apresentado ao governo para que o presidente Michel Temer autorize a extradição, mudando decisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que havia concedido ao ex-ativista o direito de permanecer no Brasil. Quando a Itália entregar a declaração de detração penal, caberá ao presidente Temer determinar o cumprimento da extradição. Só então Battisti poderá ser levado a seu país.

Mas o plano do governo para extraditar o italiano depende da manutenção de sua prisão. Se o Supremo Tribunal Federal (STF), Corte à qual a defesa de Battisti recorreu, conceder liminar, o italiano não poderá ser embarcado em avião da PF com destino à Itália. O recurso da defesa está com o ministro Luiz Fux.

Battisti, que foi preso na quarta-feira a bordo de um táxi boliviano quando tentava sair do Brasil, chegou algemado à audiência de custódia, ontem, em Corumbá, onde está preso. Na ocasião, o Ministério Público Federal pediu a manutenção da prisão, e a defesa sustentou que não houve delito de evasão de divisas ou lavagem de dinheiro que justificasse a detenção. O juiz federal Odilon de Oliveira decidiu, porém, pela prisão preventiva.

“Há, sim, indícios, e robustos, no sentido de que o custodiado se dirigia ao território boliviano transportando consigo valores superiores, em moedas estrangeiras, à quantia permitida pela legislação brasileira, situação que impunha prévia comunicação à repartição competente, o que parece não ter havido”, diz Odilon na decisão.

O valor transportado por Battisti, 6 mil dólares e 1.300 euros, e uma grande quantidade de bagagens reforçou os indícios de fuga, na avaliação de Odilon. Além disso, o histórico de Battisti pesou na decisão. O juiz ressaltou que o italiano sofreu quatro condenações penais em seu país de origem relacionados a “fatos gravíssimos”.

“Seus antecedentes, gravíssimos, impõem a decretação da prisão preventiva, essencialmente por conveniência da efetiva aplicação da lei penal”, afirmou o magistrado, lembrando que há um pedido de extradição da Itália, onde Battisti foi condenado a prisão perpétua.

Odilon criticou o fato de Battisti, acolhido pelo Brasil, desrespeitar as leis do país. O juiz sustentou que a condição de residente o obrigaria a informar às autoridades a intenção de ir ao exterior.

“Foi admitido na condição de usufrutuário de todos os direitos inerentes à situação de refugiado e de todos os direitos fundamentais. Assim sendo, transgredindo, em tese, a regulamentação pertinente à condição de refugiado, está a ofender a ordem pública”, declarou Odilon.

 

DEFESA AFIRMA QUE HOUVE EXAGERO

Em documento apresentado no STF, a defesa de Battisti afirmou que a Polícia Federal (PF) inseriu “elementos exagerados e inverídicos no auto de flagrante”, lavrado na quarta-feira, apenas para mantê-lo preso e, com isso, criar um clima favorável à sua expulsão do país. Entre os pontos que seriam exagerados e inverídicos, está o relato de apreensão de um “pino de plástico com resquício de substância em pó de cor esbranquiçada”. A defesa garante que Battisti não portava esse objeto.

“O episódio deixa claro haver, em relação ao paciente (Battisti), um tratamento diferenciado ao ponto das autoridades policiais terem inserido elementos exagerados e inverídicos no auto de flagrante, apenas para manter o paciente custodiado, gerando enorme repercussão nacional e internacional, com único intento de provocar comoção a favor de sua expulsão do país”, diz a defesa.