O globo, n. 30698, 24/08/2017. País, p. 3.

 

Fundo oco

Catarina Alencastro/ Cristiane Jungblut

24/08/2017

 

 

Se for aprovado, valor de financiamento público eleitoral será decidido por comissão

 

 

Após seguidas tentativas, a Câmara finalmente iniciou ontem a votação da reforma política em plenário e conseguiu retirar do texto dois dos pontos mais polêmicos: o artigo que estabelecia um percentual de 0,5% das receitas do governo para abastecer o fundo eleitoral e a definição de um mandato de dez anos para magistrados de cortes superiores. A sessão deixou explícita a dificuldade que os deputados enfrentam em aprovar temas mais criticados da reforma, como a criação do fundo eleitoral bilionário e a mudança do sistema eleitoral atual para o chamado distritão. O tema volta ao plenário semana que vem.

Na sessão de ontem, os deputados sequer chegaram a discutir a validade dos dois pilares do texto relatado pelo deputado Vicente Cândido (PT-SP): a criação do fundo em si e a mudança do sistema eleitoral para eleger deputados e vereadores, pelo distritão, que elege os mais votados, independentemente da força de seus partidos. A retirada do percentual do orçamento que será destinado à campanha deixará a cargo da comissão de orçamento a definição do valor caso os deputados consigam aprovar o trecho do projeto que cria o fundo. Ou seja: os R$ 3,6 bilhões de dinheiro público para campanhas estão enterrados. A Comissão de Orçamento, porém, pode decidir outro valor.

A percepção crescente entre os deputados é que as chances de uma reforma política avançar para além de pontos periféricos são remotas. Percebendo a dificuldade de se chegar a um acordo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), encerrou a votação da matéria tão logo foi votada a retirada do valor do fundo. Além da polêmica que cerca o assunto, como se trata de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), para aprovação são necessários os votos de pelo menos 308 dos 513 deputados em dois turnos e depois outros dois turnos de votação no Senado com a aprovação de 49 dos 81 senadores.

— Se não tem acordo, é muito difícil votar alguma coisa — reconheceu o líder do governo na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).

— Está muito difícil aprovar alguma coisa — disse Pedro Vilela (PSDB-AL).

O destaque retirando valor de R$ 3,6 bilhões do fundo foi aprovado por 441 a favor e apenas um contra. Em seguida, Maia encerrou a discussão.

 

DISTRITÃO PERDE FORÇA

A retirada do valor de um eventual fundo público para financiar campanhas eleitorais só foi possível porque houve acordo e aprovação, antes, de um requerimento apresentado pelo PP para fatiar o texto de Cândido e levar a cabo uma votação em partes, tema por tema. A decisão sobre financiamento público serviu para mostrar que não há votos suficientes para aprovar o ponto seguinte, que, pela ordem, seria o distritão. Isso porque quem votou a favor do fatiamento era, na prática, favorável ao distritão como primeiro ponto a ser votado depois do fundo. O requerimento foi aprovado por 241 votos, quando são precisos 308 votos para aprovar o distritão e o distrital misto.

— Ficou claro que eles não têm voto para aprovar o distritão — disse o líder da minoria na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE)

A proposta para suprimir o artigo sobre a composição do fundo foi acordada entre os aliados do governo e oposição, em especial o PT, partido do relator do texto que trazia essa previsão inicial. No fim, a retirada do valor do fundo foi o único ponto de consenso entre os partidos na noite de ontem. Com isso, caso o vento mude e se consiga formar maioria para o fundo, o texto não trará um valor fixo.

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Comissão aprova cláusula de barreira gradativa

Catarina Alencastro

24/08/2017

 

 

Projeto acaba com coligações para eleições de deputados e vereadores

 

 

A comissão especial da reforma política que trata do projeto para limitar o número de partidos no país aprovou ontem o parecer da deputada Shéridan (PSDB-RR). O texto acaba com as coligações partidárias para as eleições de deputados e vereadores já a partir do ano que vem e cria uma cláusula de barreira gradativa de 2018 até 2030.

A votação foi simbólica e teve o aval quase unânime dos partidos. A única legenda a votar contra foi o PSOL. Pela cláusula de desempenho aprovada, os partidos que não atingirem 1,5% dos votos válidos nacionalmente não terão direito de ser representados no Congresso. Esse percentual tem de ser atingido em pelo menos nove estados da federação e vai aumentando a cada eleição, até chegar ao patamar mínimo de 3% em 2030.

O texto original da relatora previa que o fim das coligações proporcionais só começasse a valer em 2020. Mas, após a aprovação de seu relatório, foi votado um destaque que antecipa para 2018 a regra. A proposta saiu vencedora. O texto agora segue para o plenário da Câmara, onde, por se tratar de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), terá de ser aprovado em dois turnos na Câmara e no Senado e obter o aval de 308 dos 513 deputados e 49 dos 81 senadores. Alguns parlamentares acreditam que o texto de Shéridan pode ser o único a ser aprovado pelo Congresso no pacote da reforma política.

— Confiando que o texto seguirá ao plenário e que os acordos serão mantidos, esse texto provavelmente será o resultado final da reforma política em 2017, por isso acho muito importante aprovar essa matéria — disse o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) ao encaminhar o voto de seu partido pela aprovação do relatório de Shéridan.

O texto aprovado traz ainda a possibilidade de criação das chamadas federações partidárias. O instrumento permite a partidos que temem não atingir um percentual mínimo de votos nacionais a união com outras siglas para conquistar cargos. A aliança deve durar os quatro anos de mandato. Um arranjo incluído no último debate da comissão, no entanto, desmonta o principal argumento de sustentação das federações partidárias: o de ser diferente das coligações hoje em vigor, e que são criticadas pela motivação casuística.

Pela nova redação, aprovada pela comissão, as federações montadas nacionalmente poderão se desmembrar nos estados para efeito exclusivo de se elegerem. E, após as eleições, voltam a se unir em uma federação nacional que perduraria por todo o mandato. Esse improviso foi acrescentado a pedido dos partidos pequenos, que argumentam haver diferenças muito grandes nos diferentes estados.

 

IDEIA É APROVAR EM 15 DIAS

Um dos autores da PEC que institui a cláusula de barreira e fim das coligações partidárias já para 2018, base do texto aprovado na comissão da Câmara, o senador Aécio Neves (MG) disse que está negociando com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), a quebra de interstício para agilizar a votação em plenário e aprovar as mudanças no Senado em 15 dias. Para isso, a medida poderá ser mantida intacta com o texto que vier a ser aprovado na Câmara, para vigorar já para o ano que vem.

— Se há algo consistente que será aprovado já para o ano que vem, será o fim das coligações proporcionais e cláusulas de barreira nessa PEC. O que estava previsto para 2020, nas eleições municipais, será antecipado para 2018. Se aplicarmos essa regra de 3% para que o partido tenha acesso a fundo partidário e tempo de TV, estaremos reduzindo o quadro partidário hoje no Brasil para algo em torno de dez partidos. Isso porque vai haver uma migração natural de candidatos de pequenos partidos que não conseguirão formar chapa em seus estados para partidos maiores — afirma Aécio. (Colaborou Maria Lima)