Correio braziliense, n. 19969, 25/01/2018. Política, p. 3

 

Eles sabem que eu não cometi um crime

Paulo de Tarso Lyra 

25/01/2018

 

 

Pouco mais de duas horas após o término do julgamento no Tribunal Regional Federal da 4ª Região em Porto Alegre, Lula foi à Praça da República, no centro de São Paulo. Disse que pode até aceitar o resultado do julgamento no qual os três desembargadores o condenaram a 12 anos e 1 mês de prisão, mas não aceitava a mentira. “A decisão de hoje eu até respeito”, disse ele. “O que eu não aceito é a mentira pela qual eles tomaram a decisão. Eles sabem que eu não cometi um crime. Eu me disporia a ficar com os três juízes um dia inteiro para que eles me mostrassem qual é o crime que o Lula cometeu”, discursou.

O PT gritou alto após a sentença, mas vai se reunir hoje, na sede da CUT, em São Paulo, para decidir o futuro. Um cacique da legenda chegou a confidenciar que será um encontro para discutir o pós-Lula. Corrigiu-se em seguida, dizendo que era “pós-condenação”. Ainda assim, a percepção é de que as coisas complicaram. Os tradicionais aliados de esquerda soltaram notas de apoio ao ex-presidente antes do julgamento, mas apenas o PCdoB estava com representantes da Executiva Nacional no palanque de Porto Alegre.

O PDT terá a convenção nacional para ratificar a candidatura de Ciro Gomes ao Planalto em 8 de março. O PSol realizará um encontro entre 1º e 2 de fevereiro para escolher seu nome — o favorito até agora é o dirigente do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), Guilherme Boulos. O próprio PCdoB, de olho no futuro, na necessidade de eleger uma bancada robusta para não ser engolido pela cláusula de barreira, pretender manter Manuela D’Ávila na urna presidencial. “É uma maneira de manter viva as ideias do campo progressista”, declarou a presidente nacional da legenda, deputada Luciana Santos (PE).

O próprio Lula, em seu discurso em São Paulo, foi mais comedido que o partido. “Não estou preocupado se vou ser candidato a presidente ou não. Quero que peçam desculpas pela quantidade de mentiras que colocaram sobre mim”, disse ele. Sem deixar isso claro, ensaiou um discurso para ser usado por quem possa sucedê-lo como candidato do PT ao Planalto. Destacou que programas de seu governo, como Fies e Prouni, estão diminuindo, e que o trabalho com carteira assinada está ameaçado.

“Eles não podem prender o sonho de liberdade, as ideias. Lula é apenas um homem de carne e osso. Podem prender o Lula, mas as ideias já estão colocadas na cabeça da sociedade brasileira. As pessoas já sabem que é gostoso comer bem, morar bem, viajar de avião, comprar carro novo, ter casa com televisão e computador”, discursou.

Tom mais alto

Já a nota da presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), foi mais dura que as palavras do próprio Lula. Segundo ela, o julgamento de ontem foi o “início de mais uma jornada do povo brasileiro em defesa da democracia e do direito inalienável de votar em Lula para presidente da República”. E afirmou que a sentença do TRF-4 foi uma farsa, fruto do “engajamento político-partidário de setores do sistema judicial, orquestrado pela Rede Globo, com o objetivo de tirar Lula do processo eleitoral”. Em nota, o Grupo Globo afirmou que a menção à Rede Globo na nota do PT “merece apenas um comentário: ela é desrespeitosa, despropositada, fora da realidade”.

O encontro de hoje contará com a presença de Lula, da ex-presidente Dilma Rousseff, dos senadores, deputados federais e estaduais, governadores, presidentes dos diretórios estaduais do PT e dirigentes dos movimentos sociais. Gleisi conclamou todos os democratas do Brasil para estarem “mais unidos do que nunca, fortalecidos pelas jornadas de luta que mobilizaram multidões nos últimos meses”.

Além da dificuldade natural de pensar em um cenário eleitoral sem Lula, caso o ex-presidente não consiga, de fato, concorrer, o PT tem outro problema a resolver: quem será este nome? A hipótese mais provável seria o ex-governador e atual secretário de desenvolvimento econômico da Bahia, Jaques Wagner. Ex-ministro de Lula e Dilma, Wagner terminou o governo estadual bem avaliado e elegeu o sucessor, Rui Costa, além de seu vice, Otto Alencar (PSD) ter sido eleito senador.