Valor econômico, v. 18, n. 4399, 12/12/2017. Especial, p. A12.

 

 

ENTREVISTA - Henrique Meirelles

Claudia Safatle e Cristiano Romero

12/12/2017

 

 

O Brasil possui algumas "âncoras" para enfrentar eventuais turbulências durante a campanha eleitoral de 2018. Ao contrário de 2002, quando as eleições geraram uma crise de confiança que levou a cotação do dólar a R$ 4, fez a inflação chegar a 12,5% e, por pouco, não obrigou o governo a dar um calote no pagamento da dívida, o país tem hoje reservas cambiais de cerca de US$ 380 bilhões, a dívida mobiliária indexada à taxa de câmbio - 40% do total daquele momento - é residual, o Tesouro Nacional dispõe de um colchão confortável de liquidez para atravessar períodos de alta volatilidade e o déficit em conta corrente do balanço de pagamentos é financiado com folga por investimento estrangeiro direto.

Em entrevista ao Valor, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, disse que essas "âncoras ajudam, mas [a volatilidade] vai depender das pesquisas eleitorais". Se os candidatos que liderarem a corrida negarem as reformas já feitas e as necessárias para o futuro, haverá turbulência. "Aí, teremos problemas, não tenham dúvida."

Meirelles acredita que, se a reforma da Previdência for aprovada até lá, aliviará bastante o processo eleitoral porque será um tema a menos a ser tratado pelas campanhas. Ele lembra que essa reforma não resolve todo o problema fiscal. O próximo governo, disse, terá que tratar de temas como a indexação do salário mínimo à inflação e ao PIB. A seguir, os principais trechos da entrevista:

 

Valor: O que o senhor achou da convenção do PSDB? A reforma da Previdência passa?

Henrique Meirelles: Foi um passo positivo em direção ao aumento do apoio à reforma. O trabalho de busca de maioria para aprová-la é intenso, constante, está em andamento e estamos todos empenhados. Hoje, a perspectiva é mais positiva do que era há algumas semanas.

 

Valor: O sr. diria que dá para votar esta semana?

Meirelles : A pauta é determinada pela presidência da Câmara, mas o mais provável é que a proposta seja discutida esta semana e, possivelmente, possa ser votada na semana que vem.

 

Valor: Já há alguma segurança de que o governo tenha maioria?

Meirelles: Estamos buscando essa segurança.

 

Valor: A reforma não ficará acanhada por causa das concessões feitas, como um novo Refis, para aprová-la?

Meirelles: Não. A reforma, como está hoje o substitutivo, gera mais de R$ 600 bilhões de economia em dez anos. É uma proposta substantiva, importante, que vai fazer diferença para o equilíbrio fiscal do país.

 

Valor: Esgota a necessidade de outras reformas na seguridade?

Meirelles: Se aprovado tal como está o projeto substitutivo do deputado Arthur Maia, pode assegurar a estabilização da dívida/PIB nos próximos anos. Temos que ver qual será o formato final.

 

Valor: Há espaço para negociar novas concessões?

Meirelles: Nossa posição é defender o projeto como está hoje. O Congresso, evidentemente, é soberano.

 

Valor: Se as mulheres vivem mais, por que a idade mínima para aposentadoria deve ser menor?

Meirelles: Esse é um tema de longa discussão que extrapola a questão previdenciária e considera a dupla ou tripla jornada de trabalho das mulheres. Lembro, porém, que na presente proposta a idade mínima nos primeiros dois anos será de 55 para homens e 53 para mulheres - diferença menor da está na Constituição - e evolui para 65 e 62 anos, respectivamente, em 20 anos.

 

Valor: Do jeito que ficou, a reforma assegura o cumprimento do teto de gasto a partir de 2018?

Meirelles: Sim, mas dependendo de outras medidas que deverão ser tomadas. De novo, temos que partir do pressuposto de que o projeto será aprovado como está. Evidentemente, isso não significa um 'cheque em branco' para gastar a partir daí em outros itens. O próximo governo, por exemplo, quando for decidir sobre a nova política de reajuste do salário mínimo, a partir de 2019, vai ter que olhar isso, assim como os mecanismos de indexação de algumas despesas ao salário mínimo. O mesmo terá que ocorrer com os reajustes salariais do funcionalismo público.

 

Valor: E se a reforma não passar, o governo acaba?

