O globo, n.30749 , 14/10/2017. PAÍS, p.3

MÃOS ATADAS

 CAROLINA BRÍGIDO

 

 

Decisão de Fux impede Planalto de decidir sobre a extradição do ex-ativista Cesare Battisti

O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu ontem liminar para garantir que o ex-ativista italiano Cesare Battisti não seja expulso, extraditado ou deportado do Brasil, como antecipou o colunista Ancelmo Gois. A liminar tem validade até o julgamento do mérito do habeas corpus pela Primeira Turma do tribunal, marcado para o próximo dia 24. Até lá, Battisti continuará em liberdade. O governo sustenta que o caso terá de ser julgado pelo plenário do STF porque envolve um ato de presidente da República.

Em 2009, o STF autorizou a extradição de Batistti, como havia pedido o governo da Itália. No entanto, declarou que a última palavra caberia ao presidente da República. Na decisão de ontem, Fux destacou que o tribunal legitimou o ato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de dar a Battisti o direito de permanecer no Brasil. Agora, o tribunal teria que decidir se esse ato é passível de revisão pelo presidente Michel Temer.

“Há que se verificar a possibilidade, ou não, de o atual presidente da República suplantar decisão presidencial anterior, no afã de atender ao pedido do Estado requerente. Constata-se, portanto, que o paciente encontra-se em vias de sofrer a entrega ao governo estrangeiro, restando caracterizado o ‘periculum in mora’”, escreveu Fux, usando expressão em latim que significa “perigo de demora” — ou seja, se não houvesse a decisão, Battisti sofreria um prejuízo no futuro, porque já estaria na Itália, onde foi condenado à prisão perpétua.

A decisão do STF é um empecilho aos planos do governo brasileiro de mandar Battisti de volta para a Itália. Depois que uma reportagem do GLOBO revelou essa intenção, a defesa do ex-ativista entrou com o pedido de habeas corpus no STF no dia 27 de setembro para impedir que ele seja expulso, extraditado ou deportado.

“Neste momento, é iminente o risco que sofre o paciente de ter cerceado o seu direito à locomoção, em medida irreversível a ser adotada, inclusive com apontamento de que pode ser concretizada a qualquer momento, com a expulsão do paciente do local em que se encontra detido”, diz trecho do pedido dos advogados.

ITALIANO ESTÁ EM LIBERDADE

Battisti foi preso em Corumbá no último dia 4 tentando deixar o país rumo à Bolívia supostamente para evitar ser extraditado. Segundo a Justiça Federal, havia indícios “robustos” da prática dos crimes de evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Dois dias depois, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região determinou a libertação de Battisti. No entanto, foi imposta ao italiano a obrigação de comparecer mensalmente à Justiça para comprovar residência e justificar atividades. Ele também ficou impedido de deixar a cidade onde mora, no interior de São Paulo.

Fux pediu um parecer da Procuradoria-Geral da República sobre o caso para subsidiar o julgamento do dia 24. A Primeira Turma é composta por cinco ministros: Fux, Rosa Weber, Marco Aurélio Mello, Rosa Weber e Luís Roberto Barroso. No entanto, Barroso deve se declarar impedido para participar do julgamento, porque já foi advogado de Battisti antes de ser nomeado ministro do STF.

Battisti foi condenado à prisão perpétua na Itália e, em 2004, fugiu para o Brasil para não cumprir a pena. Em 2007, foi preso para responder ao processo de extradição movido pela Itália. Em 2009, o STF autorizou a extradição do italiano. No entanto, declarou que a última palavra era do presidente da República. No dia 31 de dezembro do ano seguinte, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu a Battisti o direito de permanecer no Brasil. Para integrantes do STF, uma eventual extradição de Battisti agora dependeria de novo processo, já que o processo anterior foi encerrado em 2010 com a autorização para o italiano permanecer no país.

 

A VIDA DE BATTISTI

1979 Preso na Itália

Integrante de grupo guerrilheiro, é detido pela morte de um joalheiro

1981 Primeira fuga

Escapa da cadeia em Frosinone e foge para a vida clandestina

1987 Condenado à revelia

Foragido, é condenado à prisão perpétua pela Justiça italiana

2004 A vinda ao Brasil

Deixa a França após 14 anos, ao ter sua condição de refugiado revogada

2007 Temporada na Papuda

Preso no Rio, para fins de extradição, fica detido em Brasília até 2011

2009 Chancela brasileira

O governo brasileiro lhe dá o status de refugiado político. Itália protesta

2009 Decisão do Executivo

Por 5 a 4, STF decide pela extradição, mas dá palavra final a Lula

2010 O aval presidencial

Em seu último dia no Planalto, Lula veta a extradição de Battisti

2011 Liberdade no Brasil

O STF, por maioria, aceita pedido da defesa e liberta Battisti da prisão

2015 Imbróglio jurídico

Justiça do DF determina extradição, mas decisão cai e só STF pode decidir

2015 Família brasileira

Tem um filho com a brasileira Joice Passos dos Santos, sua mulher

2017 A última prisão

Preso ao tentar sair do país, é solto dias depois.

2017 À espera do Supremo

Itália pede extradição. Temer quer deportá-lo, mas decide aguardar pronunciamento do STF