O Estado de São Paulo, n. 45311, 07/11/2017. Política, p.A4

 

 

 

 

 

 

Sem delação, Cunha ataca Funaro e defende Temer

 

Lava Jato. Em depoimento, deputado cassado diz que suposta compra de silêncio foi ‘forjada’ para derrubar presidente; peemedebista levanta suspeição contra ministro

Por: Fabio Serapião / Beatriz Bulla

 

Fabio Serapião

Beatriz Bulla / BRASÍLIA

 

Após ter a negociação de um acordo de colaboração encerrada com o Ministério Público Federal (MPF), o deputado cassado e ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) ataca a delação do corretor Lúcio Funaro, apontado como operador de seu partido, e ensaia uma defesa do presidente Michel Temer. Segundo Cunha, uma suposta compra de seu silêncio pelo empresário Joesley Batista, do Grupo J&F, com anuência do presidente, foi “forjada para derrubar o mandato” do peemedebista.

Preso em Curitiba desde outubro do ano passado e condenado na Lava Jato, Cunha prestou ontem depoimento na 10.ª Vara Federal Criminal de Brasília ao juiz Vallisney de Souza Oliveira na Operação Sépsis, que investiga pagamento de propina por empresas em troca de liberação de aportes do Fundo de Investimento do FGTS (FIFGTS). Enquanto acenava com a possibilidade de um acordo de delação, Cunha chegou a apresentar perguntas “constrangedoras”, nas palavras do juiz Sérgio Moro, a Temer.

Ontem, Cunha negou ter recebido dinheiro de Joesley. “Deram uma forjada, e Joesley foi cúmplice e agora está pagando o preço por isso”, afirmou o deputado cassado. A delação de executivos da J&F foi suspensa pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e a imunidade penal concedida aos colaboradores foi cancelada.

As delações da J&F e de Funaro embasaram as denúncias feitas pelo ex-procurador-geral Rodrigo Janot contra Temer – a primeira por corrupção passiva e a segunda por obstrução da Justiça e organização criminosa; ambas foram barradas pela Câmara. O deputado cassado disse que vai pedir um “reexame” da delação do corretor porque o acordo teria sido feito às pressas pela PGR, sob o comando de Janot, para viabilizar a segunda acusação. Para Cunha, esse procedimento acelerado levou a “falhas” e “omissões”.

O deputado cassado, além de negar a suposta compra de seu silêncio por Joesley, chamou Funaro de “mentiroso” e disse serem falsas as informações levadas pelo delator sobre encontros de que ele teria participado com a presença de Temer. “Esses três (encontros com Temer) que ele (Funaro) cita, ele nunca teve. Na minha frente ele nunca cumprimentou o Michel Temer”, disse Cunha.

Os encontros relatados por Funaro, em sua delação homologada pelo Supremo Tribunal Federal, foram um na base aérea de São Paulo, outro durante comício em Uberaba, em Minas, em 2012, e um terceiro em reunião de apoio à candidatura de Gabriel Chalita à Prefeitura de São Paulo, também em 2012.

O advogado do corretor, Bruno Espiñeira, disse ao Estado que seu cliente “reitera o compromisso de seguir colaborando”. “Quanto ao depoimento de réu não colaborador, a Constituição lhe assegura falar o que bem entender sem qualquer compromisso com a verdade.”

 

Apresentação. No depoimento, Cunha, porém, confirmou uma informação apresentada por Funaro, de que teria intermediado um encontro com o ministro Moreira Franco, em 2010, à época vice-presidente da Caixa. Ele disse que não recebeu propina, mas levantou suspeição sobre o correligionário.

“Se Moreira Franco recebeu, e em se tratando de Moreira Franco até não duvido, não foi por minhas mãos”, disse. O ministro afirmou, em nota, que “são notórias as divergências políticas” entre ele e Cunha, por isso “não surpreende qualquer juízo de valor”. O deputado cassado também afirmou ter apresentado Funaro aos ex-ministros Geddel Vieira Lima e Henrique Eduardo Alves, mas negou ter conhecimento sobre quaisquer ilícitos praticados por eles.

 

CRONOLOGIA

O que já disse o ex-deputado

25 de novembro de 2016 Perguntas

A defesa de Cunha envia ao juiz Sérgio Moro 41 perguntas ao presidente Michel Temer, arrolado como sua testemunha de defesa em ação penal. Cunha questiona Temer sobre a relação com o advogado José Yunes, citado na delação da Odebrecht.

 

7 de fevereiro de 2017 Reunião

Cunha contraria versão de Temer e afirma ao juiz Sérgio Moro que o presidente participou, em 2007, de reunião com a bancada do PMDB para discutir indicações para diretorias da Petrobrás. Segundo Temer, “não houve essa reunião”.

 

19 de junho Carta

Citado em conversa entre Temer e Joesley Batista, Cunha, em carta, nega ter seu silêncio comprado. Três meses depois, Temer seria denunciado por organização criminosa e obstrução da Justiça – ele teria atuado para evitar delação de Cunha e do corretor Lúcio Funaro.

 

6 de novembro Depoimento

Cunha nega ter recebido dinheiro para não fazer delação e diz que a suposta compra do seu silêncio foi “forjada para derrubar” Temer.

 

 

 

 

 

 

Ex-ministro chora e admite caixa 2

Por: Beatriz Bulla / Fabio Serapião

O ex-ministro Henrique Eduardo Alves chorou algumas vezes em depoimento à 10ª Vara Federal Criminal, em Brasília, no qual respondeu perguntas sobre uma conta na Suíça atribuída a ele e admitiu ter recebido doações eleitorais via caixa 2. O peemedebista está preso desde junho deste ano em Natal, em decorrência de outra investigação.

Sobre a conta, Alves disse que não sabia de dinheiro depositado e negou ter dado ordem a alguém para movimentá-la. Investigadores, porém, identificaram transação equivalente a mais de US$ 800 mil. No depoimento, Alves também admitiu que recebeu doações eleitorais de empresas “sem ter declarado à Justiça Eleitoral” os valores./ B.B. e F.S.

 

 

 

Para presidente, Janot tentou impedir a indicação de PGR

Por: Felipe Frazão / Carla Araújo

 

BRASÍLIA

 

O presidente Michel Temer afirmou ontem que foi denunciado criminalmente duas vezes porque o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, autor das acusações formais, queria impedir sua influência no processo de escolha do novo chefe do Ministério Público.

Temer se disse “vítima” de uma “trama” que “pretendeu mergulhar o Brasil numa crise política” ao discursar para deputados líderes de partidos e de bancadas na Câmara dos Deputados, convidados para reunião no Palácio do Planalto.

“Urdiram muitas tramas, na verdade, para derrubar o presidente da República, derrubar o regime posto. As duas denúncias que foram desautorizadas o seu prosseguimento pela Câmara, hoje está robustamente, relevantemente, fortemente demonstrado, era uma articulação que tinha um objetivo mesquinho, minúsculo, menor, de derrubar o governo para impedir o presidente de indiciar o sucessor daquele que ocupava a PGR”, disse o presidente.

Com o fim do mandato de Janot, Temer indicou para substituí-lo a segunda colocada na lista tríplice encaminhada pela Procuradoria-Geral da República, Raquel Dodge. Ele rompeu o histórico recente ao ignorar o primeiro colocado, Nicolao Dino, do grupo de Janot. Raquel é tida como adversária interna do ex-procurador-geral no órgão. / FELIPE FRAZÃO e CARLA ARAÚJO