O globo, n. 30698, 24/08/2017. País, p. 7.

 

Delator apota ligação de Jorge Picciani com esquema de lavagem

24/08/2017

 

 

Jonas Lopes comprou 100 reses do presidente da Alerj a preços subfaturados

 

 

A Procuradoria Regional da República no Rio vai investigar o envolvimento da Agrobilara, empresa agropecuária do presidente da Assembleia Legislativa do Rio, deputado Jorge Picciani (PMDB), com o esquema montado pelo ex-presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) Jonas Lopes de Carvalho para lavar dinheiro decorrente de propina. Trechos da delação de Jonas, referentes a Picciani, já foram encaminhados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) à segunda instância da Justiça Federal do Rio, que tem a competência para julgar o presidente da Alerj.

Em março, Picciani foi levado sob condução coercitiva à sede da Polícia Federal no Rio, durante a operação “Quinto do Ouro", que também prendeu cinco dos sete conselheiros do TCE-RJ. Cinco meses depois, as razões da medida são reveladas. Em denúncia enviada na semana passada ao STJ, o vice-procurador-geral da República, José Bonifácio Borges de Andrada, descreve trecho da delação premiada de Jonas Lopes, na qual o ex-presidente do TCE revela que comprou 100 reses da raça Girolando da Agrobilara a preços subfaturados. Pagou um total de R$ 600 mil, mas a empresa de Picciani emitiu notas fiscais pelo negócio no valor total de R$ 100 mil.

O ex-presidente do TCE conta que os proprietários da empresa emitiram duas notas fiscais de R$ 32,5 mil e duas de R$ 17,5 mil. O pagamento foi feito em espécie a um sócio da Agrobilara, cujo nome não foi revelado.

É o terceiro caso de envolvimento de Picciani com suspeitas de lavagem de dinheiro com a compra e venda de gado. Também em delação premiada, o empresário Ricardo Pernambuco Júnior, diretor e acionista da Carioca Engenharia, uma das empreiteiras investigadas pela Operação Lava-Jato, revelou ao Ministério Público Federal (MPF) que comprou 160 cabeças de gado da Agrobilara por R$ 3,5 milhões, entre 2012 e 2013. O valor acertado, segundo ele, estava acima dos de mercado, razão pela qual Picciani devolveu R$ 1 milhão por fora e ficou com o restante.

Outra delatora da Carioca, a ex-diretora financeira da empreiteira Tânia Maria Fontenelle, explicou que os negócios com a Agrobilara eram parte de um esquema para gerar dinheiro em espécie para o caixa dois da empreiteira.

No Ministério Público estadual, há também uma investigação sobre suspeita de enriquecimento ilícito contra Picciani, por ter leiloado embriões de gado por valores milionários, entre os anos de 2003 e 2015, a fornecedores e prestadores de serviços do governo do estado. Um destes fornecedores é o empresário Sérgio Shcolnik, DKF Engenharia, que recebeu quase R$ 8,7 milhões em contratos com o Detran. Ele pagou a Picciani, em leilão, R$ 511 mil pelo fruto do cruzamento da vaca Bonanza com um touro indeterminado.

 

PICCIANI: “JONAS LOPES MENTE”

Em nota, Picciani disse que Jonas Lopes está mentindo: “Mais uma vez, Jonas Lopes mente na tentativa de me envolver. Todas as operações da Agrobilara, inclusive as poucas que fizemos com esse senhor, foram devidamente auditadas, com notas fiscais emitidas e impostos recolhidos, a preços compatíveis aos praticados no mercado de animais Girolandos, de leite”. O ministro do Esporte, Leonardo Picciani, também sócio na Agrobilara, afirmou em nota que seu nome não foi citado pelo delator, “até porque não praticou nenhuma ilegalidade”. A referência ao esquema de lavagem do TCE na Agrobilara está na denúncia oferecida contra o próprio Jonas, contra seu filho, Jonas Lopes Neto, e contra Jorge Luiz Mendes, funcionário do TCE-RJ, por corrupção passiva. E contra o doleiro Álvaro José Novis por corrupção ativa. A denúncia contra eles foi oferecida ao STJ porque é o foro para conselheiros de tribunais de contas. Em março, O GLOBO mostrou que Picciani era suspeito de organizar o pagamento de propina aos conselheiros do TCE-RJ. O dinheiro viria da Fetranspor, para que a fiscalização dos contratos das empresas de ônibus com o governo fosse afrouxada. Outros trechos da delação de Jonas Lopes revelam mais episódios suspeitos. A denúncia lista pagamentos de propina a conselheiros para não fiscalizar corretamente contratos do empresário Arthur Soares, do Grupo Facility, com o governo estadual; e por contratos com OSs; pela iluminação do Arco Metropolitano; e pela contratação da empresa de coleta de lixo de Duque de Caxias.

