Correio braziliense, n. 19969, 25/01/2018. Política, p. 2

 

Lula leva goleada e planeja recursos

Simone Kafruni, Paulo de Tarso Lyra e Natália Lambert 

25/01/2018

 

 

JUSTIÇA » Ex-presidente tem a pena aumentada pelo TRF-4 para 12 anos e um mês de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Decisão sem divergências dificulta manobras jurídicas, mas advogados anunciam que vão recorrer a instâncias superiores

Porto Alegre e Brasília — Como confidenciou um petista, até os resultados já esperados, quando confirmados, tornam-se um baque. O PT já imaginava que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seria condenado, possivelmente por unanimidade, pelos três desembargadores da 8 ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Mas a sentença dura, elevando a pena de 9 anos e 6 meses para 12 anos e 1 mês de prisão, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, com execução imediata após recursos ao próprio TRF-4, assustou os petistas.

Pelas regras da Ficha Limpa, ele passa a ser inelegível, embora a decisão tenha de ser sacramentada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). As margens para manobras jurídicas também ficaram mais curtas. Com a decisão unânime, sem divergências sequer na dosimetria da pena, restaram, neste momento, os embargos de declaração. Na prática, contudo, eles não têm o condão de alterar a decisão tomada ontem. O embargo só pode ser apresentado dois dias após a publicação do acórdão do julgamento, o que ocorre, nos casos dos Tribunais Regionais Federais, em média, dentro de um prazo de 15 dias.

O ex-presidente Lula pode contar com um prazo um pouco mais dilatado, pois o revisor do processo, desembargador Leandro Paulsen, sairá de férias na segunda, dia 29, pelo período de um mês. Já o desembargador Victor Laus vai tirar o descanso legal a partir de 27 de fevereiro. A turma só estará completa no fim de março, e isso é imprescindível para a análise dos embargos.

E as chances de candidatura também ficaram mais distantes. Para consumo externo, os petistas resolveram manter o discurso de que “a luta continua”, mas baixou um desânimo geral. Para complicar ainda mais os cenários possíveis para o ex-presidente, os desembargadores amparam-se na súmula 122 do TRF-4, que afirma que “encerrada a jurisdição criminal de segundo grau, deve ter início a execução da pena imposta ao réu, independentemente da eventual interposição de recurso especial ou extraordinário”. Embora com divergências, o Supremo Tribunal Federal segue o mesmo entendimento.

Para evitar a prisão, os advogados de Lula estudam entrar com um pedido de habeas corpus preventivo no Superior Tribunal de Justiça (STJ). “Nós vamos utilizar todos os recursos possíveis para anular a decisão de hoje, porque ela está condenando alguém que não praticou crime. Não haverá nenhuma medida restritiva contra o ex-presidente Lula”, assegurou o advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins.

Provas

O julgamento de ontem, o principal da história do TRF-4, durou quase 10 horas. O presidente da 8ª Turma, Leandro Paulsen, e o desembargador Victor Laus acompanharam o voto do relator do processo, Gebran Neto. “No caso da pena do réu Luiz Inácio Lula da Silva, considero a culpabilidade extremamente elevada. Trata-se de presidente da República, com a gravidade de ele nomear diretores que participaram do esquema”, justificou o relator, que aplicou, ainda, 280 dias-multa, à razão unitária de cinco salários mínimos vigentes ao tempo do último fato criminoso — o que daria cerca de R$ 1,3 milhão.

A pena de 12 anos e 1 mês do ex-presidente é a somatória de oito anos e quatro meses por corrupção e três anos e nove meses por lavagem de dinheiro, ambas referentes ao apartamento no Guarujá. Lula só foi absolvido no processo de lavagem de dinheiro no caso do armazenamento do acervo presidencial. “Há prova acima do razoável de que o tríplex estava destinado ao presidente como vantagem indevida”, disse Gebran Neto. O relator comparou como se a OAS fosse um laranja de Lula no apartamento. “Houve crime de lavagem pela ocultação do verdadeiro destinatário do apartamento e também em relação às reformas e benfeitorias”, explicou.

De acordo com especialistas ouvidos pelo Correio, o ex-presidente Lula tem alguns caminhos jurídicos pela frente (veja quadro na página 3). Além dos embargos de declaração, a defesa pode tentar um recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas ela ainda precisa que o presidente do TRF-4 determine que essa medida tem cabimento e autorize o envio à instância superior.

No STJ, o recurso será analisado por uma das turmas. A defesa pode insistir em uma liminar de efeito suspensivo da condenação até que ocorra o julgamento. A depender da estratégia da defesa, há ainda a possibilidade de entrar com um recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal (STF), que também poderia conceder uma liminar de efeito suspensivo. De acordo com a legislação, o recurso especial deve ser julgado primeiro.

