Valor econômico, v. 18, n. 4390, 29/11/2017. Brasil, p. A2.
Depois de cair à mínima, um dia o juro deve subir
Alex Ribeiro
29/11/2017
Em conversas com o mercado, o BC tem repetido que, depois de um período de expansão, é normal que os juros deixem de estimular a economia. Não está certo quando e quanto a Selic subirá, nem se isso será mesmo necessário, pois uma hipótese possível é o estímulo terminar por meio da queda dos juros neutros. Mas, se for necessário subir, não será nenhuma confissão de erro na calibragem dos juros. A política monetária sempre alterna períodos expansionistas e contracionistas em todos os lugares do mundo.
A previsão mediana do mercado financeiro é que o BC só volte a subir os juros em 2019. Mas, entre os cinco economistas do setor privado que mais acertam as suas projeções, há quem afirme que o aperto nos juros virá tão cedo quanto maio do ano que vem. Os mais otimistas apostam em juros baixos por três ou quatro anos.
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O Copom poderá ser obrigado a subir os juros por vários motivos, incluindo uma crise durante as eleições presidenciais ou um aperto monetário mais forte nos Estados Unidos. O ponto que hoje realmente divide os analistas, porém, são as estimativas da capacidade ociosa da economia. A teoria diz que, quando as fábricas estiverem operando perto do limite e o economia alcançar a pleno emprego, a inflação vai acelerar. Antes disso, o BC terá que ter começado a remover os estímulos monetários.
Os economistas costumam divergir sobre o tamanho da capacidade ociosa da economia, que não é algo que pode ser medido concretamente. Hoje, as divergências são ainda mais pronunciadas, depois de excessos no ciclo de investimento passado e de uma queda acumulada de cerca de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) em dois anos.
Os mais otimistas acreditam que a capacidade ociosa da economia esta entre 6% e 8% do PIB e que o potencial de crescimento não inflacionário está em cerca de 2% por ano, o que significa que a economia poderia se expandir a taxas acima de 3% por alguns anos. No outro extremo estão os que estimam que a capacidade ociosa está em 3% e o crescimento potencial é próximo de zero, o que significaria que a economia baterá no teto entre 2018 e 2019, caso se confirmem as previsões do mercado para a expansão do PIB (2,58% para o próximo ano e 2,7% para o seguinte).
Para calcular quanto o país poderá crescer sem pressionar a inflação, os especialistas tem que estimar o ritmo de expansão do estoque de capital na economia, da oferta de mão de obra e da produtividade desses dois fatores de produção.
Há um certo consenso entre os especialistas de que, nos governos Lula e Dilma, muitos investimentos foram mal feitos. Seria o caso, por exemplo, dos US$ 13 bilhões investidos no complexo petroquímico Comperj e da refinaria Abreu e Lima. "Ninguém sabe ao certo quanto desse estoque de capital criado nos últimos anos vai se transformar em capacidade produtiva", diz Bráulio Borges, economista-sênior da LCA Consultoria e pesquisador-associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV).
Os economistas tem adotado as mais diferentes estratégias para estimar o estoque de capital atual. Alguns assumiram a premissa conservadora de que todo o aumento de empréstimos do BNDES no período em que Guido Mantega era ministro da Fazenda foi jogado pela janela.
O fator trabalho também pode ter contribuído para reduzir o potencial de crescimento do PIB. Segundo o IBGE, 2,8 milhões de trabalhadores estão desempregados há mais de dois anos, e uma boa parte deles pode ter perdido habilidades profissionais. Há também trabalhadores especializados de setores que estão encolhendo e que teriam dificuldades para se empregar em outras áreas. Segundo a entidade que representa a indústria naval, o Sinaval, cerca de 50 mil trabalhadores do setor perderam o emprego de 2014 para cá.
Bráulio, da LCA, pondera que a mão de obra no Brasil é menos qualificada, por isso o impacto do desemprego prolongado na empregabilidade tende a ser menor. Ele também lembra que, mesmo nos períodos de expansão, alguns setores da economia reduzem o tamanho ou até desaparecem, por isso não seria correto atribuir um peso maior a esse fator para determinar o potencial de crescimento da economia.
Os economistas também quebram a cabeça para encontrar uma forma mais ou menos consistente de estimar a contribuição da produtividade. Nas metodologias mais populares, o crescimento da produtividade é o resíduo, ou seja, aquilo que não é explicado pelo estoque de trabalho e de capital. O risco é tomar o erro nas outros cálculos como a expansão da produtividade.
Bráulio calculou o PIB potencial com uma metodologia usada pela Comissão Europeia que estima a produtividade a partir de seus determinantes, como abertura da economia, educação e infraestrutura. Ele está no grupo de economistas que acham que o grau de ociosidade é bem elevado. Mas ele também acompanha com atenção o mercado de trabalho. "O Fed (Federal reserve, BC americano) dá uma ênfase maior no mercado de trabalho", afirma, lembrando que esse fator é mais importante para determinar a inflação em um horizonte de dois anos, que é o foco da política monetária.
O Banco Central, até o momento, disse apenas que a economia "opera com alto nível de ociosidade dos fatores de produção". Pelo conjunto de sua comunicação, parece acreditar que houve perda de capacidade de crescimento tanto pela má alocação de capital quanto pela perda de qualificação de trabalhadores. O quanto, não está claro. "Há muito tempo o BC não divulga suas estimativas sobre o PIB potencial", diz Bráulio. "Seria bom que divulgasse agora para dar referências ao mercado."
Alex Ribeiro é repórter especial
E-mail: alex.ribeiro@valor.com.br