Valor econômico, v. 18, n. 4397, 08/12/2017. Política, p. A8.

 

 

Caravana de Lula avança contatos com PMDB e tem conflito com fãs de Bolsonaro

Cristian Klein

08/12/2017

 

 

A polarização entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ), líderes na corrida presidencial de 2018, tomou conta da Praça Rui Barbosa, em Nova Iguaçu, onde o petista reuniu mais de 500 pessoas no último ato de ontem da caravana que percorre municípios do Rio de Janeiro. Cerca de 70 partidários de Bolsonaro, com faixas e palavras de ordem, fizeram protesto e o clima esquentou. Uma fileira de policiais militares serviu de muro de contenção dos ânimos à flor da pele. O confronto era iminente. Desgarrado do grupo organizado, um estudante de 18 anos, Wallace Souza, ficou atônito depois que um militante do PT estourou um ovo em sua cabeça. "Esperta é a barata que não atravessa o galinheiro", pregou outro petista, que já observava, impaciente, as críticas do estudante a Lula.

Mais atrás, no início de uma das ruas que desembocam na praça, havia o protesto organizado de militantes de Bolsonaro, uniformizados. A maioria vestia preto e foi convocada em redes sociais e era liderada por gente ligada ao deputado federal e seu futuro partido, o Patriota/PEN. Entre eles estava Rodrigo Amorim, que foi candidato a vice-prefeito do Rio, no ano passado, na chapa do deputado estadual Flávio Bolsonaro, filho do presidenciável. Os apoiadores do ex-militar negaram que o protesto fosse uma provocação para estragar o ato petista ou que Bolsonaro estivesse por trás da manifestação. "É espontâneo. Dizer que estragamos a festa é do que eles nos acusam. É uma festa democrática", disse Amorim, que pertencia ao PRP e se filiará ao Patriota.

Exaltada, a cabeleireira Charlo Ferreson, 44 anos, pulava enquanto o grupo entoava slogans antipetistas: "Eu vim de graça!", "Lula, cachaceiro, devolveu o meu dinheiro". Candidata a vereadora no Rio pelo PSC de Bolsonaro, no ano passado, ela afirma ser da Rede Nacional de Direita, e enumerava as seções locais do movimento Endireita: Belford Roxo, Duque de Caxias, Nova Iguaçu, cidades que Lula visitou ontem - além de Itaboraí e Magé.

Depois de Campos de Goytacazes, região norte do Estado, o protesto de militantes de Bolsonaro em Nova Iguaçu foi o segundo maior durante a caravana, que termina hoje com ato na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), na capital. Na primeira caravana de Lula, pelo Nordeste, entre agosto e setembro, protestos vinham de integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL), um dos grupos que apoiaram o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

À frente dos militantes de ontem, estavam ainda presidentes dos diretórios municipais do Patriota em Mesquita, São João de Meriti, Nova Iguaçu e Nilópolis, dirigido por Felipe Cavalcanti, ex-secretário de Segurança do ex-prefeito Alessandro Calazans (2013 a 2016), que foi denunciado, em 2005, pelo Ministério Público por favorecer em CPI o bicheiro Carlinhos Cachoeira. Outros grupos presentes eram o União Direita Brasil e o Politicamente Incorreto.

Na terceira caravana nacional como pré-candidato, depois de peregrinações pelo Nordeste e por Minas Gerais, em outubro, Lula teve que lidar com públicos consideravelmente menores no Espírito Santo e no Rio de Janeiro. A aposta maior de Lula e dos petistas foi nos contatos com políticos que podem representar uma ampliação do arco de alianças, num movimento de direção ao centro e centro-direita.

Em Duque de Caxias, a concentração que aguardava Lula somava cerca de 200 pessoas. Ex-vice-prefeito do Rio, durante mandato do pemedebista Eduardo Paes, Adilson Pires disse que o PT não fará aliança formal com o PMDB mas interessa o apoio de líderes do partido do presidente Michel Temer, como Roberto Requião, no Paraná, Jader Barbalho, no Pará, e de Paes, pré-candidato ao governo do Rio. "Vai depender da realidade de cada Estado", disse Pires, que é integrante do diretório nacional do PT.

