O globo, n.30758 , 23/10/2017. PAÍS, p.3

CERCO A PIMENTEL

 

 

PF conclui que governador de Minas usou empresas de fachada para financiar campanha
Ao concluir pelo indiciamento de oito investigados em uma das frentes da Operação Acrônimo, a Polícia Federal (PF) aponta que o círculo mais próximo do governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), incluindo sua mulher, Carolina de Oliveira, atuou para obter vantagens indevidas ao petista e doações para sua campanha eleitoral em 2014, fora da contabilidade oficial, usando empresas de fachada. Ao todo, as práticas criminosas do grupo, descritas no novo relatório da PF, concluído em 21 de setembro, resultaram em repasses de mais de R$ 6 milhões — R$ 3,2 milhões teriam sido direcionados a Pimentel por meio de empresas de fachada; outros R$ 2,8 milhões, pela consultoria da primeira-dama de Minas.
No documento da PF, revelado ontem pelo colunista do GLOBO Lauro Jardim, a delegada Denisse Dias Rosas Ribeiro, responsável pela investigação, diz que Fernando Pimentel é o coordenador de uma organização criminosa. A delegada pediu a autorização do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para indiciar Pimentel, já que o petista tem prerrogativa de foro. Caberá ao ministro Herman Benjamin, relator do caso, autorizar ou não o indiciamento. Para que os crimes investigados nesse inquérito resultem em um processo, é preciso que a Procuradoria-Geral da República dê prosseguimento às investigações e apresente denúncia.

As investigações da Operação Acrônimo, iniciadas em maio de 2015, já deram origem a três denúncias contra Pimentel. O governador é acusado de solicitar e receber propina para favorecer interesses de empresas no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) e no BNDES, subordinado à pasta. Pimentel foi ministro da pasta entre 2011 e 2014, no governo Dilma Rousseff. As três denúncias imputam a Pimentel crimes como corrupção, lavagem de dinheiro, falsidade de documento particular e tráfico de influência. Pimentel teria atuado em benefício da montadora de automóveis Caoa, das construtoras Odebrecht e JHSF.

 

INFLUÊNCIA NO BNDES

A primeira-dama de Minas, Carolina de Oliveira, foi indiciada pela PF, acusada de receber R$ 2,8 milhões do Grupo Casino, que seriam para Pimentel. Segundo os investigadores, o petista teria atuado em 2011, quando era ministro, em favor dos interesses do Casino, que desejava barrar a fusão entre o Grupo Pão de Açúcar e o Carrefour. Por influência de Pimentel sobre o ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho, o banco teria, diz a PF, incluído uma cláusula no acordo, o que impediu o financiamento para a fusão. Na ocasião, o Casino disputava com o empresário Abilio Diniz o controle do Grupo Pão de Açúcar. Coutinho também foi indiciado pela PF.

“Todos os indícios obtidos apontam que Fernando Pimentel, utilizando-se do seu cargo, foi auxiliado por Luciano Coutinho com o escopo de atender a solicitação feita pelo então Ministro do Mdic, para viabilizar a inserção da cláusula condicionante de ausência de litígio no pedido de apoio financeiro apresentado pelo empresário Abilio Diniz ao BNDES”, escreveu a delegada.

Em troca da atuação de Pimentel, o Grupo Casino teria repassado o dinheiro para a empresa de Carolina, a OLI Comunicação. Os repasses foram feitos, segundo a PF, por meio da MR Consultoria, do consultor Mário Rosa, também indiciado. A empresa de Rosa firmou contrato com o Casino que, somados aditivos, chegou a R$ 8 milhões. Cerca de 40% desse montante, sustenta a PF, foram direcionados a Carolina. Investigadores listaram seis cheques e 15 transferências bancárias (TED) entre 2013 e 2014 da empresa de Rosa para a agência de Carolina.

 

ACUSAÇÕES “INVERÍDICAS E ABSURDAS”

A primeira-dama de Minas Gerais disse ontem que se sentiu indignada com as conclusões da PF. Segundo ela, as acusações são inverídicas e absurdas. Ela divulgou nota na qual diz confiar que as acusações serão rejeitadas pela Justiça. Mário Rosa disse, também em nota, que o contrato firmado com o Casino é privado, foi registrado e teve impostos recolhidos. Afirmou ainda que não é funcionário público e, por isso, não é possível que lhe imputem o crime de corrupção passiva. Luciano Coutinho declarou que suas decisões sobre a tentativa de fusão “estiveram dentro da mais absoluta legalidade e lisura”. Ele afirmou não ter recebido vantagem no episódio e acrescentou que a cláusula contratual citada pela PF não foi incluída por ele, mas por um comitê do BNDES.

Também foram indiciados dois representantes do Casino: Ulisses Kameyama e Eduardo Vasconcelos Leônidas. Em nota, o Casino disse que colaborou com as investigações e classificou as conclusões da PF como “equivocadas”.

A PF indiciou ainda três pessoas próximas ao governador. Os investigadores citam o chefe da Casa Civil do estado, Marco Antônio Rezende; o ex-secretário de Governo, Paulo de Moura Ramos; e Otílio Prado, assessor especial na administração de Pimentel. Eles eram donos de empresas que, segundo a PF, foram usadas para ocultar a origem de cerca R$ 3,2 milhões para a campanha de Pimentel em 2014.

No relatório, a PF aponta que Pimentel recebeu, como doação eleitoral fora da prestação de contas, R$ 3,2 milhões do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros Metropolitano (Sintram), do Sindicato das Indústrias Extrativistas de Minas Gerais (Sindiextra), do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (Setra-BH) e do escritório Botelho, Spagnol e Advogados Associados. Segundo a PF, as empresas esperavam contrapartidas após a eleição.

Os repasses foram feitos a duas empresas — a MOP Consultoria e Assessoria LTDA, de Marco Antônio Teixeira e Paulo de Moura, e a OPR Consultoria Imobiliária, de Otílio Prado. Segundo a PF, a OPR e a MOP possuíam a mesma estrutura física e de funcionários, o que comprovaria seu uso como empresas de fachada destinadas a receber os pagamentos irregulares. O próprio Pimentel havia sido sócio da OPR entre 2009 e 2012, quando se chamava P-21. O governador, no entanto, diz que deixou a firma em dezembro de 2010.

Pimentel divulgou comunicado em que acusa a PF de impor o seu ponto de vista às investigações, à revelia do que diz o Ministério Público Federal. “A Operação Acrônimo se tornou anacrônica, do ponto de vista probatório. Sobram deduções, faltam provas”, escreveu o advogado de Pimentel, Eugênio Pacelli.

Marco Antônio Rezende disse que as acusações não procedem. O advogado Estevão Melo, que defende Otílio Prado, disse que não se manifestaria antes de ler o relatório.