Correio braziliense, n. 19971, 27/01/2018. Política, p. 4

 

Plano B guardado na gaveta

Deborah Fortuna e Natália Lambert

27/01/2018

 

 

Apesar do relançamento oficial da pré-candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a provável inviabilização de concorrer ao cargo pressiona o PT a pensar em outros planos. Até o momento, o partido não admite a possibilidade de outros nomes, porém, Fernando Haddad (PT-SP) e Jaques Wagner (PT-BA) começam a aparecer como futuros substitutos e, possivelmente, as próximas apostas da sigla para tentar a vitória eleitoral. Principalmente, porque a primeira e principal preocupação do PT, neste momento, é manter Lula fora da cadeia.

“O partido aposta todas as fichas no Lula. Ele usa o plano B apenas se não tiver viabilidade, porque aí as chances eleitorais mudam drasticamente. Lula é candidato para vencer as eleições. Wagner e Haddad viriam para fazer uma grande bancada de deputados e construir um nome para a próxima disputa”, afirma o professor de direito Michael Mohallem, da FGV Rio. Para o especialista, apesar de haver outros candidatos dentro do próprio partido, a sigla deve ir até o fim para colocar Lula na disputa, já que, eles consideram ter mais chances com o ex-presidente. “Não é viável pensar que um desses dois vençam as eleições. O ideal para o PT é lançar o Lula”, avaliou.

Mas isso não quer dizer que a vitória é garantida, mesmo com o Lula na corrida. Segundo Mohallem, embora ele esteja em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto, ainda não é possível dimensionar o impacto da condenação. “Alguns projetam que esse julgamento possa melhorar a popularidade dele. Em outras análises, especialistas dizem que pode melhorar no começo, mas na hora da escolha, isso pode pesar na preferência das pessoas”, comenta.

Caixa dois

Além disso, os nomes substitutos também estão citados em delações premiadas da Operação Lava-Jato e desdobramentos. Principal nome para uma possível substituição e preferido de Lula, Haddad chegou a ser indiciado pela Polícia Federal pelo crime de caixa dois em janeiro deste ano. O delito teria sido cometido durante a campanha que o elegeu para a prefeitura de São Paulo em 2012. A investigação teve início após o Supremo Tribunal Federal (STF) homologar a delação premiada do empresário Ricardo Pessoa, sócio da empreiteira UTC, um dos envolvidos no escândalo de corrupção da Petrobras. De acordo com a assessoria de Haddad, o Ministério Público teria devolvido o inquérito à PF por não considerar a apuração satisfatória.

Embora Haddad afirme que não é o plano B do PT, a estratégia nos bastidores é fazer campanha ao lado do ex-presidente, viajar o Brasil, como se fosse vice da chapa. Aí, no caso de Lula ter a candidatura impugnada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ele seria um nome mais conhecido nacionalmente para a disputa.

Já Wagner é o preferido de algumas lideranças do PT que se recusam a aceitar um novo nome imposto por Lula, assim como foi com a ex-presidente Dilma Rousseff. Para elas, Haddad seria uma “Dilma de calças” e não teria condições de herdar os votos de Lula. Nas redes sociais, o secretário declarou apoio “total e irrestrito” ao ex-presidente e comentou que ele é o “plano A do povo”. Apesar do nome de Wagner ter sido citado em delações da Lava-Jato pelo suposto recebimento de propina, a assessoria de comunicação do secretário de Desenvolvimento Econômico na Bahia afirmou que, atualmente, não há nenhum processo em aberto contra o político.

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O PT diante da esfinge

Demétrio Magnoli

27/01/2018

 

 

A nota do PT, divulgada logo após a condenação unânime de Lula pelo TRF-4, caracteriza o resultado como “uma farsa judicial”, fruto do “engajamento político-partidário de setores do sistema judicial, orquestrado pela Rede Globo”, os “mesmos setores que promoveram o golpe do impeachment”. O partido compromete-se a “lutar em defesa da democracia”, “principalmente nas ruas”. Desde que nasceu, o PT equilibra-se sobre uma disjuntiva: partido da ruptura, para consumo interno; partido da ordem, para consumo externo. A tensão chega agora a um grau extremo, insustentável. Finalmente, diante da esfinge mítica, o PT terá que decifrar seu enigma existencial.

As democracias, com seus rituais eleitorais periódicos, tendem a expurgar os partidos da ruptura para as franjas do cenário político. Desde cedo, o PT circundou o túnel do isolamento, definindo-se como partido institucional. O discurso de ruptura, jamais descartado, retrocedeu à trincheira dos eventos de militância. A dualidade discursiva atingiu o ápice depois que Lula subiu a rampa do Planalto. De um lado, o presidente congraçava-se com o alto empresariado e com os personagens icônicos da tradição patrimonialista nacional. De outro, os congressos do PT imprimiam resoluções cada vez mais radicais, pontuadas por termos como “elite” (e, logo, “elite branca”), “imperialismo” e “socialismo”.

A loucura obedecia a um método: conservar o monopólio petista sobre a esquerda do espectro político. A estratégia funcionou eficientemente, salgando o solo no qual o PSol tentou lançar as sementes. Na hora do impeachment, a duplicidade adquiriu as tonalidades da hipocrisia escancarada, mas sobreviveu ao teste de fogo. A deposição legal de Dilma Rousseff foi declarada um “golpe” e o PT prometeu resistir nas ruas, eletrizando a base social de esquerda. Na sequência, a alma institucional restaurou seu primado e o partido reinstituiu a política de amplas alianças eleitorais, que inclui os “golpistas” do MDB e do “Centrão”. A militância engoliu em seco, assim como os intelectuais “companheiros de viagem”. O partido da ordem conhece perfeitamente suas prioridades.

A valsa, porém, não mais se repetirá. A dupla alma petista organiza-se ao redor de Lula, o venerado caudilho que abraça tanto um Maduro quanto um Odebrecht. A eliminação judicial da figura nuclear implode o instável equilíbrio do edifício partidário. Como substituir Lula na cédula presidencial sem destruir a mística que preserva o monopólio sobre a esquerda? Cabeça humana, corpo leonino, a esfinge encara o PT, exigindo uma resposta nítida: ordem ou ruptura?

Uma coisa é José Dirceu; outra, é Lula. O partido abandonou alegremente o primeiro, em nome do imperativo da ordem, que se identifica com a insaciável ambição de poder do segundo e “com as valiosas carreiras políticas dos quadros petistas. O segundo, contudo, confunde-se com o próprio partido ou, na linguagem lulista, com nada menos que o “povo brasileiro”. O manual do marketing eleitoral reza que o nome de Lula deve permanecer numa cédula fictícia, aureolado pela denúncia da “farsa judicial”, até o momento derradeiro da substituição inevitável. Mas como fazer a transição do discurso da ruptura ao da ordem, entregando o cetro a um Jaques Wagner (ou, pior, a um Ciro Gomes), sem fragmentar o campo da esquerda?

O espectro da prisão de Lula complica ainda mais o artifício. No rastro do impeachment, Guilherme Boulos cumpriu, como culpado útil, a missão teatral de incendiar a militância de esquerda, arando o terreno para a reinstalação do discurso lulista da ordem eleitoral. Agora, junto com o PSol tem a oportunidade de deflagrar sua campanha presidencial combatendo “nas ruas” a “farsa judicial” dos “golpistas de sempre”. (...)