Ele citou a aproximação de Lula com outros partidos como o PSB de Pernambuco e o PP do Piauí, comandado pelo presidente nacional da legenda. "O Ciro Nogueira declarou há uns dez dias que via com muita simpatia a aliança com Lula no Estado. No Pará, com Barbalho pode ocorrer mesmo", disse, acrescentando que até com o PSD do ministro Gilberto Kassab as alianças são possíveis. "Lula deixou claro numa reunião do diretório nacional que vamos para ganhar. Com o PT sozinho não dá. Vai ser eleição de muita conveniência local", afirmou Pires.

O petista conta que foi consultado por Lula, em reunião ocorrida em hotel no Rio, há um mês e meio, se deveria encontrar com o governador Luiz Fernando Pezão na caravana que termina amanhã. "Disse que sim, Pezão está num momento péssimo, mas foi leal na campanha de Dilma. Seria de bom tom a conversa", afirmou. Ao Valor, o vice-presidente nacional, Márcio Macêdo, coordenador da caravana, disse que o encontro não ocorrerá.

No palanque, o locutor que esquentava o público conclamava pedestres: "Podem dizer: eu errei e apoiei o golpe e se juntem a nós", afirmava numa referência ao impeachment de Dilma. Ex-chanceler de Lula e Dilma, por 11 anos e meio, Celso Amorim também defendeu a aproximação com quem esteve do outro lado no impeachment. "Não é campanha de ódio. A gente pode perdoar, mas a gente só pode perdoar os arrependidos", disse.

Aos 75 anos, Amorim é pré-candidato do PT ao governo do Rio. Seria sua primeira eleição. "Nem a grêmio concorri na escola. Me sinto jovem, meu pai morreu com 101 anos. Troquei os punhos de renda pela mochila", disse o ex-ministro das Relações Exteriores. A candidatura de Amorim, porém, depende do fator Paes. O ex-prefeito planeja sair do desgastado PMDB. Foi convidado pelo PDT e também seria a opção do PSDB. "Pelo que escuto, ele está muito mais para o PDT do que para o PSDB", disse o deputado federal Celso Pansera, do PMDB.

Também pemedebista, o prefeito de Duque de Caxias, Washington Reis, teve encontro discreto com Lula no restaurante Casa do Alemão, na beira da Rodovia Washington Luiz. Segundo Pansera, o caminhão/palanque utilizado por Lula era da própria estrutura política do prefeito, que preferiu o apoio comedido ao petista. Ex-ministro de Ciência e Tecnologia, Pansera tem posição abertamente favorável a Lula. "O PMDB não tem unidade para lançar candidato a presidente. Estive em Fortaleza e pessoas vinculadas ao Eunício [Oliveira, presidente do Senado] dão como certo o apoio dele a Lula e à reeleição do governador do PT, Camilo Santana", disse.

No discurso de pouco menos de meia hora em Duque de Caxias, Lula defendeu as conquistas de seu governo, praguejou contra o impeachment de Dilma - "neste golpe surgiu a figura de Temer" - e atacou o pemedebista e o governo federal, a mídia e os procuradores da operação Lava-Jato, os quais chamou de "bando de moleques".

Na Praça do Relógio, o petista disse que a população brasileira vai voltar a viver como no tempo de seu governo, quando podia, disse, "comprar carro, celular, trocar de casa, fazer um puxadinho, tratar dos dentes, viajar de avião e fazer um churrasco todo fim de semana tomando uma cervejinha gelada".

Apesar das críticas aos adversários políticos e à Lava-Jato, Lula disse que "vai ganhar sem ódio". "Não pensem que sou contra a Lava-Jato. Prender ladrão é uma necessidade. O empresário que roubou tem que ser preso. Mas não pode confundir prender empresário com quebrar empresa", disse. O ex-presidente citou como exemplo positivo a sul-coreana Samsung.