Valor econômico, v. 18, n. 4393, 04/12/2017. Política, p. A8.

 

 

Empreiteiras estão mais perto da inidoneidade

Murillo Camarotto

04/12/2017

 

 

Ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) vão se reunir em janeiro para sacramentar a declaração de inidoneidade das empreiteiras Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez. A punição, se confirmada, virá como decorrência do fracasso das negociações entre as empresas e a força-tarefa da Lava-Jato no Ministério Público Federal (MPF).

Na semana passada, o MPF encaminhou ao ministro do TCU, Bruno Dantas, um ofício no qual os procuradores reconhecem que não conseguiram convencer as empresas a atualizar o valor dos seus respectivos acordos de leniência. O ajuste, conhecido como "recall", serviria para incluir nos acordos os prejuízos causados pelo cartel que fraudou a licitação das obras de montagem usina nuclear de Angra 3.

O contrato de montagem eletromecânica foi alvo de uma ampla auditoria do TCU, concluída em março deste ano. Na ocasião, o tribunal declarou inidôneas UTC, Queiroz Galvão, Techint e EBE, integrantes do consórcio responsável pelo projeto. Odebrecht, Camargo e Andrade, que também participavam do consórcio, tiveram suas condenações suspensas a pedido do MPF.

O argumento do procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava-Jato em Curitiba, era de que as empresas haviam se tornado colaboradoras e que, por isso, mereciam tratamento diferenciado. As três gigantes da construção fizeram acordo de leniência com o MPF, pelos quais pactuaram o ressarcimento de bilhões de reais ao erário.

Com exceção da Odebrecht, o valor dos acordos foi fechado sem qualquer base técnica, ou seja, não há garantias de que os prejuízos causados aos cofres públicos estão sendo integralmente ressarcidos, o que é exigido pela legislação. O TCU, nesse sentido, queria que os valores referentes a Angra 3 fossem incluídos nos acordos, algo que Dallagnol tentou negociar, mas não conseguiu.

Passados mais de nove meses da decisão original do TCU, os procuradores jogaram a toalha nesta semana, sob o argumento de que as negociações com as empresas não evoluíram conforme o que estava previsto.

"Apesar da realização de diversas reuniões por parte de membros desta força-tarefa com integrantes desse tribunal e com representantes das empresas, e apesar da boa vontade declarada e demonstrada por todas as partes, não foi possível, até o momento, alcançar consenso sobre a forma e consequências da colaboração das empresas junto à Corte", diz o ofício do MPF.

O que mais irritou o TCU, no entanto, foi um trecho nos qual os procuradores concluem que a participação do MPF como intermediário estaria dificultando um acerto entre as empresas e o tribunal de contas. Dallagnol, bem como os colegas Paulo Galvão e Jerusa Kurmann Viecili, passaram a defender uma negociação direta entre empreiteiras e tribunal, sugestão que deixou possessos os ministros do TCU.

Eles acreditam que, agora, o MPF quis jogar para o TCU o ônus de punir as empresas para depois poder dizer que o tribunal atuou contra a Lava-Jato. "Nove meses depois de pedirem a suspensão das penas eles vêm dizer que a participação deles estava atrapalhando? Isso é um desrespeito conosco", afirmou ao Valor um ministro do TCU.

Ao tomar conhecimento do ofício do MPF, os ministros disseram que não estão dispostos a negociar com as empresas. Essas, por sua vez, já alegam há algum tempo que os acordos de leniência assinados contemplam todos os valores que podem pagar, ou seja, há pouco ou nenhum espaço para reajustes nesses valores.

Diante desse cenário, alguns ministros do tribunal já manifestaram a intenção de pedir a declaração de inidoneidade das três em janeiro. Antes, no entanto, pretendem buscar o respaldo do Ministério Público de Contas, que costuma ter posição alinhada com a equipe da Lava-Jato.

Ciente da possibilidade de punição quase imediata das empresas pelo TCU, Dallagnol fez um alerta: a declaração de inidoneidade das três pode comprometer seriamente a credibilidade do instituto do acordo de leniência e, com isso, torná-los desinteressantes para as empresas. Quem é declarado inidôneo fica até cinco anos impedido de participar de licitações e não pode tomar empréstimo em bancos públicos.

"A depender do tratamento dado às empresas colaboradoras na Lava-Jato, será preservado ou não o interesse em acordos futuros por parte de pessoas investigadas, o que tem repercussão direta e indireta sobre a expansão das investigações, a responsabilização de novos criminosos e a ampliação do ressarcimento aos cofres públicos", disse Dallagnol.

Além dos problemas com o TCU, Odebrecht, Camargo e Andrade ainda podem ser declaradas inidôneas pela Controladoria-Geral da União (CGU), que é responsável pelos acordos de leniência administrativos, enquanto que o MPF cuida dos acordos em âmbito penal.