Título: Mais do mesmo pela indústria
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Fonte: Correio Braziliense, 04/04/2012, Opinião, p. 14
O pacote de medidas anunciado ontem pelo governo, com o propósito de mitigar a perda de competitividade da indústria de transformação em face da concorrência internacional, não surpreendeu: foi mais do mesmo. Ou seja, confirmou a preferência por atacar pontualmente problemas apresentados pelos setores mais afetados pela conjuntura internacional ou com capacidade de pressão, em vez de convocar o apoio da sociedade e dos próprios empresários para tocar a parte que falta do dever de casa do país: reformas estruturais de efeitos amplos e duradouros.
Mais uma vez, as estrelas do pacote foram a eleição de setores que vão se livrar de parte do custo previdenciário sobre suas folhas de pessoal e a injeção de recursos fiscais no caixa do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para que beneficie com juros subsidiados negócios por ele selecionados. No primeiro caso, o governo aumentou de quatro (confecções, couro e calçados, tecnologia de informação e call center) para 11 os segmentos que deixarão de recolher ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) os 20% obrigatórios sobre os salários dos empregados. Passam a ser beneficiados os setores têxtil, móveis, plásticos, material elétrico, autopeças, ônibus, naval, aéreo, bens de capital mecânico, hotéis e design house (chips). Todos, inclusive os quatro primeiros, vão recolher entre 1% e 2% do faturamento para compensar parte dessa perda de arrecadação da Previdência, estimada em R$ 7,2 bilhões por ano (R$ 4,9 bilhões este ano, porque a medida entra em vigor em julho).
Além disso, o pacote desonera parcialmente os negócios ligados às ferrovias e portos; posterga o pagamento do PIS e da Cofins para autopeças, têxtil, confecção, calçados e móveis; concede incentivos à indústria de semicondutores e telecomunicações. Há ainda medidas que reforçam especialmente os benefícios fiscais e de proteção à indústria automotiva.
Entre desonerações e transferências de recursos ao BNDES, o pacote tem custo estimado em R$ 60 bilhões e revela o reconhecimento do governo em relação a pelo menos dois itens fundamentais que atormentam a economia real do país e constituem desafios permanentes à coragem dos empreendedores: os juros praticados pelo sistema bancário (muito mais do que a Selic) e a carga tributária são exagerados. Somados a outros fatores, eles vêm há anos minando a competitividade da economia brasileira, fato que a desvalorização forçada do dólar só fez realçar. A precariedade da infraestrutura, a baixa qualidade da educação e o insistente descaso com o estímulo à inovação e aos avanços tecnológicos completam o quadro de deficiências.
O problema é que não apenas o governo tem deixado de atacar todas essas frentes, como insiste em tratar com medidas pontuais os casos mais agudos ou que deram origem a queixas mais estridentes. Essa política já foi testada e reprovada no passado. Não apenas não curou as doenças, como deixou sequelas na economia.
A desoneração localizada da folha, por exemplo, terá de ser coberta pelo mesmo caixa incapaz de bancar o funcionamento decente da saúde pública e que se nega a corrigir as aposentadorias de milhões de trabalhadores que tiveram de contribuir para a Previdência. Medidas horizontais, além de democráticas, são mais eficazes e justas.