Valor econômico, v. 18, n. 4392, 01/12/2017. Brasil, p. A8.

 

 

Carga estável não acompanha despesa maior

Marta Watanabe

01/12/2017

 

 

A carga tributária global de 2017 deve alcançar 32,99% do PIB ao fim do ano, praticamente estável, apenas com ligeira queda em relação aos 33,06% do PIB alcançados no ano passado. O tamanho da arrecadação em valores absolutos deve ter pouca alteração, com queda real de 0,1% em igual período. O recolhimento de tributos, portanto, não deve acompanhar o ritmo de crescimento de despesas e não ajudará a reduzir a necessidade de financiamento do setor público.

A projeção de queda de carga tributária como proporção do PIB neste ano deve-se, porém, ao resultado inflado do ano passado, quando o programa de repatriação de recursos da União engrossou a carga tributária global em R$ 46,8 bilhões, valor correspondente a 0,75% do PIB. Se esse recurso extraordinário for retirado da conta, o total de tributos recolhidos no ano passado teria sido de 32,31% do PIB, o que levaria a expansão equivalente a 0,68% do PIB em 2017. Nessa comparação a tributação supera a trajetória de queda observada desde 2012, deixa mais evidente a tendência de reação da arrecadação nos últimos meses deste ano e abre perspectiva mais otimista para o ano que vem.

Os cálculos são dos economistas José Roberto Afonso e Kleber Pacheco de Castro. A projeção contempla a arrecadação de todos os níveis de governo e leva em conta o conceito de carga bruta total ampla, que inclui sistema S, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), participações governamentais em óleo e dívida ativa, entre outros.

Kleber Castro, sócio da Finance Consultoria Econômica, explica que este ano houve novo programa de repatriação oferecido pelo governo federal, mas o valor arrecadado, muito inferior ao do ano passado, não tem efeito na tendência de carga tributária de 2017. Segundo dados da Receita Federal, foram recolhidos R$ 1,59 bilhão com a repatriação até outubro, em valores correntes.

As estimativas de carga tributária para 2017 foram feitas a partir do termômetro tributário, indicador com série histórica desde 1991 e que acompanha mensalmente a arrecadação de tributos da União e dos Estados que correspondem a 84% da carga global. No acumulado em 12 meses o termômetro indica elevação de arrecadação a partir de agosto, quando chega a 27,45% do PIB, depois de fechar julho em 27,26%. Em outubro, como a comparação "perde" a entrada de recursos da repatriação no mesmo mês de 2016, a "temperatura" do termômetro cai para 27,06%, mas volta a subir nos dois meses seguintes, fechando em 27,29% em outubro.

"Se considerarmos somente a receita recorrente, o fim de 2017 mostra uma tendência que reflete a melhora da atividade econômica que, embora ainda muito suave, é uma boa notícia", diz Castro. Para 2018 o que se espera, avalia, é a continuidade dessa trajetória de recuperação, mas em ritmo igualmente suave. "É uma melhora no curto prazo. Mas isso não permite afirmar que a carga tributária voltará a patamares de 2008 [quando o índice chegou ao pico de 34,76% do PIB]. Isso deve acontecer somente com uma reforma tributária."

"Nosso sistema tributário está obsoleto, o que ficou mais claro desde a crise do subprime, em 2008", lembra Castro. A carga tributária, segundo ele, passou a ser afetada por mudanças estruturais na economia e não apenas pelo quadro conjuntural. "Nossa tributação é muito baseada em bens enquanto nossa economia é cada vez mais baseada em serviços, com mudanças de hábitos do dia a dia por conta de avanços tecnológicos. É preciso discutir como esses novos serviços serão tributados e se serão tributados."

No levantamento dos economistas, os dados da carga tributária global por níveis de governo mostram que a arrecadação federal deve recuar de 20,19% para 19,85% do PIB de 2016 para 2017, queda mais uma vez explicada pela receita atípica com a repatriação no ano passado. A arrecadação de ICMS e do IPVA, cobrado sobre a propriedade de veículos automotores, deve subir no mesmo período de 7,25% para 7,44%.

De 2008 para 2017, na projeção dos economistas, a carga tributária deverá recuar o equivalente a 1,76 ponto percentual do PIB. O diferencial, destaca o levantamento, é bem inferior ao da deterioração do resultado primário do setor público brasileiro, que passou de superávit de 3,33% do PIB em 2008 para déficit de 2,4% este ano, segundo previsão de mercado.

Essa diferença se deve não apenas ao recuo da arrecadação global em relação ao PIB, mas também ao crescimento acelerado das despesas, explica Castro. "Isso aponta para a necessidade de reequilíbrio fiscal, para o problema do orçamento engessado e da necessidade mudanças que tratem das despesas, como a reforma previdenciária."