Paralelamente a isso, diante da manifestação dos desembargadores pela execução imediata da pena, o ex-presidente deve entrar em breve com um habeas corpus preventivo no STJ, ainda que caiba recurso dele ao STF. “Pelo teor dos votos dos desembargadores, deve ser a primeira providência da defesa, considerando o curto prazo para os embargos declaratórios. Ele tentará esse salvo-conduto no STJ e no STF. E, normalmente, essas decisões têm prioridade nas cortes. Eles devem resolver isso rapidamente”, comenta o Igor Pinheiro, coordenador da pós-graduação de prevenção e combate à corrupção do CERS.

Principais pontos

O que disseram os desembargadores que julgaram

João Pedro Gebran Neto, relator do processo

“Não se pode dizer hoje que não houve o pagamento de agentes políticos, de lavadores de dinheiro, de servidores públicos e de funcionários. Está evidente o esquema de corrupção no seio da Petrobras. Há provas mais do que suficientes para afirmar que o ex-presidente foi um dos articuladores, ou o principal, de um esquema de corrupção”

Leandro Paulsen, revisor do processo

“Ninguém pode ser condenado por ter costas largas ou ser absolvido por costas quentes. A forma de entrada por concurso público preserva a autonomia do Judiciário. Os juízes têm legitimidade por atuar sempre com independência e isenção mediante provocação. Trabalhamos aplicando a lei a todos independentemente da cor partidária”

Victor Luiz dos Santos Laus, terceiro desembargador

“Esses fatos envolvem o primeiro mandatário da nação, o presidente da República, à época senhor Luiz Inácio Lula da Silva. Ou seja, a partir do momento em que o chefe da alta administração pública federal, o primeiro mandatário, o primeiro magistrado da nação, se vê envolvido com fatos que se dizem ser delituosos, isso assume uma complexidade”

O que foi decidido

» Aumento da pena de 9 anos e 6 meses de prisão para 12 anos e 1 mês de prisão

» Decisão unânime dos desembargadores

» Lembrete de todos de que, após o esgotamento dos recursos no próprio tribunal, deve-se executar imediatamente a pena

» Fidelidade às decisões do juiz de primeira instância, Sérgio Moro. Inclusive, confirmando que existem provas acima de qualquer suspeita do envolvimento do ex-presidente nos casos de corrupção

Os próximos passos

Confira os caminhos prováveis na Justiça para a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva

» A decisão unânime dos três desembargadores do TRF-4 diminuiu a margem de manobras jurídicas do ex-presidente Lula.

» Com o placar de 3 votos a zero, o único recurso disponível para a defesa no TRF-4 são os chamados “embargos de declaração”, que não permitem reverter a condenação. Eles servem apenas para o esclarecimento de ambiguidades, pontos obscuros, contradições ou omissões no acórdão (documento que oficializa a decisão).

» A prisão do ex-presidente, no entanto, só será possível após um novo julgamento dos embargos de declaração pelos desembargadores João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Luiz dos Santos Laus. Ainda não é possível estimar quando será feita a apreciação de um eventual recurso.

» Após o julgamento dos embargos pelo TRF-4, cabe recurso especial ao STJ se a defesa apontar algum aspecto da decisão que configure violação à lei federal, como o Código Penal ou de Processo Penal. Caberá recurso extraordinário ao Supremo se os advogados apontarem que a decisão do TRF-4 viola a Constituição. Pela interpretação do STF, a prisão depois da condenação em segunda instância não é obrigatória. Deve ser decidida de acordo com o caso específico.

» Antes disso, a defesa poderá apresentar pedidos de habeas corpus preventivo, também ao STJ ou ao STF, para que Lula recorra em liberdade.

Eleições

» No caso eleitoral, os caminhos são um pouco mais distantes, já que as definições neste sentido só acontecerão no segundo semestre deste ano, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) analisará o registro de candidatura de Lula.

» O PT tem até 15 de agosto para protocolar o pedido e a Corte tem até o dia 17 de setembro para aceitar ou rejeitar a candidatura.

» A Lei da Ficha Limpa, que impede a candidatura de condenados por tribunal colegiado (como é o caso do TRF-4), prevê também a possibilidade de alguém continuar disputando um cargo público caso ainda tenha recursos contra a condenação pendentes de decisão.

» Caso Lula seja eleito sem que tenha começado a cumprir pena, a tendência é que exista um grande debate jurídico sobre se ele poderia ou não assumir a Presidência. É um caso sem precedentes na história política brasileira.