Meirelles: Não. Estamos implantando um abrangente programa de reformas que vai além do equilíbrio fiscal. Estamos implantando um programa de reformas microeconômicas para facilitar os investimentos e melhorar o ambiente para a produção. A reforma trabalhista, já aprovada, vai aumentar o emprego e a produtividade. A tributaria está em andamento e há, também, uma série de outros projetos importantes em andamento como cadastro positivo, a TLP, a duplicata eletrônica, a letra imobiliária garantida, vitais para o país crescer mais e melhor.

 

Valor: Mas a solvência do setor público está assegurada?

Meirelles: Nossa garantia de solvência terá que ser enfrentada. Temos dito que a reforma da Previdência tem que ser enfrentada e, quanto mais cedo, melhor. Não é projeto deste governo, mas um projeto de país. Terá que ser feita.

 

Valor: Os mercados deram um crédito ao governo e a situação fiscal não melhorou na gestão Temer. Se a reforma não passar, haverá forte deterioração de bolsa, câmbio e juros. Como o sr. vê esse risco?

Meirelles: Vai depender de uma série de coisas. Há âncoras de estabilidade de curto prazo.

 

Valor: Quais?

Meirelles: As reservas internacionais de cerca de US$ 380 bilhões. As transações correntes do balanço de pagamento são financiadas com folga pelo investimento estrangeiro direto e, portanto, dão grande estabilidade ao mercado cambial. Temos também a trajetória de inflação, que hoje [ontem], na pesquisa Focus, trouxe expectativas de que seja de 2,88% neste ano, abaixo do piso da meta, e de 4,02% em 2018, abaixo da meta. O Tesouro Nacional está bem posicionado. Mas é importante reforçar que a reforma da Previdência tem que ser feita. Há outros aspectos sobre a Previdência.

 

Valor: O quê, por exemplo?

Meirelles: Alguns países europeus que não fizeram a reforma previdenciária no momento adequado, só se moveram quando já estavam em crise fiscal séria, tiveram que, entre outras medidas, cortar salários dos servidores públicos e reduzir as aposentadorias de quem já estava aposentado. E cortaram mais de uma vez.

 

Valor: Que países fizeram isso?

Meirelles: Portugal e Grécia. Já a Alemanha fez a reforma na hora certa e não teve problema, também fez a reforma trabalhista no momento adequado e aumentou o índice de emprego. Isso mostra que a reforma da Previdência é necessária e acho que deve ser aprovada agora. Cada vez vemos mais o aumento da consciência sobre a sua necessidade.

 

Valor: Quem tem reagido mais?

Meirelles: A oposição e grupos de interesses específicos.

 

Valor: Quais?

Meirelles: A maior reação organizada é de corporações do serviço público. Mesmo as centrais sindicais fizeram reuniões com o presidente Temer e comigo e reconhecem que o debate é válido e importante.

 

Valor: Sem a reforma, o governo seguirá o exemplo dos europeus?

Meirelles: Se não fizermos no tempo adequado, sim, não tenham dúvida! Por isso, digo que a reforma da Previdência será feita. Principalmente, porque nos países europeus não se discutiu essa questão, ignorou-se o tema até o Tesouro ficar insolvente. Aqui estamos discutindo a tempo e a hora.

 

Valor: Não há risco de insolvência no Brasil?

Meirelles: Estamos longe disso.

 

Valor: Mas essa reforma é debatida desde o início dos anos 1990.

Meirelles: Agora existe uma proposta concreta, que está em discussão no Congresso para ser votada, e a consciência nacional hoje é diferente. A Previdência Social é, atualmente, uma discussão nacional e não uma questão pontual. Mas é urgente, tanto que queremos votar neste ano.

 

Valor: As concessões que o governo tem feito - por exemplo, mais um Refis - não agravam a situação fiscal e contradizem a reforma?

Meirelles: Isso aumenta a urgência de aprovação da reforma. Não há dúvida de que temos posição de defesa do ajuste fiscal e de equilíbrio das contas públicas. Mas vivemos num Estado de direito. O Congresso é soberano e aprova suas leis de acordo com a maioria. Estamos diuturnamente com o Congresso, com a opinião pública, visando ao equilíbrio fiscal. Tomamos o cuidado de aprovar, antes de mais nada, o teto para o gasto e essa foi a melhor estratégia.

 

Valor: Por quê?

