O globo, n. 30707, 02/09/2017. Economia, p. 19.

 

Economistas divergem se retomada veio para ficar

Cássia Almeida/ Marcello Corrêa/ Rennan Setti/ Marina Brandão/ Lucianne Carneiro

02/09/2017

 

 

Muitos veem crescimento cíclico. Outros vislumbram recuperação gradual

 
 
 

Reação no mercado de trabalho mais rápida do que o esperado; inflação e juros básicos em queda; e crédito começando a melhorar sustentam a recuperação da economia daqui para frente, na opinião de especialistas. Mas essa convicção não é unânime. Há quem afirme que essa recuperação responde a um movimento cíclico da atividade econômica, quando estoques são recompostos depois de muito tempo, empurrando a economia. E os ganhos salariais, puxados pela inflação baixa provocada pela recessão prolongada, não devem se repetir por muito tempo.

— Começamos a ver a recuperação do mercado de trabalho e os juros estão caindo, o que vai ajudar lá na frente — afirma Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados.

Para a economista Monica de Bolle, professora da Escola de Estudos Avançados da Universidade Jonh Hopkins e pesquisadora sênior do Peterson Institute for International, o crescimento de 0,2% é apenas um movimento autocorretivo da economia, após um longo ciclo recessivo.

— Não teve reação do lado do investimento, o quadro fiscal está desordenado, não fizeram ajuste, não fizeram reforma. O teto dos gastos vai cair sobre nossas cabeças sem a reforma da Previdência. A leve melhora não vai se sustentar tanto assim com o consumo — afirma Monica.

 

‘Essa reação é resultado da própria recessão’

Ela lembra que o consumo das famílias reagiu, mas isso ocorreu após nove trimestres seguidos de queda:

— A inflação em queda, mais acentuada do que o Banco Central (BC) previa, é um movimento endógeno. Vai haver algum sinal de recuperação. Alguns salários para os que estão empregados foram reajustados pela inflação passada, e há com isso um ganho salarial. Essa reação é resultado da própria recessão prolongada e um pouco da atuação do BC.

Para Vale, da MB Associados, a reversão do quadro recessivo foi muito forte, o que demonstra a força da recuperação:

— A recuperação não tem sido trivial. Saímos da maior recessão por dois anos, de 3,6%, para um crescimento, sem poder usar os instrumentos clássicos para reativar a economia, como políticas fiscal e monetária, num primeiro momento. Além disso, conseguimos aprovar o teto dos gastos, a reforma trabalhista e devemos aprovar a TLP (nova taxa de juros do BNDES).

Sem a retomada dos investimentos, não haverá uma reação mais sólida do PIB, afirma Margarida Gutierrez, do Coppead/UFRJ:

— Para isso, será preciso recuperar a confiança no futuro da economia, a aprovação de reformas de impacto fiscal e a diminuição das incertezas da crise política.

De acordo com a economista, caso o ritmo do primeiro semestre seja mantido, o PIB encerrará o ano com crescimento de 1%:

— Isso tem tudo para acontecer, porque as bases estão dadas. A questão é que pode haver um fator exógeno, como se tivermos um outro 17 de maio (data em que O GLOBO divulgou as denúncias contra o presidente Michel Temer, fruto da delação de Joesley Batista, da JBS).

Para André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos, a alta impulsionada pelo consumo das famílias não é suficiente para garantir um crescimento sustentável da economia. Segundo o analista, as taxas de desemprego ainda pesam sobre a atual conjuntura:

— Muita gente tem falado que a queda do desemprego poderia puxar o consumo das famílias. Mas, apesar de as taxas estarem diminuindo, o número de desempregados ainda é muito elevado, e a qualidade dos empregos criados está pior. Criam-se mais vagas sem carteira de trabalho do que com carteira. A geração de empregos não é suficiente para garantir tanto crescimento.

O economista defende ainda que, apesar de o resultado positivo ser o segundo seguido no ano — o que, tecnicamente, representaria o fim da recessão — ainda não é possível garantir o fim deste cenário:

— Não é o que sentimos na sociedade. Para se ter uma ideia, se o PIB crescer 1% por trimestre, chegaremos ao nível de produção de 2014 só em 2019. O governo está tão desesperado que está literalmente contando moedinhas. O que vemos é uma atividade ainda muito fraca para o tamanho do tombo da economia.

