Correio braziliense, n. 19949, 05/01/2018. Política, p. 4

 

Temor no dia do julgamento

Simone Kafruni

05/01/2018

 

 

JUSTIÇA » Prefeito de Porto Alegre pede a presença da Força Nacional no dia da análise da ação contra Lula, mas ministro da Defesa não vê "necessidade"

O presidente Michel Temer recebeu ontem o pedido do prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Jr. (PSDB), de reforçar a segurança com a presença da Força Nacional e do Exército na cidade no dia do julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e encaminhou para os ministérios da Justiça e da Defesa para que analisem a possibilidade de atendê-lo. Antes de receber a solicitação da Presidência, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, chegou a se manifestar e disse não ver “necessidade de emprego das Forças Armadas”.

Marchezan Jr. escreveu a Temer, na quarta-feira, pedindo a convocação do Exército e reforço da Força Nacional na cidade para 24 de janeiro, data do julgamento do recurso de Lula no Tribunal Regional Eleitoral da 4ª Região (PR, RS, SC). O ex-presidente foi condenado em primeira instância pelo juiz Sérgio Moro no caso do tríplex no Guarujá (SP). A Força Nacional já atua em Porto Alegre desde fevereiro de 2017 por causa da crise de segurança que afeta o Rio Grande do Sul. A operação foi renovada por mais 180 dias a partir de 1º de janeiro de 2018.

O prefeito, que postou o pedido nas redes sociais, se justificou, argumentando “iminente perigo à ordem pública e à integridade dos cidadãos porto-alegrenses”. Marchezan Jr. acrescentou como argumento a “ameaça de ocupação de espaços públicos municipais pelos diversos movimentos sociais que se manifestaram nesse sentido”. Também citou postagens em redes sociais, que mencionariam “desobediência civil e luta”.

Repercussão

Apesar de a Presidência da República ter tratado o pedido com deferência, no governo gaúcho a medida repercutiu mal, sobretudo no gabinete de crise instalado justamente para discutir as ações necessárias em 24 de janeiro. A cúpula da segurança pública do Rio Grande do Sul pretendia trabalhar com discrição para não fomentar o conflito.

O PT repudiou o posicionamento do prefeito de Porto Alegre. “Realizaremos manifestações pacíficas em defesa da democracia e do direito de Lula ser candidato a presidente da República”, disse, em nota. “Nossa causa é justa e não vamos aceitar provocações e palavras de ódio, como as proferidas pelo prefeito de Porto Alegre, que, sob pretexto, pediu a intervenção das Forças Armadas para impedir nosso movimento.”

Os petistas também traçam uma estratégia para que o ex-presidente não seja condenado em segunda instância e fique inelegível. Segundo o professor de direito eleitoral Igor Pinheiro, coordenador da Pós-Graduação de Prevenção e Combate à Corrupção do CERS, qualquer decisão condenatória, unânime ou não, tornará Lula inelegível por até oito anos depois da condenação. “Quem reconhece a inelegibilidade é a Justiça Eleitoral. Portanto, a condenação não impedirá que Lula participe da convenção do partido e seja candidato. Agora, quando ele for registrar sua candidatura no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), receberá impugnação de registro de candidatura”, afirmou.

 

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Mercado aposta na condenação

 

 

A Bolsa de Valores de São Paulo (B3) continua batendo um recorde atrás do outro. Ontem, o Ibovespa, principal índice de rentabilidade, teve o nono dia consecutivo de alta, de 0,84%, fechando em 78.647 mil pontos, depois de oscilar acima dos 79 mil ao longo do pregão. Vários fatores puxaram o índice, como o aumento no preço de commodities e bons fundamentos da economia brasileira. As especulações no cenário político também contribuíram. Segundo analistas, parte do mercado financeiro aposta que Luiz Inácio Lula da Silva pode ser condenado e sair do páreo nas próximas eleições.

Para o cientista político Cristiano Noronha, o mercado está de olho no julgamento porque a decisão pode dirimir uma série de dúvidas sobre a sucessão presidencial. “Uma condenação unânime de 3 a 0 reforça a condição de culpabilidade e reduz a quantidade de recursos que a defesa pode usar. Se for 2 a 1, ela pode apresentar embargos infringentes que dariam condições à candidatura”, afirmou. “Se puder concorrer e for eleito, Lula pode não ser diplomado se os recursos forem julgados e decidirem pela culpa”, esclareceu. “No entanto, embora possa haver dúvida no mercado sobre a pena, predomina o sentimento que a decisão do juiz do Sérgio Moro será mantida”, opinou.

“O julgamento do Lula pode desencadear melhoras para o risco Brasil e para o risco político”, comentou o consultor financeiro Demetrius Lucindo. “O efeito Lula pode ser dissipado ao longo do tempo, porque ele pode ser inocentado e sair candidato ou condenado e brigar na Justiça para se candidatar”, avaliou Rafael Figueiredo, da Clear Corretora.

Na opinião de Fernando Barroso, analista da CM Capital, existe uma corrente de analistas que admite que, mesmo com Lula na corrida eleitoral, as reformas e os programas de ajustes não serão interrompidos. “Assim como fez no primeiro mandato, Lula poderá adotar uma equipe econômica técnica. O mercado está comprando essa tese se o pior acontecer, que é a eleição de um candidato de esquerda”, disse.

Para João Maurício Rosal, economista-chefe da Guide Investimentos, no momento, o efeito Lula tem uma importância secundária. “Não é só o mercado brasileiro que está em trajetória ascendente. Várias bolsas no mundo estão. Mas Lula está no radar, porque representa mais incertezas quanto ao comprometimento de encarar as reformas. Ninguém sabe se o Lula versão 3.0 manteria os ajustes estritamente necessários, enquanto um candidato de centro, que herdaria a agenda do governo atual, viria com mais credibilidade”, apontou. (SK)