Meirelles: Primeiro, porque estabeleceu-se um teto e, portanto, a necessidade de reformas, particularmente a da Previdência. Sem a lei do teto, essa discussão seria muito mais difícil. Hoje, o gasto da Previdência e dos demais benefícios (Loas, abono salarial, dentre outros) corresponde a 55% do gasto total da União. Sem reforma, em dez anos esse gasto vai para 80% do Orçamento, o que é inadministrável. Isso quantifica a necessidade da reforma. Com o teto, fica claro que, se nada for feito, não haverá mais espaço para educação, saúde, infraestrutura e segurança, o que torna mais forte e óbvia a necessidade da reforma.

 

Valor: Mas o próximo presidente pode concluir que o teto é difícil de cumprir e, por isso, derrubá-lo.

Meirelles: Bom, partindo do pressuposto de que o próximo presidente e o próximo Congresso serão irresponsáveis fiscalmente, então, qualquer coisa pode acontecer. E o país terá problemas. Um ponto importante é que o teto tem mecanismos de autocorreção muito fortes. Se não se aprova nada e a despesa encosta no teto, congelam-se os salários nominais dos servidores, congelam-se a criação de novos cargos e a concessão de subsídios que forem vencendo. Não tem discussão. Isso ajuda a institucionalizar o teto.

 

Valor: O sr. vê o risco de a campanha eleitoral de 2018 repetir 2002, quando a taxa de câmbio chegou a R$ 4 e a inflação saltou para 12%?

Meirelles: Vai depender da aprovação da reforma da Previdência, que não é a solução para tudo, mas alivia bastante o processo. Se o candidato que estiver liderando as pesquisas quiser voltar atrás nas reformas, acabar com o teto de gasto, teremos problema. O país é responsável por suas escolhas. Temos as âncoras, o Tesouro está com perfil de dívida mais confortável, não temos mais 40% da dívida indexada à variação cambial [como estava em 2002] e as reservas são de US$ 380 bilhões. Essas âncoras ajudam, mas vai depender das pesquisas eleitorais. Se as propostas gerarem dúvidas sobre a manutenção de tudo isso, teremos problemas. Não tenham dúvida.

 

Valor: O sr. foi do PSDB, partido que promoveu reformas durante o governo FHC. Na semana passada, o sr. fez duras críticas ao PSDB, em entrevista à "Folha de S. Paulo". Algo mudou de lá para cá?

Meirelles: Não só a minha entrevista, mas vários pronunciamentos, inclusive do PSDB, foram positivos nessa direção. A própria convenção do partido indica um direcionamento do PSDB mais alinhado com a perspectiva de reformas. Há sinais de que o partido pode ter mudado. É importante que cobremos de todos os partidos com histórico de propostas de reformas que mantenham coerência.

 

Valor: O sr. vai sair do PSD?

Meirelles: Não há razão neste momento para pensar nisso.

 

Valor: O sr. deu a entender que é pré-candidato à Presidência. Não seria importante estar num partido mais forte?

Meirelles: Hoje não sou pré-candidato. Estou 100% do meu tempo concentrado no trabalho de ministro da Fazenda. Além disso, há os prazos legais para definição. No fim do primeiro trimestre, tem o prazo para desincompatibilização do cargo. Tenho até 6 de abril para tomar uma decisão. A mudança de partido é até fevereiro. Vamos analisar como as coisas caminham até lá. O presidente do PSD, Gilberto Kassab, tem manifestado apoio total na eventualidade de me candidatar.

 

Valor: O sr. diz que não é candidato, mas admite a possibilidade de sê-lo. Isso não compromete seu trabalho e a aprovação das reformas?

Meirelles: Não. Acho que não. Uma possibilidade não é algo que faça alguém deixar de decidir sobre questões tão relevantes.

 

Valor: A entrevista à "Folha" foi interpretada como "estou no jogo eleitoral".

Meirelles: O que eu disse lá não é nada diferente do que estou dizendo aqui. Vivemos num país democrático, a imprensa é livre. As pessoas interpretam como quiserem, o que é ótimo. Temos liberdade de opinião.

 

Valor: Inflação abaixo do piso neste ano significa que o Banco Central (BC) terá que escrever uma carta explicando o que aconteceu ao ministro da Fazenda. O Copom pesou a mão nos juros?

