Título: Cristina critica recusa ao diálogo
Autor: Vicentin, Carolina
Fonte: Correio Braziliense, 03/04/2012, Mundo, p. 17

No 30º aniversário do conflito com o Reino Unido, presidente argentina homenageia veteranos e promete identificar soldados mortos

De um lado, cerimônia, manchetes nos jornais e barulho, nas ruas e na internet. De outro, uma singela lembrança do conflito — e a garantia de ter artilharia capaz de inibir qualquer ação militar do inimigo. O 30º aniversário da Guerra das Malvinas marcou o crescente embate entre a presidente Cristina Kirchner e o governo britânico. Falando da Terra do Fogo, no extremo sul da Argentina, a mandatária voltou a defender o diálogo e fez questão de criticar a postura dos britânicos, que se negam a discutir a soberania das ilhas. O ministro da Defesa do Reino Unido aproveitou a data para ressaltar que o arquipélago segue sob intensa vigilância, para "não repetir os erros de 1982". Em Buenos Aires, manifestantes de esquerda entraram em confronto com a polícia durante um protesto em frente à embaixada britânica.

Cristina foi a Ushuaia homenagear os veteranos e os mortos na guerra. "Vimos oferecer reconhecimento a esses homens, cujas medalhas e condecorações foram colhidas no campo de batalha. Mas também viemos pelas centenas de jovens que foram ao combate nas ilhas", disse. Em meio à comoção, a presidente reconheceu que a guerra se deu no contexto da ditadura militar, quando os argentinos sofriam severas restrições à liberdade. "O 2 de abril não foi uma decisão do povo", assinalou, lembrando que havia "detidos e desaparecidos" no país. Cristina também prometeu identificar os corpos dos soldados enterrados no arquipélago. Na última sexta-feira, ela pediu ajuda da Cruz Vermelha para a tarefa. "Todos merecem ter seu nome em uma lápide", afirmou. Há mais de 100 corpos sem identificação, enterrados na capital das Malvinas.

A governante aproveitou para negar que queira desrespeitar a vontade dos cerca de 3 mil habitantes do arquipélago. "Poucos países no mundo têm a liberdade migratória que existe na Argentina. Como não vamos respeitar os interesses dos moradores das ilhas?", questionou. Em janeiro, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, revoltou os argentinos ao chamá-los de "colonialistas", pela insistência em discutir o controle do território. "Não é possível que só possam violar leis os países poderosos e que estão sentados em uma cadeira do Conselho de Segurança das Nações Unidas", criticou Cristina no discurso de ontem.

A ONU aprovou uma resolução que determina o diálogo entre Reino Unido e Argentina, mas Londres insiste no argumento de que se alinha à vontade dos kelpers (moradores das ilhas), que querem permanecer sendo cidadãos britânicos. Ainda assim, em artigo publicado ontem pelo jornal Financial Times, o chanceler britânico, William Hague, acenou com a ideia de "trabalhar conjuntamente" em uma base tripartite — Reino Unido, Argentina e Malvinas.

A posição dos kelpers é um dos principais obstáculos à pretensão argentina. "Uma vez que os residentes das Falklands rejeitam qualquer forma de soberania compartilhada, não acho que deve haver nenhum acordo que possa alterar o status do território", afirma Mark Jones, professor na Universidade de Rice e estudioso de assuntos latino-americanos. "A postura beligerante de Cristina Kirchner só serve para fortalecer a resistência dos kelpers", ressalta. O ministro da Defesa do Reino Unido, Philip Hammond, rechaçou a informação de que o país estaria hoje vulnerável a uma eventual ofensiva militar argentina. "Temos muito clara a nossa posição em relação às Falklands. Não vamos repetir os erros de 1982 e permitir que as ilhas sejam tomadas", afirmou, segundo a agência Telam.

Três perguntas para - Rafael Wollman

Fotógrafo argentino que registrou os primeiros dias da guerra

Como foi o dia em que a guerra começou? Fiquei sabendo da "invasão" em 1º de abril, por volta das 20h. O governador das ilhas interrompeu a transmissão de rádio e anunciou. Passei essa noite na casa do motorista (Don Bonner, morador das Malvinas), ao lado da residência do governador, Rex Hunt. Lá se concentrou a resistência. Durante a madrugada, (o militar argentino) Héctor Gilobert foi à casa do governador com uma bandeira branca, pedir a rendição. Ali eu tirei a minha primeira foto. Pelo brilho da teleobjetiva, percebi um disparo que quebrou a janela e bateu no teto. Me arrastei pela escada e, minutos depois, marinheiros começaram a sair com os braços para o alto, e assim fiz as fotos mais conhecidas.

Por quanto tempo você permaneceu nas ilhas depois do início do conflito? O meu material geográfico tinha sido apreendido pela Força Aérea, que o revelou para saber o que continha. Passei a noite do dia 2 e a manhã do dia 3 pensando em como retirar esse material da ilha. Os oficiais me diziam que tinham coisas mais importantes no que pensar. Por sorte, no dia 3 a Força Aérea mandou um avião com repórteres gráficos, uns 40. Às 17h do mesmo dia, esse avião voltou ao continente e eu consegui ir junto. Não tive problemas para trazer meu material, que ainda eram rolos de filme em preto e branco, sem revelar.

Passados 30 anos, qual é a sua opinião sobre a guerra? O plano original era tomar as Malvinas e, em 3 de abril, retirar todos os soldados e mergulhadores, deixar apenas uns 40 homens e dizer a Londres: "Vamos negociar". Mas a Praça de Maio cheia de gente (em Buenos Aires) fez a cabeça do general Leopoldo Galtieri, que mudou os planos e mandou 8 mil soldados às ilhas. A resposta de Margaret Thatcher não demorou e, em 1º de maio, com a chegada da frota britânica, começou a guerra. O conflito serviu para cada país de uma maneira: a Argentina recuperou a democracia e a Inglaterra reafirmou o poder de Thatcher. O indiscutível é que a guerra, em si, não serviu. Houve muitos mortos, tanto nas batalhas como em anos posteriores. Como país, nós não cuidamos dos ex-combatentes e há pouco tempo estamos dando o reconhecimento que eles deveriam ter recebido há 30 anos, assim que saíram dos barcos.

-------------------------------------------------------------------------------- adicionada no sistema em: 03/04/2012 02:48