Correio braziliense, n. 19971, 27/01/2018. Política, p. 2

 

Trégua na crise ainda bem distante

Paulo de Tarso Lyra e Bernardo Bittar

27/01/2018

 

 

Condenação de Lula a 12 anos de prisão reacendeu o clima de disputa política que se arrasta no Brasil nos últimos quatro anos

A condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ocaso do Partido dos Trabalhadores, em vez de abrasar uma crise política que se arrasta há quatro anos, aumentou o calor das chamas que fervem o Brasil. Uma disputa por protagonismo entre Judiciário, Ministério Público e classe política — divididos entre lulistas e não-lulistas — abala as estruturas nacionais e atrasa o capítulo final da paralisia institucional. “Precisaríamos de um líder com força suficiente para sugerir um grande pacto nacional. Quando vemos que o nome que colocam para essa tarefa é o do apresentador Luciano Huck, notamos o tamanho da encrenca na qual nos metemos”, aponta o advogado criminalista Roberto Bertoldo.

Os três grandes grupos que se revezam no centro do ringue não brigam apenas entre eles. Disputam internamente também. Se existe uma reclamação generalizada da classe política quanto ao ativismo exagerado de juízes, desembargadores e integrantes do Ministério Público, internamente esses grupos tampouco se entendem. A condenação de Lula a 12 anos e um mês de prisão forçará a reabertura do debate sobre a prisão em segunda instância. Dentro do Supremo Tribunal Federal, este tema se tornou conflituoso, beirando o tabu. Mas será enfrentado em breve.

A Corte, nesse assunto, está completamente dividida. O resultado final representará uma mudança de paradigmas que norteiam a Lava-Jato ou confirmará um rumo que o combate à corrupção vem tomando. Um desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) afirmou, em conversa reservada com o Correio, que “o Supremo pedir a palavra final em todos os processos que envolvem decisões já tomadas nos tribunais desprestigia os demais membros do Judiciário — juízes de primeira instância e desembargadores”.

Nas palavras dele, os magistrados passam a ter “decisão de treino”, e passa a valer apenas o entendimento do Supremo “que é quem vai sentenciar de verdade”. “Isso certamente foi impulsionado por causa da condenação de Lula, e é sabido que a ministra Cármen Lúcia não quer deixar arestas neste assunto antes da eventual prisão dele.” Ex-integrante da força-tarefa do MPF na Lava-Jato, Bruno Calabrich acredita que, “se o STF mudar de posição — antes ou depois de uma eventual prisão de Lula — será prejudicial para todo o Judiciário brasileiro”.

Na opinião dele, “o que estava se aplicando no Brasil antes da mudança de entendimento do Supremo era irracional. Porque, na prática, com bons advogados, você conseguia retardar um processo por muitos anos e assegurava impunidade. Ou o processo se prescrevia ou o condenado falecia”.

“Sangria”

O advogado Roberto Bertoldo, que representa vários políticos encrencados com a Justiça e costuma conversar com atores de diversos níveis de poder, confirma que o atual momento é uma incógnita para todos. E que ninguém sabe, a curto prazo, como sair do enrosco institucional no qual o país se meteu. É bom lembrar que, assim que o atual governo chegou ao poder, esperava-se que o ritmo da Lava-Jato fosse anuviado. Ficou famosa a frase do então ministro do Planejamento e hoje líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR): “Primeiro estancar essa sangria”.

Constrangido, o peemedebista depois afirmou que se referia à crise econômica. Pode até ser. O fato é que a sangria não foi estancada. O PMDB do Rio implodiu nas investigações do juiz Marcelo Bretas; o PSDB entrou em convulsão por causa da J&F e da Odebrecht, sendo obrigado a mudar de presidente para tentar reencontrar o protagonismo político. E o presidente Michel Temer teve que queimar o capital político para convencer os deputados a, por duas vezes, brecarem pedidos de autorização de investigação elaborados pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot.

O temor de muitos é de que, com o PT enfraquecido e Lula fora de combate eleitoralmente — com o risco, inclusive, de ser preso —, a guilhotina se volte para as demais legendas com mais intensidade, como o PMDB e PSDB, para não se passar a imagem de uma justiça seletiva. “A condenação de Lula é uma página importante da crise. Se virão outras condenações, isso se dará pela consequência dos processos e investigações, não por vingança”, disse o tesoureiro nacional do PSDB, deputado Sílvio Torres (SP).

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Reflexo nos partidos de esquerda

27/01/2018

 

 

A quase certeza de que Lula dificilmente conseguirá concorrer em outubro gera um incômodo e uma disputa interna que impede o desanuviamento do ambiente. Os partidos de esquerda e os movimentos sociais prestam solidariedade ao ex-presidente no processo judicial que ele enfrenta — ressalte-se que é a primeira condenação dele em segunda instância e ainda restam outras nove investigações. “A situação dos partidos é complicada. Não é fácil definir se continuam ou não nessa jornada de apoio”, afirmou o deputado Miro Teixeira (Rede-RJ).


Ele afirma que alianças se dão em torno de convicção (nas ideias e propostas) e confiança (no condutor) dessa parceria. “Por outro lado, se eles largarem o Lula e o PT, alguém poderá afirmar que corroboraram com as acusações de corrupção contra o ex-presidente”, completou Miro.

De olho no eleitorado

As legendas de esquerda dosam esse discurso porque estão de olho no espólio de votos do petista, sobretudo nas classes C, D e E. Esse eleitorado, inclusive, está no radar das legendas de centro também. Afinal de contas, como confidenciou um analista político, quem elege governos são os mais carentes, embora sejam os ricos quem têm o poder de derrubá-los. Esse esforço se reflete na tentativa do atual governo de dar um verniz social para a gestão, entregando unidades do Minha Casa Minha Vida e prometendo manter o Bolsa Família. Cometem algumas escorregadas, como quando o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) afirmou que o programa “escraviza as pessoas”.

E ainda precisam se preocupar em se preservar das investidas do Judiciário. “Acredito que é hora de fortalecer a democracia colocando fé nas instituições. A condenação (de Lula) foi baseada nas leis, fatos e provas, e é assim que tem que ser. O que precisa ficar claro é que ninguém está acima da lei”, afirmou o líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB). Para o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, o que é inadmissível é o Judiciário impedir o presidente de indicar ministros. “Essa é uma iniciativa privativa do presidente da República e não deveria ser desrespeitada pelos juízes”, reclamou Marun. (PTL e BB)