Meirelles: Se a inflação ficar abaixo do piso [3%], a ideia da carta é exatamente para não se fazer um julgamento mecânico. A carta, seja por violação do piso ou do teto, visa exatamente ter uma justificativa técnica do BC sobre as razões que levaram àquele resultado. Pode haver várias questões. Uma delas foram os preços de alimentos, que caíram além do esperado. Alguns desses movimentos estão sujeitos à política monetária.

 

Valor: O que o sr. vê como justificativa?

Meirelles: Não vou me colocar aqui na posição de presidente do BC, porque seria absolutamente incoerente com tudo que eu disse enquanto estive lá [como presidente, de 2003 a 2008].

 

Valor: Podemos acreditar que, por causa dessa inflação mais baixa, o país terá um período maior de juros baixos?

Meirelles: Vai depender de uma série de coisas. Primeiro, o BC está analisando muito a questão das defasagens de política monetária. O efeito na inflação deste ano adveio de decisões de política monetária tomadas até o ano passado. E as decisões de política monetária agora vão fazer efeito vários meses à frente na atividade e depois na inflação. Então, evidentemente, o BC está analisando com muito cuidado esses efeitos defasados que estão ocorrendo agora para, aí sim, planejar os próximos passos.

 

Valor: Turbulências durante a campanha podem comprometer a trajetória da inflação em 2018?

Meirelles: Os efeitos das turbulências eleitorais não são unidirecionais. Você pode ter alguns movimentos nessa direção, aumentando a incerteza, portanto, aumentando a capacidade reativa dos formadores de preço para manter margem, subir preço para se precaver. Mas tem o efeito em outra direção também, que é o fato de que teríamos também queda de investimento na hipótese de uma evolução negativa.

 

Valor: Diante da revisão das projeções do mercado, o sr vai rever os parâmetros macroeconômicos para este ano e o ano que vem?

Meirelles: Sim, deveremos divulgar isso na quinta-feira. Estamos neste momento definindo quais são as nossas previsões para o fim deste ano e o ano de 2018. Projeções de PIB, inflação.

 

Valor: Fazenda e BC já estão preparados para enfrentar volatilidades nos mercados em 2018?

Meirelles: A resposta é sim. Preparados estamos, agora, evidentemente, isso é objeto de decisão a cada momento. Não posso antecipar aqui qual será a decisão do Tesouro ou do BC a cada momento, mas não há dúvidas de que estamos preparados para enfrentar turbulências de curto prazo, mas não de longo prazo. Longo prazo é questão de tendência, ninguém pode dizer que o Brasil pode aguentar qualquer coisa, qualquer decisão nos próximos anos. Isso não! Aí, não há país que aguente.

 

Valor: A nova lei de recuperação judicial parou na Casa Civil, segundo apurou o Valor porque o projeto da Fazenda beneficia os credores e o governo e não as empresas.

Meirelles: Ainda não tratei do assunto com o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha. Essa proposta foi enviada para a Casa Civil, o que é absolutamente correto, e eles estão analisando. Em algum momento, mais para o fim desta semana, acredito que estará em tempo hábil para sentarmos e fazermos uma avaliação e ver se há alguma observação, alguma sugestão de mudança, como em qualquer projeto. Esse debate é pertinente e relevante.

 

Valor: Tem ficado cada dia mais claro que a reforma da Previdência é crucial, mas insuficiente para resolver a grave crise fiscal do país. Haverá também a reforma da folha de salários do funcionalismo?

Meirelles: Há várias propostas importantes. A correta administração fiscal do país é algo que está aqui para ficar.

 

Valor: Se o sr. tivesse que escolher na reforma tributária uma medida relevante, escolheria qual?

Meirelles: A do PIS/Cofins é uma proposta que está bastante desenvolvida, acredito que é uma prioridade, mas não estou dizendo qual é a proposta porque, de novo, um passo de cada vez. Ainda há uma série de coisas para este ano, depois disso vamos para a tributária.

 

Valor: A atual política de reajuste do salário mínimo tem vigência até 2019. O senhor vai deixar alguma proposta encaminhada?

Meirelles: Não. O próximo presidente vai definir qual é a proposta. Agora, acho que cada vez mais a campanha eleitoral de 2018, mais à frente, vai começar a ser um fator relevante para a discussão dessas questões. Não há dúvida de que, se aprovarmos a Previdência, já tira um desafio grande da frente. Se, porventura, o que eu não acredito, ela não for aprovada, aí já seria mais um tema a ser discutido no período eleitoral, o que aumentaria a volatilidade dos mercados. Então, eu espero que aprove.