Valor econômico, v. 18, n. 4390, 29/11/2017. Opinião, p. A12.

 

 

É hora de mudar

José Seripieri Junior

29/11/2017

 

 

Os consumidores reclamam dos reajustes de mensalidade cada vez mais elevados e também do atendimento. As operadoras de planos de saúde reclamam que há um excesso regulatório do Estado e que suas margens de lucro estão próximas de zero, isso quando não realizam prejuízo. Já os prestadores de serviços, principalmente os médicos, reclamam não serem remunerados e reconhecidos à altura dos serviços que prestam, quando não tolhidos nas suas condutas. Quem tem razão nessa história? Todos, por incrível que pareça.

Justiça seja feita, a saúde suplementar viabilizou o acesso de quase 50 milhões de brasileiros a uma saúde de qualidade. Vale lembrar que antes mesmo da Lei dos Planos de Saúde (9.656/98), o setor privado já tinha atraído cerca de 35 milhões de consumidores. Importante destacar também que a medição da experiência de uso por parte dos clientes atinge bom nível de satisfação (Pesquisa Ibope-IESS 2017). O setor paga por ano perto de 1,5 bilhão de procedimentos médicos entre consultas, exames, terapias e internações hospitalares. Financia a expansão de uma medicina de ponta que não deve nada a nenhum outro país, em que pese ser um sistema dos mais regulados pelo Estado no mundo, se não o mais regulado. Com tudo isso, em geral, consegue atender com alto padrão médico e salva a vida de muitas pessoas.

O atual modelo como um todo tem apresentado um resultado operacional extremamente baixo nos últimos anos. Em 2017, não será diferente. O setor deverá auferir, em números estimados, uma receita bruta de R$ 190 bilhões e deverá gastar R$ 165 bilhões só em despesas médico-assistenciais. A essas despesas se somam pagamento de impostos, encargos trabalhistas, despesas administrativas, comerciais, operacionais e reservas técnicas. Nesse sentido, a margem líquida ficará próxima de zero. Em outras palavras, é possível afirmar que o setor de saúde suplementar está econômica e financeiramente limítrofe do colapso.

Há uma paradoxal crise de credibilidade no sistema, onde a insatisfação quase que generalizada de todas as partes envolvidas é o grande sinal de que as coisas precisam mudar - e rápido. A atual escalada dos custos médico-assistenciais está tornando o setor de saúde suplementar irremediavelmente insustentável.

Acredito ser possível reverter esse processo oferecendo serviços de maior qualidade com custos finais mais baixos e preços menores aos consumidores. Como fazer isso, uma vez que o senso comum vigente indicaria justamente o contrário? É necessário sair da tradicional lógica estritamente financeira e migrar para a lógica do melhor e mais racional atendimento médico possível, o que permite combater o elevado desperdício de gastos assistenciais, sem comprometimento dos direitos do cliente e da relação médico-paciente.

Lamentavelmente, o setor de saúde suplementar no Brasil é muito subsegmentado, disperso e focado na dimensão financeira da conta final a ser paga e no repasse disso aos preços finais, sem conexão com as reais demandas assistenciais.

A solução não está nos reajustes elevados, que subsidiam mais desperdício do que eficiência e qualidade

Na essência, há quase 40 anos o sistema oferece acesso a uma determinada rede médica credenciada - em alguns casos até livre escolha mediante reembolso a posteriori. Ao usuário não é oferecido um sistema de saúde, mas um plano financeiro que sustenta suas idas a determinados prestadores de serviços médicos sem um efetivo acompanhamento e participação da operadora, exceção às verticalizadas que obtêm alguma racionalização de custos através do acesso restrito à sua rede assistencial própria. O que acontece a partir daí, na maior parte das vezes, é problema do usuário e seu médico, laboratório e hospital, a despeito da qualidade e do desfecho clínico, criando um terreno fértil ao desperdício e alta nos preços.

Não há, na verdade, gerenciamento assistencial por parte do plano de saúde sobre a sua carteira de clientes. Não há sequer prontuário ou dados de saúde dos usuários. Há casos em que a operadora não sabe da doença de seu cliente nem do desfecho do tratamento realizado. Se o procedimento é coberto pelo Rol de Procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, ela paga e pronto. Como essa conta não fecha, os preços são aumentados. É assim há anos.

Não acredito que o atual modelo tenha condições de superar os desafios e as demandas futuras de todos os agentes envolvidos nesse processo. É imperioso que as operadoras de saúde façam a efetiva gestão médica e assistencial de seus clientes, com envolvimento e comprometimento, e não mais apenas a gestão financeira, tendo como objetivo o melhor atendimento de saúde necessário, a preços adequados, apoiado em uma plataforma de altíssima tecnologia e "big data", e na valorização da relação médico-paciente.

Também não acredito em um sistema de remuneração de prestadores médicos baseado no "fee for service", uma espécie de "taxímetro" que acaba estimulando a utilização desmedida, pois quanto mais se usa, mais se paga, podendo assim premiar o desperdício e não o melhor desfecho para o paciente.

O setor tem de estar baseado em indicadores médico-assistenciais, financeiros, de qualidade e de performance, com foco na alta resolutividade ao paciente, a custos racionais. A solução não está nos atuais reajustes elevados, que subsidiam muito mais desperdício do que eficiência, racionalização e qualidade.

Outras questões devem ser enfrentadas para garantir a sustentabilidade do setor, tais como a judicialização indevida e a regulação excessiva. Até hoje, além da Lei 9.656/98, foram editadas 40 Medidas Provisórias e cerca de 700 atos normativos da ANS. Mas, certamente ao fazer a gestão assistencial, os planos de saúde proporcionarão serviços de melhor qualidade e maior segurança aos seus clientes, a custos racionais, combatendo o desperdício e o uso descontrolado do sistema. Com a mudança do modelo, os usuários terão um sistema mais efetivo, acessível e baseado em uma relação de confiança e credibilidade com as operadoras de saúde. Não adianta só sonhar o futuro: é hora de começar a construí-lo.