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Lava-Jato ‘trava’ na Comissão de Ética do Planalto

Eduardo Barretto

24/08/2017

 

 

Conselheiros suspenderam análise de casos por causa de divergências de versões

 

 

Os processos da Comissão de Ética da Presidência (CEP) contra dois ministros, um vice-presidente da Caixa e quatro ex-ministros, abertos a partir das delações da Odebrecht e da JBS, emperraram. A comissão comunicou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que precisa de mais provas para sanar conflitos de versões entre delatores e autoridades, mas a Corte ainda investiga os casos e não remeteu o material para a comissão.

Foram suspensas, por isso, apurações éticas contra os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil), Moreira Franco (Secretaria-Geral), o vice-presidente da Caixa, Antônio Carlos Ferreira, e os ex-ministros Geddel Vieira Lima, Edison Lobão e Paulo Bernardo. À exceção de Geddel e Antônio Carlos, que têm processos por conta de delações da JBS, as outras apurações são baseada em colaborações premiadas da Odebrecht.

Nem todos os casos da Lava-Jato, no entanto, estão travados. O ministro Gilberto Kassab (Ciência e Tecnologia) e o ex-ministro Guido Mantega (Fazenda e Planejamento), por exemplo, ainda estão se defendendo. A comissão tem caráter consultivo e, se adotar a punição mais severa, recomenda a exoneração de funcionários do primeiro escalão federal.

 

GEDDEL PODE VOLTAR À PAUTA

A apuração de Geddel, especificamente, pode voltar a andar, já que na última terça-feira ele virou réu por obstrução de Justiça, a partir dos mesmos fatos analisados pela CEP. É por esse avanço processual, independentemente do mérito, que os conselheiros aguardam. O processo do ex-ministro cita diretamente o presidente Michel Temer, mas a comissão não tem competência para investigar condutas do chefe do Executivo.

— Muitas autoridades rebateram acusações de delatores. Frente a esse conflito de versões, achamos mais prudente aguardar diligências judiciais que possam reforçar ou enfraquecer as denúncias, já que a delação não é prova por si só — disse ao GLOBO Mauro Menezes, presidente do colegiado.

No mês passado, ele foi ao STF comunicar à presidente da Corte sobre o impasse na comissão. Cármen integrou uma das primeiras turmas da CEP, em 2004, e deixou o colegiado em 2006 para tomar posse no Supremo.

Os processos éticos contra Padilha e Moreira, baseados em inquéritos no STF, dizem respeito a supostos crimes enquanto eram ministros em governos anteriores. A avaliação é que questionamentos éticos não caducam ao fim de mandatos e podem ser julgados retroativamente. Os dois ministros de Temer foram ministros da Secretaria de Aviação Civil (SAC) na gestão da expresidente Dilma Rousseff e teriam ajudado a empreiteira na licitação de aeroportos. Eles são citados no mesmo inquérito que envolve Temer, com base em delações da Odebrecht.

Com as divulgações das delações da Odebrecht e da JBS, o colegiado já precisou até de reuniões extras para avaliar documentos. Na época da abertura dos processos éticos, havia a expectativa de que as autoridades e ex-autoridades se explicassem à CEP antes do que à Justiça.