A taxa de desemprego vem caindo há dois trimestres, mas ainda há 13,3 milhões de pessoas à procura de ocupação. O Banco Central vem baixando os juros desde novembro do ano passado, que caíram de 14,25% ao ano para 9,25%. A expectativa do mercado é que cheguem a 7,25% no fim de 2017. E, ontem, após a divulgação do resultado do PIB, os juros no mercado financeiro recuaram. Isso pode dar um fôlego ao crédito, que já mostrou ligeira reação no trimestre, com as concessões de empréstimos subindo 1,8%.

 

Fundamentos para sustentar recuperação

Alessandra Ribeiro, sócia economista da Tendências Consultoria, afirma que há fundamentos que podem sustentar a recuperação:

— A inflação está caindo muito mais que se imaginava, houve geração de vagas no segmento do setor privado sem carteira assinada, antes até do que se imaginava, a renda real está subindo 3%. A queda de juros vai dar mais força para o crédito.

Mas o movimento dos estoques indica uma recuperação mais cíclica. Os números do IBGE mostram que, do segundo trimestre de 2015 ao segundo trimestre de 2016, os agentes somente queimaram estoques, diante da retração da demanda. Um exemplo claro é a indústria automobilística, que operou durante um bom tempo usando menos da metade de sua capacidade instalada.

— No terceiro trimestre de 2016, o indicador de estoques ficou nulo e, depois, passou a ser positivo. Nesse sentido, podemos dizer que é uma recuperação cíclica natural. Começa-se a se recompor estoques, mesmo que a demanda não tenha crescido — afirma Paulo Levy, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Solange Srour, da ARX Investimentos, vê poucas chances de a economia voltar a recuar, mas tem dúvidas se o PIB vai crescer de forma sustentada:

— A recuperação é gradual. Agora, se vamos voltar a crescer de forma sustentada, a 2%, 2,5% ao ano, é uma outra discussão, que depende de diversos fatores. Mas o fundo do poço parece estar definitivamente para trás.

 

Expectativa de resultado melhor do PIB

Os analistas destacam ainda que um crescimento puxado exclusivamente pelo consumo — o investimento continua em queda — não é sustentável a longo prazo. Mas a recessão foi tão profunda que, pelas estimativas do economista Luiz Otávio Leal, da ABC Brasil, mesmo que o consumo siga avançando, só em 2019 a economia terá ocupado toda a ociosidade que tem hoje disponível.

Para 2018, a preocupação é com o cenário eleitoral. Vale, da MB Associados, lembra que uma campanha eleitoral polarizada entre candidatos extremistas pode minar a recuperação da economia brasileira.

De qualquer maneira, o resultado do PIB divulgado ontem pelo IBGE veio acima do esperado pelos analistas e já provocou uma revisão das projeções para a expansão do PIB deste ano e do próximo. Vale revisou sua expectativa para o PIB de 2017 de 0,3% para 0,7%. Para 2018, prevê alta de 3%. Até a divulgação dos números do segundo trimestre ontem pelo IBGE, esperava alta de 2,5%:

Alessandra, da Tendências, vai mudar seus números. Ainda está fazendo as contas, mas deve subir sua projeção do resultado do PIB deste ano de 0,3% para 0,5%. Manterá uma previsão de crescimento de 2,8% para 2018, mas admite que este poderá ser maior.

O Ibre, da Fundação Getulio Vargas (FGV), revisou sua projeção de 2017 de 0,6% para 0,7%, diante do resultado acima do esperado no meio do ano. O ABC Brasil também espera PIB maior e agora vê um crescimento de 0,5%, e não mais de 0,3%. A ARX Investimentos, que estava prevendo 0,1% de avanço do PIB no segundo trimestre, acredita que a economia vai fechar o ano com avanço de 0,7%.

— Não mudamos a projeção, mas agora ela está com um viés de alta — disse a economista Solange Srour